Fala povo!
E continua a corrida para terminar “Vila da Morte”. Nesse trecho uma singela luz de amor se acende em meio a escuridão de almas atormentadas.
Sinopse:
Finalmente Ângela e Reinaldo se encontram, dando início a o único tipo de amor que o pedaço do inferno de onde vieram lhes é permitido...
Obrigado @todos
IV - O Presente
O Rei da Morte achou estranho o chamado repentino de seu mestre. Raramente era interrompido no meio de um serviço. Estava punindo um drogado novato, cujo rosto já tinha deixado irreconhecível, faltava somente quebrar um dos braços.
- Abestalhado, Abestalhado… O chefe quer falar com você agora mesmo. Vê se não demora! Fui!!! - Deu o recado o Rato de cima de um dos barracos, desrespeitoso como sempre era, partindo em seguida saltando pelos telhados agilmente do modo que apenas ele conseguia, sumindo na escuridão da noite em poucos segundos.
Largou o viciado e foi até a casa do Barra pesada, que era difícil de errar, pois ficava bem no meio da Vilinha, como um castelo tão sombrio quanto luxuoso, protegido por dezenas de barracos e algumas construções mal cabanas, todos tortos como as almas de seus habitantes, que fariam de tudo para proteger aquele pedaço de chão maldito, onde suas atrocidades eram atos banais, sendo então um obstáculo quase intransponível para chegar até o senhor das trevas que ali governava.
Chegou o mais rápido que podia, como sempre fazia, afinal de contas, Barra Pesada era a única pessoa a quem respeitava, meramente por força da criação doentia a qual tinha sido submetido.
- Você está horrível… - Disse Barra Pesada ao pôr os olhos em sua criação - Culpa minha… Eu deveria ter pedido para você tomar um banho…
Reinaldo não respondeu, quase não falava mesmo. Encarou o mestre com cara de tédio, o que não passou despercebido.
- Concordo com você… Eu também detesto perder tempo.. Bem… Tenho um presente para você… É a minha forma de agradecer pelos seus serviços e te manter motivado… Tragam ela!!!
Não é possível descrever com palavras o momento em que os olhos da criatura mais brutal daquele pequeno mundo deitou seus olhos na coisa mais bonita que já havia visto em toda sua existência. Era como se ela brilhasse em meio toda aquela treva da qual sua vida era feita. Não fazia ideia do que fazer… Pela primeira vez suas mãos tremeram, o coração acelerou, começou a suar… Timidamente baixou os olhos, como se fosse indigno de contemplar a mais pura beleza que se apresentava a ele como uma deusa a um mortal insignificante. Pensou em sair correndo dali em total desespero, não o fez por medo de nunca mais poder vê-la novamente, queria na verdade passar o resto de sua vida olhando para ela…
Ângela por sua vez também ficou estática por um segundo. Sua alma insana era incapaz de sentir medo e passava o tempo todo envolta de uma alegria mentirosa, perturbadora, porém naquele momento ela derramou uma lágrima. Tinha ouvido histórias sobre o “Rei da Morte”, um dos piores demônios que habitavam aquele pedaço do inferno, onde todo indivíduo de bom coração tinha sido expulso ou assassinado, ficando somente o pior que a sociedade era capaz de criar. Fisicamente ele era tão grande quanto as histórias contavam, mas no fundo do olhar, aquele olhar que se recusava a se fixar nela, viu a si mesma. Viu uma alma moldada por níveis de dor que desafiavam a razão. Sentiu uma profunda pena, como nunca havia sentido antes. Deu uns passos em direção a ele e o abraçou com força.
- Nunca mais vão machucar você… Eu não vou deixar.. - Ângela disse com total sinceridade.
O que estava acontecendo? O que ela estava fazendo? O Rei da Morte estava em colapso total. Até aquele dia só conhecia violência, vivia pela lei do mais forte, era esmagar antes de ser esmagado, mas naquele momento, diante da ternura, não sabia o que fazer… Restava somente se entregar. Os braços fortes tão acostumados a quebrar ossos, envolveram desajeitados aquele pequeno ser… Mesmo em meio a toda confusão de sua mente, uma certeza surgiu, nunca mais a deixaria, pois ela era como um pedaço de sua alma, sem a qual não poderia mais respirar…
Barra Pesada também ficou sério… Imaginou se não tinha posto a perder a arma que a tanto custo lapidou… Sua fera, não podia de modo algum ficar mansa… Mal sabia o nome da garota, não ligava pra ela. Tão somente ela era um objeto quebrado que ele considerou ser menos trabalhoso dar de presente ao seu “bichinho”, do que jogar no lixo. Tinha que se manifestar. Olhou para o copo de cerveja importada em sua mão e teve uma ideia.
O som do copo de vidro se espatifando no chão, foi como o rugir de uma fera do inferno, relembrando que as almas ali presentes estavam destinadas eternamente ao choro e ranger de dentes.
- Vagabunda… Limpe pra mim… - Barra pesada disse olhando diretamente nos olhos de Ângela, sem se importar com a ira que se iniciava na alma de Reinaldo. - Opa… Agora mesmo… Estou aqui para servir…
- Ângela prontamente começou a recolher os cacos e a limpar o chão com o vestido.
- Assim não… Faça do jeito que eu gosto… Limpe com a sua língua… - Ordenou com um sorriso demoníaco.
Reinaldo quase deu um passo na direção de Barra Pesada, mas algo o deteve. Não era simplesmente medo… Barra pesada tinha de algum modo controle pleno da mente do rapaz. - Ai… Que desastrada… - Ângela cortou de leve a língua.
Barra Pesada colocou o pé sobre a cabeça da garota, esfregando a cara dela no chão. - Você é forte, moleque… Mais será que é rápido? Me diga e se eu quisesse esmagar a cabecinha frágil da sua putinha, você conseguiria impedir.
Reinaldo encarava seu mestre com o mais profundo ódio. - Abaixe os olhos… Abaixe agora… Você quer que eu me divirta um pouco mais com seu brinquedo, não que eu e os outros já tivemos um gostinho dessa delícia… Que que eu faça na sua frente? OLHA PRA BAIXO… SEU PORRA!!!!
Reinaldo obedeceu…
- Não se esqueça.. Eu dei, eu posso tomar! Pode ir… Tire sua vagabunda da minha frente, ela fede mais que você…
Continua...
2 Comentários
A cada conto do arco da Vila da Morte ,eu me surpreendo com a sua capacidade de tocar na ferida de modo tão preciso.
ResponderExcluirBarra Pesada representa aqui, a nossa sociedade apodrecida em sua potência máxima
A gente sente várias coisas quando lê.
Raiva , impotência , desespero, empatia...
Parabéns por mais um episódio emblemático!
Obrigado, meu amigo! Espero corresponder as expectativas de todos.
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