Já batia às 23 horas da noite de domingo e a circulação das pessoas pelo centro da cidade era quase nula, devido a chuva que caía forte desde as 15 horas daquele dia. Uma mulher caminha pela chuva. Por conta do barulho da água caindo e chocando-se com o asfalto, não era possível notar a distância, que a mesma chorava. Ela acessa as escadarias da estação de metrô, passa pela catraca e desce pela escada rolante chegando à plataforma onde uma composição já aguardava que as poucas pessoas presentes ali entrassem. Essa mulher cujo os cabelos lisos estavam molhados e caindo por seu rosto, ela não entra. Apenas espera que as portas dos vagões se fechem e que o metrô parta deixando a plataforma vazia.
Naquele momento ela ouve mais uma vez a voz que trouxe até ali.
— Não há mais razão para continuar vivendo. — Pontuava a voz. — Você tentou se manter sóbria, tentou se manter na luta do dia a dia, mas você perdeu, perdeu tudo. Ele não vai voltar.
A mulher se lembrava de todas as coisas ruins que passara, e já não estranhava mais a voz que lhe dizia para desistir da vida. Pelo contrário. A possibilidade de poder desistir de tudo lhe trazia conforto.
— Se você pular, tudo acaba — A voz tentava convencê-la. - É só pular e tudo acaba. Tudo acaba. A dor vai embora.
Sem mais forças para suportar toda a situação que passava, toda a vida triste e sem esperança que a esperava, ela vira seu rosto para o lado notando que uma nova composição se aproximava. O primeiro passo é dado para dentro da faixa amarela de segurança enquanto o metrô se aproxima. Um segundo passo e o corpo agora se inclina, os olhos lacrimejados se fecham e o corpo se deixa ir. Faltava pouco, tudo ia acabar….
É quando uma mão, quente e de toque suave a segura pelo braço e de forma leve e com cuidado, a puxa de volta. Em um processo que aos seus olhos pareciam lento como um filme em sllow motion, seu corpo volta para trás. Ela olha para o lado com os olhos arregalados enquanto o trem fecha suas portas e parte novamente. O silêncio se fez uma vez mais presente na plataforma da estação.
A mulher olhou a pessoa que docemente a puxara para trás.
— Eu não sei o quão dolorido precisa estar o coração de uma pessoa pra optar por acabar com a própria vida, mas eu sei que seja o que for, sempre tem um jeito de recomeçar.
A garota de cabelos pretos encaracolados e olhar profundo, uma pele branca e um sorriso sereno a pega pelas mãos e caminha com ela até o meio da plataforma afastando-a do abismo.
— Ainda não é a sua hora.
A mulher olha para o lado, olha para a garota à sua frente, olha para a linha do metrô novamente…
— Eu ….eu…
A garota apenas a abraça, enquanto a mulher perde suas forças, as pernas cambaleiam e ela desmaia. A garota se abaixa junto com ela a colocando de forma carinhosa no chão.
A garota calmamente se afasta e então, os olhos da mulher se abrem. Sua feição muda, o semblante triste e desesperador de antes deu lugar a um agressivo, com olhos vermelhos que exalavam um mal encarnado. O cheiro de enxofre impregnou o lugar enquanto a temperatura caiu drasticamente. O corpo da mulher então se levanta ficando de pé, não de um jeito normal, mas de uma forma como se seus ossos estivessem se desencaixando e encaixando novamente dentro de seu corpo. Quando se levanta por completo ela olha para a garota à sua frente.
— Sua vadia estúpida — A voz já não era mais a mesma. Era diferente, era ameaçadora e gutural, era realmente o sinal de que, seja quem fosse que estivesse ali, já não era mais a mesma pessoa que tentava se suicidar a momentos atrás. — Eu estava prestes a recolher mais uma alma. Ela seria minha. Mas vocês caçadores não conseguem parar de nos atrapalhar. — A mulher então tomada de fúria começa a avançar contra a garota, que se prepara para resolver o problema.
A mulher praticamente salta do ponto que estava em cima da garota que se move para o lado e de costas, ela desfere um chute que acertou as costas da mulher possuída que tem seu corpo projetado contra uma uma das vigas de sustentação da plataforma. Ela bate com violência e cai em seguida, rapidamente já se virando de bruços, se apoiando nos braços e se levantando. A mulher avança novamente tentando, com as unhas, rasgar a pele da oponente que vai dando passos para trás e desviando dos ataques, bem como usando sua própria mão para desviar a direção dos golpes, até que ela agarra o pulso esquerdo da mulher, passa por ela torcendo o braço dela, agarrando-a dando-lhe um “mata leão”, porém a mulher inclina seu tronco para frente fazendo a garota passar por cima das costas dela e se chocar com o chão da plataforma. Como um tigre que se prepara para rasgar sua presa ela arqueia os dedos com as unhas expostas e ataca, mas com os antebraços cruzados diante do rosto a garota defende as garras que chegam a perfurar sua jaqueta. Ela ergue as duas pernas passando-as pelo pescoço da possuída e com a força que ainda tem a arremessa para frente. O corpo da mulher dá uma cambalhota no ar até cair de costas na plataforma enquanto a mesma solta um uivo de dor e ódio. A garota então se levanta ao mesmo tempo que gira seu corpo ficando por cima da mulher, sentando-se em cima de seu tronco e cruzando os braços da própria possuída sobre seu peito. A mulher se debate como se seu corpo estivesse em chamas, na tentativa de sair debaixo de sua oponente.
— Exorcizar — É a palavra dita que desencadeia uma série de eventos consecutivos. Primeiro um vento forte começa a soprar no local, poeira e papéis caídos pela plataforma começam a ser levados pela ventania. Os olhos da mulher, de vermelho, começam a ficar prateados e em seguida, são convertidos em pura luz. Da boca da mulher uma luz branca também surge para em seguida essa mesma luz se dissipar e dar lugar a uma nuvem negra espessa que sai pela boca da mulher, subindo no ar passando por dentro de toda a estrutura de concreto da estação ganhando os céus escuros e se dissipando no meio da chuva.
Na manhã seguinte a mulher acorda em uma cama de hospital. Seu marido estava ao seu lado. Quando seus olhos se abrem e ela percebe o homem ali, ela desaba a chorar. Os dois se abraçam enquanto ela pede desculpas por não ter conseguido salvar seu filho no dia do acidente que o vitimou. O homem a abraça mais forte ainda. — A culpa não foi sua, foi uma fatalidade. Ninguém tem culpa — Justifica ele em lágrimas. — Nós vamos, vamos recomeçar…
Em cima de um edifício mais afastado dali, a garota conseguia não só enxergar como ouvir tudo que acontecia naquele quarto. Ela deixou escapar um sorriso. Mais uma vida estava salva. Mais um demônio voltou para o inferno. É quando um homem de cabelos longos prateados usando uma túnica branca para ao lado dela.
— Isso foi um sorriso? — Pergunta ele.
— É, acho que foi. — Responde ela com os olhos brilhando.
— Essa semana — Diz ele enquanto olha para o horizonte respirando fundo. — Tivemos mais possuídos do que o comum. Tem alguma coisa acontecendo entre o céu e a terra. Fique alerta, Caçadora.
— Pode deixar, pode deixar — Responde ela respirando fundo enquanto a luz do sol toca seu rosto.
E então, continua ou não?
3 Comentários
Uau!
ResponderExcluirAdorei o clima de série sobrenatural, toda a construção da possessão, o que levou a mulher a, enfraquecida, não poder evitar o demônio, a cena do combate, bem como do próprio exorcismo... Simplesmente fantástico.
E a resolução, com a mulher encontrando no marido a força para vencer u mterrível trauma, bem como esse gancho final... Cara, por favor, me diz que será uma nova série, por que quero ler mais!
meus mais sinceros parabéns!
Que conto f..dástico!!!
ResponderExcluirConto tendo, onde uma pessoa possuída por um demônio ,no auge do desespero tenta dar cabo à vida ,sendo salva pela Caçadora que, teve que enfrentá-la, já possuída de vez !
Um episódio dramático com toques de terror !
Muito bom !
Eu curti muito !
Você foi brilhante ,Rodrigo!
Texto curto e arrebatador!
Parabéns!!!
Maravilhoso texto Rodrigo, eu comecei ele bem apreensivo pois, a temática do suicídio é algo bem pesado e me causou um mal estar bem grande pois não sabia que rumo tomaria, a escrita ficou tão forte e real, que pude imaginar a tristeza e o desespero da mulher para se jogar as trilhos... Tu bagunçou minha pressão arterial com o rumo que aquela cena poderia ter tomado, mas felizmente apareceu algo pra impedir e tivemos outro desfecho muito menos pesado e muito mais agradável de se ler,, excelente escolha cara! Então quando alguém puxou o braço dela imaginei mil coisas, mas apesar do título eu sequer cogitei ser a própria chegando na cena, realmente me surpreendeu a forma como ela surgiu pois foi um contraste muito show, a leveza dela apesar do trabalho que executa! Quando finalmente o que tentava controlar a moça surge, então finalmente eu consegui me soltar no texto e seguir à frente como empolgação renovada, uma vez que o combate foi muito bem descrito, muito bem apresentado, nos colocando completamente dentro da cena acontecendo! Realmente um belíssimo trabalho, curti muito a forma que apresentasse e o gancho que deixasse, só torcer pro projeto continuar para vermos mais essa Caçadora em ação, parabéns meu velho! \0/
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