Capítulo II - O herói e a rainha, parte I.
Tanto Siegfried quanto
Hilda são reencarnações de personagens mitológicos que viveram em tempos muito
distantes. Siegfried é a reencarnação do herói homônimo, que se notabilizou por
ter matado o terrível dragão Fafner. Fafner aterrorizava as florestas da
Renânia (região do Rio Reno e seus afluentes, que engloba partes das atuais
Suíça, França, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica e Holanda) de forma similar ao
leão de Neméia na Grécia que Hércules matou em seu primeiro trabalho. Todos
aqueles que tentaram derrota-lo antes não tiveram êxito em seus intentos. Mas
com Siegfried foi diferente. Após um encarniçado combate, Siegfried, portando a
espada Balmung (originalmente forjada pelo mestre artesão Völundr e que ele
mesmo reforjara com os restos da espada de seu finado pai, Sigmund), venceu o
dragão. Ao fim do combate, Siegfried se banhou no sangue de Fafner e assim se
tornou imortal. Ou seja, ao se banhar no sangue de Fafner Siegfried ganhou uma
espécie de armadura protetora, tal qual aconteceu com Hércules quando ele, após
matar o leão de Neméia, passou a utilizar sua pele como couraça. E não é só
isso: Siegfried adquiriu após comer o coração assado de Fafner a habilidade de entender
a língua dos pássaros, assim como extraiu inúmeras joias, as quais Fafner roubou
no passado dos Nibelungos, um povo formado por anões que habita o Niflheim, o
mais baixo mundo dos nove da mitologia nórdico-germânica e que cujo rei é o
elfo Alberich[1].
Nesse tesouro havia um item, o Anel de Nibelungos, que além de possuir um
brilho dourado, fascinante e aterrador ao mesmo tempo confere a seu portador impressionantes
poderes.
Ao saber que Fafner foi
vencido por Siegfried, Alberich foi até a presença do herói, pedir seu tesouro
de volta. Entretanto, Alberich voltou para seu reino subterrâneo de mãos
vazias. “Eu venci o dragão, portanto, esse tesouro agora é meu, anão
miserável!” Disse Siegfried a Alberich. O astuto Alberich, sabendo do poder e
da força do matador de Fafner, não o desafiou para uma luta aberta. Ele sabia
que se isso fizesse não teria chance alguma de vencê-lo. Em outras palavras,
enfrentar Siegfried em uma luta frente-a-frente seria suicídio. Além disso, se
ele vier a falecer, quem irá governar Niflheim? Alberich novamente apelou a
Siegfried para que devolvesse o tesouro, alegando que se não fosse devolvido
aos Nibelungos mais cedo ou mais tarde um destino terrível ia se abater a
Siegfried e que Fafner teve o destino que teve por causa do tesouro. “Há, lá
vem você com essas tuas conversas ridículas“. Siegfried, em seguida saca a
espada Balmung e a aponta na direção de Alberich. “Primeiro de tudo, Fafner
morreu unicamente por causa de mim, não por causa de uma suposta maldição do
tesouro que agora em minhas mãos se encontra. E francamente, essa conversa de
maldições e pragas de tesouro é ridícula. Como uma besteira dessas pode me
levar à ruína? (elevando o tom de sua voz) Ouça bem anão miserável, se você
continuar a insistir para que eu lhe dê o tesouro que conquistei de Fafner, arrancarei
tua cabeça fora com o fio da minha espada. Ouviu bem?”. Alberich, intimidado
pelas palavras de Siegfried e pela lâmina fina de sua espada, recuou. “Está
certo, Siegfried. Fique você com esse tesouro. Mas se o pior lhe acontecer, não
diga que eu te não avisei”, disse o anão ao herói. “Se você dirigir mais uma
única palavra a mim, te mato”, retrucou Siegfried, com uma expressão facial furiosa
e um olhar colérico para cima de Alberich. Em seguida o soberano de Niflheim se
retira. “Há maldição, quem esse anão miserável pensa que é para dizer que uma
maldição se abaterá sobre mim e me levará a ruína? Ainda mais sobre mim, que
com minhas próprias mãos matei Fafner e conquistei seu tesouro? Ele não passa
de um anão miserável que se acha muito só porque governa um mundinho de névoa e
escuridão”, bradou Siegfried, caçoando do que Alberich disse a respeito da maldição
do tesouro dos Nibelungos.
Alguns meses após a luta
com Fafner e o encontro com Alberich, Siegfried saiu para uma aventura. Montando
em seu cavalo Grani ele se dirigiu para as terras do norte, seguindo as manadas
de auroques e bisões rio Reno abaixo. Animais esses que outrora eram comuns em
toda a Eurásia e norte da África, mas que ao sul da Renânia estão se tornando
cada vez mais raros. Siegfried queria matar o maior desses animais que ele
poderia encontrar. Após alguns dias de viagem o herói encontrou tal fera nas
cercanias da atual Xanten[2], tão grande quanto os que
Júlio César mencionou em seus escritos sobre a guerra na Gália e de porte
similar aos búfalos africanos e asiáticos e ao gauro do sul e sudeste asiático.
Esse é um animal que mesmo ursos e tigres pensam duas vezes antes de atacar. Infelizmente
o auroque se extinguiu em 1627 quando o último indivíduo morreu em uma floresta
polonesa. Siegfried conteve o ataque da fera com suas mãos nuas! E em seguida o
herói o matou o acertando no coração com a espada Balmung.
Depois de matar o enorme
e colossal bicho, Siegfried resolveu comer sua carne. E sem que ele soubesse
estava sendo observado. “Então você é o famoso herói Siegfried, que matou o
terrível Fafner”, disse uma mulher misteriosa, dotada de belos olhos azuis, uma
cabeleira loira e trajes típicos guerreiros que lembram os das lendárias valquírias.
“Você é formidável. Nunca imaginei que houvesse nesse mundo um homem capaz de
vencer o terrível Fafner”. Brunhilde em seguida lembra que alguns anos antes
Fafner esteve em seu reino e lá trouxe um rastro de destruição e caos do qual
ela, a despeito de todos os seus heroicos esforços, foi incapaz de conter. Milagrosamente,
ela conseguiu escapar, a despeito da ferocidade do dragão. “Quem é você, mulher
misteriosa?”, perguntou Siegfried. Ela se identifica como Brunhilde, a rainha
da Islândia. Se o Siegfried de Dubhe é a reencarnação do Siegfried lendário,
Hilda de Polaris é a reencarnação de Brunhilde, que governou a Islândia séculos
antes dos vikings lá chegarem e a colonizarem a partir do ano 870. “Também já
ouvi falar de você, rainha da Islândia. Mas nunca imaginei que você fosse tão
bela e formosa assim”, respondeu Siegfried. “E eu não imaginava que você fosse
o mais forte e destemido dos homens, matador de dragões”.
Terminada a breve
conversa, seguiu-se uma troca de olhares entre os dois, que se apaixonaram
profundamente um pelo outro. Um sentimento mágico toma conta do herói e da rainha
da Islândia ao mesmo tempo. Brunhilde, por mais forte e altiva que fosse, se
sentia uma mulher ainda mais completa sendo conquistada por Siegfried. No
fundo, é o que ela e toda mulher que se preze quer dentro de seu íntimo. E
Siegfried se sentia um homem ainda mais completo conquistando Brunhilde. Tal
sentimento era nada menos que o mais belo e puro amor. Um beijo apaixonado
entre os dois se seguiu, e ao final do encontro o herói e a rainha islandesa
fizeram juras de que um dia iam se casar. Para simbolizar tal ato, a Brunhilde
Siegfried deu como penhora de seu amor o anel de Andvari, parte do tesouro que
antes estava em poder de Fafner. Mal Siegfried sabe que esse anel, forjado anos
antes pelo anão Andvari, o pai e antecessor de Alberich como rei de Niflheim,
consigo carrega um grande e perigoso mal.
[1] Leia-se “Alberirr”, pois no alemão,
assim como em idiomas como o polonês, o tcheco e os idiomas escandinavos, a
partícula ch tem o mesmo som do j e do g quando sucedido por e ou i no espanhol
e do kh no russo, no árabe, no persa e no mongol: r aspirado.
[2] Leia-se “Ksanten”. No alemão a
partícula x tem valor de ks.
2 Comentários
Uma maldição é uma maldição sempre.
ResponderExcluirO herói venceu um dragão, mas ignorou o alerta de Alberich.
Essa demonstração de arrogância lhe custará caro no futuro.
Por trás de uma avassaladora paixão, uma maldição...
Já dá pra saber onde a história vai terminar.
Parabéns!
Outro excelente episódio... A gente vê aqui a grande vitória dos heróis sobre o Dragão. Mas, sou obrigado a dar razão ao Jirayrider... O Alberich fez o alerta. Agora, vamos ver o que a maldição os reserva!
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