Capítulo VII - Houji e Yumi
O segundo a aderir à causa de Šišio foi Hōdži Sadodžima,
alcunhado de “O conhecimento ilimitado”. Nascido em uma família de pescadores
de Niigata (região noroeste do Japão) no ano de 1843, Hōdži durante o Bakumatsu foi um dos mais ardentes
defensores da causa monarquista. Assim como Šišio, Hōdži via o Xogunato como
incapaz de salvar o Japão de ser colonizado por alguma potência européia, e
assim aderiu à causa monarquista nos idos de 1863. Para Hōdži, a restauração do
poder nas mãos do Imperador era o caminho certo no Japão, e não a continuação
dos Tokugawa no poder. Hōdži tentara ser um espadachim quando mais jovem, mas
não levava jeito para a esgrima. O mestre dele o achou desajeitado e sem
talento para a coisa. Mas, o tempo foi pouco a pouco mostrando que o seu
verdadeiro talento não estava no campo de batalha, e sim fora dele. Em sua
cidade natal, Hōdži tornou-se um dos grandes estrategistas dos monarquistas,
contribuindo enormemente para que as forças a favor do Xogunato fossem expulsas
de Niigata.
A Restauração Meidži chegou, e Hōdži prontamente aderiu ao
novo governo, acreditando que seu talento tático-estratégico seria de grande
utilidade para o futuro do Japão. Ganhou um alto cargo no Ministério da Defesa.
Mas suas esperanças logo se transformaram em desilusões. Hōdži via os políticos
ao seu redor muito mais preocupados com manobras e ganhos pessoais que com o
futuro do país. E isso pouco a pouco foi desanimando-o, até que em 1872 ele,
sem cerimônias, abandonou o cargo. O próprio Hōdži escreveu uma carta a seu
antigo chefe explicando as razões de sua renúncia. Na carta de renúncia, Hōdži
escreveu que se a situação presente continuar como está o Japão será reduzido a
uma mera colônia de alguma potência européia, e ainda citou as invasões mongóis
ao Japão, ocorridas seis séculos antes.
Ao longo do século XIII os mongóis, sob a liderança de Čingis
Khan e os descendentes dele, sujeitaram várias nações e reinos a seu domínio
desde as proximidades de Viena e Veneza até a Coréia e de Novgorod no norte da
Rússia ao Sudeste Asiático e o Golfo Pérsico. Em 1274 e em 1281 o furacão
mongólico invadiu o Japão, só que tais invasões malograram devido à resistência
nativa e as tempestades marítimas (as quais ficaram conhecidas como kamikadze, o vento divino) que destruíram
com a frota invasora. Assim o Japão ficou livre do jugo mongólico. Hōdži em sua
carta de renúncia disse, entre outras coisas, que caso a situação continue como
está a mesma a sorte que o Japão teve nos episódios das invasões mongólicas
certamente não se repetirá (ainda mais que agora está diante de nações com um
raio de ação muito maior que os mongóis do século XIII tinham). Em outras
palavras, reduzido a uma situação similar à da outrora poderosa China.
Em decorrência de sua renúncia, Hōdži passou três longos
anos na miséria. Mesmo sua renúncia tendo causado grande repercussão dentro de
seu antigo ministério, logo ela foi esquecida e mais adiante tida como uma mera
eventualidade. Nada mais que isso. Até que um dia, bem por acaso, se encontrou
com Makoto Šišio. Os dois logo perceberam o valor um do outro: Hōdži viu em Šišio
um grande espírito de liderança, a pessoa certa de que o Japão precisa; e Šišio
viu que Hōdži, com o seu talento fora do campo de batalha, poderia ser de
grande valia para seu intento. Em outras palavras, o assessor de que precisa. E
assim Hōdži Sadodžima se juntou a Makoto Šišio, tornando-se o número 2 do
espadachim mumificado. Com Hōdži do seu lado, o crescimento do Džuppongatana
era apenas uma questão de tempo.
Mais ou menos na mesma época, Šišio enamorou-se da ex-gueixa
Yumi Komagata, a qual assim como Hōdži nutria um ódio mortal em relação ao
governo Meidži, só que por uma razão bem diferente: durante os anos finais do Xogunato
e nos primeiros anos da era Meidži, Yumi Komagata foi a oiran número 1 do distrito de Šin-Yošiwara, um famoso distrito de
prostituição em Edo/Tóquio. Durante os anos do Bakumatsu, partidários tanto do Xogunato
quanto dos monarquistas requisitavam seus serviços. Nos primeiros anos após a
Restauração, sua fama atingiu um patamar muito grande que até mesmo membros de
alto escalão do novo governo tinham dificuldade em requisitar sua presença.
Embora fosse um lugar muito animado, ainda assim tinha seu lado sombrio e
escuro. Para Yumi era um lugar de muito sofrimento, mas ainda assim ela tinha
orgulho de ser oiran.
Tudo ia bem para Yumi, até que em 1872, o ano 5 da Era Meidži,
um incidente internacional colocou o velho mundo dela de cabeça para baixo: o
incidente do navio Maria Luz entre o Império Japonês e a República do Peru.
Vindo de Macau (na época colônia portuguesa na China) e tendo como destino
Callao no Peru, o navio atracou em Yokohama para consertar danos causados
devido a uma tempestade marítima. Enquanto o navio fazia seus reparos, um
trabalhador escravo chinês teve a audácia de fugir do navio, e com isso veio à
tona o uso do navio para transporte de escravos e os maus tratos por eles
sofridos. Além do trabalhador fugitivo em questão, havia outros 231
trabalhadores chineses no mesmo navio.
O governo Meidži levou o caso a julgamento e libertou os
escravos. Entretanto, o Japão mal fazia ideia da roubada na qual se envolveu.
Visto que o Peru em seguida contra-atacou argumentando que o Japão mantinha as
mulheres dos distritos dos prazeres em situação similar.
O Japão (que em 1873 solicitou arbitragem do tzar da Rússia,
Alexandre II, como parte neutra e este deu ganho de causa à Nação do Sol
Nascente dois anos depois) teve uma grande dificuldade em responder às
acusações da nação sul-americana, e no fim das contas chegou à seguinte
conclusão: de que “as mulheres dos distritos dos prazeres não eram seres
humanos, apesar de terem a aparência de seres humanos. Ou seja, elas são como
gado. E como não há sentido em indenizar animais, nós iremos libertar as
mulheres supracitadas sem pagar nenhuma indenização”. E assim tal impasse foi
resolvido, de forma bem negativa para Yumi. Dois pesos, duas medidas.
No fim das contas, a vitória diplomática que o Japão obteve sobre
os tratados desiguais assinados anos antes com as potências europeias para Yumi
essa vitória teve um sabor bem amargo. Visto que o Japão criou uma nova
legislação na qual a compra e a venda das mulheres dos distritos dos prazeres
no dia 2 de fevereiro de 1872, com o “Šogui
Kaihō Rei” (Decreto de Libertação das Mulheres dos Prazeres), foram
proibidas. Mas como a própria Yumi disse em uma conversa a Čō, nenhuma
indenização às mulheres dos prazeres foi paga, e com isso ela caiu na pobreza
(além de adquirir um ódio visceral do Governo Meidži).
Essa situação se prolongou até que enfim conheceu Makoto Šišio
por um golpe do acaso em meados de 1875. Assim como aconteceu com Sōdžirō, Yumi
presenciou Šišio matando alguns
policiais nas proximidades de Osaka. Šišio lançou um olhar furioso para cima da
ex-gueixa, mas ela não se apavorou. Pelo contrário, ficou calma e tranquila, e
os dois logo se entenderam e se apaixonaram um pelo outro. Assim mais uma
história de amor teve início. Além do amor, o ódio pelo governo Meidži também
os une.
1 Comentários
Gosto muito desse estilo de meta-ficcão, onde ,ninguém melhor que você une fantasia e fatos históricos reais.
ResponderExcluirToda essa contextualização enriquece muito a trama.
A única dificuldade que sinto é em relação a pronúncia que você escreve.
Você é fiel aos fonemas nativos.
Eu sugeria um aportuguesamento dos tênis e nomes.
Facilita a leitura!
No mais, parabéns!
Capítulo excelente!