Capítulo VII - Segredos e boatos (parte I)
Enquanto isso, algumas coisas acontecem na política de
Asgard. Durval morre em 1980, durante uma expedição militar a Vanaheim. Depois
de um sucesso inicial na expedição anterior, Durval resolveu ele mesmo liderar
uma nova expedição, desta vez com a intenção de conquista das terras ao sul de
Asgard. Só que dessa vez a expedição não foi coroada de sucesso e o próprio
Durval foi morto em combate. E por um soldado de baixo escalão do exército
adversário após ser atingido por uma flecha.
Depois que Durval morreu, enfim veio à tona alguns detalhes
sobre o passado sombrio dele, histórias que já faz algum tempo circulavam em
Asgard, mas que até então era algo jogado para debaixo do tapete por Durval e
seu séquito. Quando muito tratadas como boatos e histórias mentirosas. A
começar pelo passado nazista, como membro da divisão Thule da Waffen SS.
Para além da participação no bloqueio a Leningrado (atual
São Petersburgo), a divisão Thule esteve envolvida em crimes como limpezas
étnicas em vilarejos do noroeste da Rússia e até participou na deportação de
judeus noruegueses aos campos de concentração nazistas.
Nessa mesma época Durval teve dois filhos gêmeos, e pela lei
de Asgard ele escolheu um deles, Harald, e abandonou o outro, Egil[1].
Na verdade, para Durval isso foi como juntar a fome com a vontade de comer.
Logo após nascer Egil foi enviado de presente aos nazistas, a altos oficiais da
SS que em seguida o encaminharam a um orfanato na Noruega ligado ao programa
Lebensborn. De lá para o campo de Dachau[2]
no sul da Alemanha. Meses depois ele foi transferido de Dachau para as mãos do
exército imperial japonês, mais precisamente, à unidade 731.
Lá, nas proximidades de Harbin na Manchúria sob o tacão
japonês, o pobre Egil teve seu triste fim depois de ter sido submetido a várias
experimentações como cobaia humana, um fim sobre o qual ninguém sabe em Asgard.
Nem mesmo Durval, eugenista convicto e orgulhoso da escolha que fez, fez em
vida questão de saber sobre o destino ulterior do próprio filho. E mesmo aqueles
que sabem que Durval teve dois filhos gêmeos acham que ele fez o certo em se
livrar de Egil.
Também veio à tona detalhes sobre a ascensão dele ao poder.
Que ele matou seu antecessor em um golpe de estado palaciano, similar àquele
que de Saga de Gêmeos contra o já idoso Shion de Áries no santuário de Athena
na distante Grécia. Sob a alegação de que Magnus era um governante fraco,
inepto e incapacitado para governar Asgard, além de culpá-lo pela derrota em
uma guerra contra Vanaheim, Durval submeteu Magnus a uma tocaia em um bosque
não muito distante do palácio Valhalla. Depois ele alegou ao mundo que o tio
morreu subitamente de infarto fulminante e o encontrou sem vida no quarto dele[3].
Com a morte de Durval, sobe ao poder sua sobrinha Hilda de
Polaris. Segundo os rituais de Asgard ela, neta do mesmo Magnus Egilson que
Durval destronou e que desde tenra idade vinha se interessando pelos assuntos
políticos de Asgard, foi escolhida como a representante terrena do deus Odin.
Com a jovem Hilda, cujos pais Knut e Helga foram também
mortos em surdina por Durval, a política de Asgard passa por uma guinada total.
Ela, entre outras coisas, abandona com as políticas de guerras de conquista, as
quais para ela só trouxeram problemas e ruínas para Asgard no plano interno e
no plano externo desconfianças e ódio para com os vizinhos do reino ártico[4].
Mas a escolha de Hilda não agradou a todos em Asgard. Alguns
dos partidários de Durval, insatisfeitos com a mudança da política por Hilda e
aglutinados em torno do filho sobrevivente de Durval, Harald, resolvem promover
um golpe de estado. Harald era o favorito de Durval para sucedê-lo. Os
conspiradores alegam que se Asgard quiser sobreviver a médio e longo prazo é
imperativo conquistar regiões mais ao sul, com clima mais quente e ameno.
No fim das contas o complô, depois de toda uma articulação, é
desbaratado ainda no nascedouro graças à enérgica ação não apenas de Hilda,
como também de sua irmã Freya e de Siegfried e Hagen. Talvez, sem a
participação deles, Asgard poderia se ver flagelada por uma ruinosa e terrível
guerra civil.
Uma purga é feita, com os partidários de Durval sendo
afastados de seus cargos e posições de poder. Alguns deles, envolvidos em
conspirações e intrigas palacianas, são condenados à morte e executados
publicamente, entre eles o primo Harald. Este pede clemência, mas seu pedido é
ignorado e no fim é executado por decapitação. Como um recado a ser dado
àqueles que no futuro ousarem fazer o mesmo que os conspiradores de hoje
fizeram.
Outros foram presos nas masmorras do palácio Valhalla, e
alguns outros escaparam de punição e, alegando que nada tiveram haver com o
complô de Harald, continuaram a exercer seus cargos. Outra parte foi desterrada
para fora de Asgard. A partir do exterior alguns desses desterrados anos depois
passaram a lançar movimentos de oposição a Hilda.
E enquanto mudanças importantes ocorrem na política
asgardiana, intensos treinamentos ocorrem no Palácio Valhalla, a residência dos
soberanos de Asgard desde tempos imemoriais.
Entre aqueles que treinam para um dia talvez se tornarem
guerreiros deuses estão os irmãos Siegfried e Sigmund, o jovem Alberich XIX,
Hagen e Shido. Alguns deles são de origem nobre, como é o caso de Alberich XIX e
Shido. Já outros possuem origens mais humildes, como os irmãos Sigmund e
Siegfried e Hagen.
Sigmund e Siegfried são os filhos do famoso general Siegmar
Sigurdsson e sua esposa Sieglinde Knutdottir. Há séculos os antepassados de
Siegfried e Sigmund se destacam nos assuntos militares de Asgard, desde no
mínimo a era viking (789 – 1066). Entretanto, estes morreram quando os filhos
ainda eram muito pequenos durante uma guerra contra Vanaheim ainda no reinado
de Magnus Egilson e passaram a viver sob os cuidados do ferreiro Atli. Em
determinado momento, Siegfried tornou-se o guarda-costas da princesa Hilda e
passou a treinar no palácio Valhalla. Conforme o tempo passou, os dois parecem
sentir algo a mais um pelo outro[5].
Hagen, por seu turno, também tem origens humildes como
Siegfried. Filho de sapateiro, ele também treina no palácio Valhalla e desde
tenra idade está ao lado da princesa Freya de Kochab[6].
Tal como Siegfried e Hilda, Hagen e Freya também parecem sentir algo a mais um
pelo outro[7].
Certa vez, Siegfried e Hagen, após uma pausa nos longos
treinamentos no palácio, resolveram tirar um tempo para conversar no pátio do
palácio. Eles conversam sobre vários assuntos, política incluso, e em
determinado momento o assunto da prosa entre os dois chega a Shido.
Hagen e Siegfried se dão bem com Shido. Embora Shido seja um
nobre de nascença, ele, muito em função da educação que recebeu dos pais, não
demonstra desprezo por pessoas comuns como outros de seu mesmo estamento social
em Asgard. Ele sempre foi muito atencioso e amigável com pessoas como Siegfried,
Hagen e Sigmund. Ao contrário, por exemplo, de Alberich, que usa de sua posição
como meio de carteirada e como forma de contar vantagem sobre pessoas comuns.
Siegfried comenta que sente que há algo de estranho nele.
Shido está sempre sorrindo, sempre atencioso e afável com todos. Mas ele sente
que por trás de toda a alegria que ele esbanja há uma pitada de tristeza. “Você
também não sente isso, Hagen?”, pergunta Siegfried.
O filho de sapateiro responde que sim, que também já sentiu
isso no semblante do filho de Harald e Astrid von Bygul. E se lembra de já ter
ouvido falar uma história sobre ele. Siegfried, movido por um acesso de
curiosidade, então pergunta ao amigo do que se trata.
Hagen responde que certa vez ele ouviu falar de uma história
segundo a qual Shido na verdade teve um irmão gêmeo, e que este foi abandonado
logo após nascer por determinação das leis de Asgard a esse respeito.
Siegfried então pergunta a respeito do destino ulterior do
irmão de Shido. Hagen não sabe ao certo, mas ele acredita ele morreu logo após
ser abandonado, provavelmente devorado por um urso ou um carcaju. “Não tinha
como ele sobreviver ali, no meio da floresta, sem ninguém para ajuda-lo”, Hagen
responde.
Siegfried diz não entender como que Shido pode sentir pena e
remorso pelo irmão há muito abandonado. Tanto ele quanto Hagen pensam que o pai
de Shido fez o certo em se desfazer de uma das crianças. Como muitos em Asgard,
eles acreditam na superstição de que gêmeos trazem má sorte às famílias e as
destroem. “Uma vez sombra, para sempre sombra”, diz Siegfried a respeito do
irmão perdido de Shido.
Alberich também pensa o mesmo. Ele também sabe dessa
história a respeito da família von Bygul. Afinal, o seu pai, Alberich XVIII, é
amigo do pai de Shido de longa data. E este soube também da história por meio
do ferreiro Vidkun Erikson.
Certa vez, cavalgando pelos bosques de Asgard junto com os
pais, ele estava em área de clareiras próximas ao lago Luonto, o lago mais
profundo de toda a Asgard. Dizem as lendas dos vilarejos locais que neste lago
se esconde uma armadura divina com aspecto de um grande felino com dentes
caninos sobressalentes.
Alberich XIX adentrou na área florestada e viu à distância
um garoto de cabelos verdes caçando lebres com uma pedra. Rapidamente, ele
notou que, a despeito do cabelo desarrumado e despenteado, ele era idêntico a
Shido. O mesmo cabelo esverdeado, o mesmo rosto, a mesma estatura, os mesmos
olhos. Alberich olha para Bado e tem a sensação de que de alguma forma o
conhece mesmo nunca tendo o visto antes.
Alberich fita o garoto de cabelos esverdeados por alguns
instantes, Bado idem. Mas logo os dois partem do local, sem dizer nada um ao
outro. E assim Alberich descobre que o irmão de Shido ainda está neste mundo.
[1]
Leia-se “Eguil”. Nos idiomas escandinavos, assim como no alemão, no russo, no
mongol, no polonês, no húngaro e outros idiomas, o som do g não muda conforme a
vocal que o segue como nos idiomas neolatinos e no inglês.
[2]
Leia-se “Darrau”. No alemão a partícula ch tem som de r aspirado forte.
[3] Ver
capítulo 3 de “O plebeu e a princesa
asgardiana”, disponível na plataforma Spirit..
[4]
Ver capítulo 8 de “O plebeu e a princesa asgardiana”, disponível na
plataforma Spirit.
[5]
Ver capítulos 5 e 6 de “A verdadeira história do trágico amor de Siegfried e
Hilda”, disponível nessa plataforma e no Spirit.
[6]
Estrela beta da constelação da Ursa Menor.
[7]
Ver capítulo 2 de “O plebeu e a princesa asgardiana”, disponível na
Spirit.
1 Comentários
Aqui você fez um panorama geral da política aasgardiana, linkando com outras obras suas como Siegfried e Hilda .
ResponderExcluirNo final, Alberich XIX tem o seu primeiro encontro com o renegado Bado.
Será que ele usará essa descoberta contra Shido?
Aguardemos!