Capítulo #2: Desígnios e Escolhas |
“Quintessência... a necessidade da intervenção espiritual para a restauração do equilíbrio. ”
Há dois anos, três fugitivos percorriam
um denso vale como podiam. Era uma madrugada fria, e começava a chover. Tomoe e
Sakura carregavam cestos com mantimentos, roupas e livros. Ken estava de posse
de sua espada desembainhada, e de uma mochila abarrotada de coisas. Eles sequer
ousavam parar e olhar para trás, pois não podiam se distrair: o objetivo era ir
o mais longe possível até que conseguissem parar em um local seguro.
De súbito, bolas de fogo começaram a
persegui-los. Tomoe e Sakura eram moças indefesas, e a inexperiência de ambas
quase as fez perder a vida. As irmãs quase foram atingidas, mas Sakura acabou
queimando a manga do quimono e Tomoe perdeu o cesto que carregava. Mas o jovem
Ken era habilidoso e sagaz: ele percebeu como funcionava o ataque das bolas de
fogo.
KEN – Manas, me deem os braços! Vamos
ficar todos juntos, as bolas de fogo sentem o movimento.
De braços dados, eles conseguiam, às
vezes por um triz, desviar das bolas de fogo que se chocavam contra o chão ou
contra alguma árvore.
KEN – Se continuar assim, falharemos.
Eu tenho uma ideia, manas. Vamos continuar juntos por baixo das árvores até
chegarmos na cachoeira ao pé da montanha.
Ambas concordaram, e eles seguiram.
Aquelas bolas de fogo não pareciam ter fim; e a medida que atacavam, deixavam
um rastro de chamas e fumaça para trás.
TOMOE – Isso não acaba nunca?!
A perseguição perdurou até o trio
chegar na cachoeira.
KEN – Para baixo da cachoeira, rápido!
Os três então foram se abrigar embaixo
da cachoeira, onde as bolas de fogo seriam inúteis. Todos estavam exaustos de
tanto correr e ofegantes, além de as pernas estarem doloridas; porém, uma noite
de sono poderia ajudar. Talvez uma refeição também, mas grande parte dos
mantimentos estava na cesta que foi incinerada durante a fuga.
SAKURA – Estou exausta, Ken... Faminta
também, mas prefiro deixar para comer amanhã. O quanto mais pudermos poupar a
comida, melhor, pois agora temos um terço do que tínhamos antes.
KEN – Descansem, vocês duas. Eu ficarei
de vigia, pois seja lá quem enviou as bolas de fogo pode voltar.
TOMOE – Tome cuidado, Ken. E se sentir
fome, coma alguma coisa. Você é o único que pode se defender, e não pode ficar
fraco.
Sakura assentiu com as palavras de
Tomoe, e logo ambas se acomodaram lado a lado e não demoraram para adormecerem.
Ken permaneceu com a espada em punho, pensando naquele destino, ouvindo o
barulho da cachoeira e adormeceu sentado. Ele sonhou com o passado. Dez anos
antes, sua família toda reunida. Seus pais, Hiroki e Tomoko, celebravam a festa
de noivado de seu primogênito, Gai, com a bela Umi, sua prometida. Ken também
tinha um amor platônico pela jovem Umi, apesar da pouquíssima idade; ele
pensava que ela era a mulher mais bela que ele havia visto. Tomoe era apenas
dois anos mais jovem que Gai, e Sakura ainda era adolescente, junto com sua
irmã gêmea Kaoru. Tomoe estava acompanhada de um rapaz, que tinha um menino no
colo. O outro irmão, Jun, era mais alheio a tudo. A alegria parecia nunca ter
fim. Mas aquele sonho logo foi interrompido.
SAKURA (delirando) – Kaoru, irmã... por favor, não me deixe!
Tomoe acordou e abraçou Sakura para que
ela se acalmasse. Infelizmente, aquele sentimento de pesar jamais poderia ser
esquecido. Os dias outrora felizes deram lugar a dias vazios e incertos, por
conta de um destino que o jovem ainda tentava compreender. Aquilo havia sido
real, já há muito tempo. O clima começou a esfriar mais, certamente a umidade
contribuía. Ken então se acomodou e adormeceu novamente.
O Sol raiou no dia seguinte, de modo
que iluminava as cortinas de água que protegiam os três irmãos. As preces para
uma noite de sono tranquila pareciam ter sido atendidas. As irmãs acordaram
primeiro, como de costume, e começaram a preparar algum desjejum com o que
ainda tinham de mantimentos; acharam por bem não incomodar Ken, que dormia
serenamente após uma noite tão difícil.
TOMOE –
Sakura, você sonhou com Kaoru de novo. Mas sabe, sempre que acontece algo de
ruim, nós sonhamos com a nossa família. Eu também sonhei com Minoru e Daigo. A
saudade infelizmente nunca vai acabar.
SAKURA – Sabe, irmã, a nossa família
vivia o que muitos poderiam chamar de plenitude. Nós éramos tão felizes, por
que isso tudo tinha de acontecer? Até agora não consigo entender! Umi...
KEN (interrompendo) – Já chega, Sakura! Esse nome é maldito na nossa
família!
As irmãs não haviam percebido que Ken
havia despertado e ouvido a breve conversa de ambas; mas os três partilhavam
daquela dor. O jovem se esforçava para manter-se firme o tempo inteiro, por ele
e por suas amadas irmãs, mas não era fácil. Tomoe se aproximou de Ken com o
desjejum já pronto, e o entregou.
TOMOE (serenamente) – Chore, Ken, se sentir vontade. Ninguém é uma rocha
para ficar firme o tempo inteiro. Nós sempre estaremos com você.
Ken então começou a chorar, e foi
amparado por Tomoe, e em seguida Sakura se juntou a eles.
SAKURA – Eu gostaria de saber o que Jun
está fazendo agora.
O triste olhar de Ken ganhou um tom de
revolta, e ele se levantou furioso. Se aproximou da cachoeira, ficou a observar
o seu reflexo naquela água por alguns segundos, e em seguida cerrou os olhos.
KEN – Eu gostaria de quebrar a cara
daquele ingrato. Desde que foi embora, ele nunca mais mandou notícias! Nossos
pais morreram sem nem saberem dele! E você ainda está preocupada?!
SAKURA – Ken, ele também é nosso irmão!
Não fazemos ideia de onde ele esteja agora, será que ele sabe de tudo o que
aconteceu?
TOMOE – Sakura, não vamos entrar neste
assunto agora. Você sabe o que Ken pensa sobre Jun, e você sabe o que eu penso
também. Se ele realmente quisesse, teria dado notícias enquanto estávamos no
vilarejo.
SAKURA – Mas e agora, Tomoe? Ele
certamente não sabe do que houve...
KEN (alterado) – CHEGA!
Tomoe e Sakura o fitaram
desoladas, mas tentavam compreender a mágoa do irmão; por isso resolveram ficar
em silêncio e comerem o desjejum. E o silêncio se estendeu. Tomoe então revelou
um rosário de dentro de sua roupa e o entrelaçou em suas mãos, em seguida
recolhendo-se um canto diante de uma rocha para rogar ao guardião de sua
família. Sakura compreendeu a atitude da irmã, e de dentro do seu cesto,
retirou uma tela dobrada com a pintura do mesmo, desdobrando-a e estendendo-a
sobre a rocha diante delas. Ken juntou-se a elas logo atrás, apoiando suas mãos
na espada.
TOMOE –
Há gerações, nossa família tem sido protegida por Genbu. E agora, precisamos
rogar, com sinceridade, para que ele nos mostre o rumo certo a ser tomado.
Infelizmente, nosso futuro é incerto.
SAKURA – Mestre Genbu, por favor,
ilumine o nosso caminho com a permissão do Criador. Seus desígnios foram
maculados e nossos desejos afetados. Agora, como nos foi ensinado por nossos
pais, revele-nos.
Tomoe e Sakura possuíam uma forte
mediunidade. Logo, foi como se os espíritos dos três tivessem deixado seus
corpos como estavam e ido para um espaço totalmente escuro, no qual eles podiam
ver apenas um ao outro. De repente, um mantra efêmero e
quase silencioso ressoou naquele espaço, dando lugar a uma presença invisível,
mas pungente. Aquela presença falava pela boca de Tomoe, que serviu como
intermediária para canalizar e reproduzir as palavras de Genbu.
GENBU – Regozijo-me por enfim vocês, herdeiros escolhidos,
estabelecerem contato com Genbu. Há séculos, tua família escolheu dedicar-se a
mim, e eu vos abençoo por terem mantido fielmente a devoção até os tempos
atuais, mesmo perante os infortúnios que ocorreram e ainda se estendem sobre vós.
SAKURA –
Mestre Genbu, havia um desígnio traçado para melhor compreender e atender o
presságio relatado pelos nossos ancestrais. Porém, sua excelsa sabedoria já
agrega os fatos ocorridos, e infelizmente nada aconteceu conforme nossos pais
nos instruíram desde cedo, quando nos ensinaram a importância do culto a ti.
GENBU – Jovem herdeira, não é
necessário que te esforces tanto mesmo com as palavras. Uma divindade é parte
de tudo o que existe, e para que te comuniques comigo, basta que sejas sincera.
Eu conheço e compreendo todo o acontecido até agora; porém, lamento que tenham interpretado
ao extremo o registro de teus ancestrais.
SAKURA – Mas, como, Mestre Genbu?! O
que isso significa?
GENBU – Lamento que tenham abdicado de
tantas vivências em prol de minha satisfação. Sim, há um presságio registrado
na tabuleta há séculos; porém jamais exigi que sua família, durante todas as
gerações, infringisse o próprio livre-arbítrio e resignasse aos seus desejos.
Não é devoção que determina o valor de um ser existente, e sim sua essência. A
devoção sincera jamais pode ser confundida com idolatria ou fanatismo; um ser
existente não deve abrir mão de sua essência apenas para servir a um deus.
Os irmãos se sentiram em choque. Desde
crianças foram preparados para aquele dia pelos pais, que transmitiram a eles
todos os ensinamentos que outrora haviam aprendido; porém, ali estava Genbu
diante deles, afirmando que o caminho não era bem aquele que sempre
acreditaram.
GENBU – Compreendam que, a sinceridade
de cada um é o que realmente importa. Não basta seguir todos os preceitos
aprendidos se não houver de fato o desejo de fazê-lo; o livre-arbítrio jamais
deve ser interferido, pois se vós escolhestes servir a mim por livre e espontânea
vontade, e teu desejo permanece o mesmo, com sinceridade, é o diferencial.
Enfim, eles compreenderam. Não bastava
apenas seguir uma doutrina para garantir a satisfação divina se não fosse com
sinceridade, se eles não o faziam por livre e espontânea vontade.
SAKURA – Mestre Genbu, por vezes eu
tive dúvidas, principalmente quando perdemos Kaoru... Mas não podemos infringir
nas escolhas de cada um, e Jun fez a dele. Ele nunca gostou das tradições da
nossa família; tanto que na primeira oportunidade, ele partiu e largou tudo.
Realmente, ficamos chateadas, mas não soubemos respeitar e compreender o desejo
dele de ser indiferente a tudo. Eu confesso que nem sempre me senti à vontade
para ser fiel como meus pais queriam, mas eu entendo a importância e, por isso
vou continuar dedicada a ti.
GENBU – Sei da vossa sinceridade. E
entendo que o jovem irmão de vocês está confuso, embora nada tenha dito. Mas
não é com teimosia e impaciência que ele conseguirá as respostas que procura
para si mesmo. Porém, chegou o momento de vocês conhecerem a razão de eu estar
aqui.
Ken ergueu os olhos, cheios de
lágrimas. Era difícil concordar com o fato de Jun ter largado tudo para trás.
Era difícil concordar que tudo o que ele aprendeu havia sido interpretado de
forma meio distorcida. Era difícil concordar que havia chegado o momento da
revelação vinda do próprio Genbu, a divindade cultuada pela sua família há
gerações. Mas de repente, aquele mantra efêmero começou a ressoar em seu
interior, e a calma vinha suavemente.
GENBU – Confia em mim, jovem rapaz?
KEN (gaguejando) – Confio, Mestre Genbu.
Então, a escuridão esvaneceu e deu
forma a uma imensidão azul. Era como se o mar estivesse ali ao redor deles, mas
sem molhá-los. Podiam ver os corais e diversas formas de vida marinhas, e
diante deles, Genbu reluzia em sua onipotência.
GENBU – Dentre vós, apenas o rapaz é
capacitado para reunir as chaves de minhas sete mansões celestiais.
KEN – Mansões celestiais?
GENBU – Eu, assim como as outras três
divindades, possuo sete mansões celestiais. E cada uma delas possui uma chave
espiritual.
SAKURA – Sim, é verdade. Além do Mestre
Genbu, existem mais três...
GENBU – Sim, minha jovem. Quando chegar
a hora, tudo será esclarecido. Mas tu, podes imaginar algo sobre as chaves?
Sakura não sabia o que responder. Todos
estavam deslumbrados e ao mesmo tempo assustados com tudo aquilo. Os três
assentiram que não.
GENBU – Eu decidi que seis das chaves
de minhas mansões celestiais ficaria uma com cada fruto de vossa família, pois
era fatídico que um de vós seria o portador decisivo de todas. A primogênita
nasceu com a chave da Mansão Celestial da Moça atrelada ao espírito dela. (para Sakura) E tu... Tu e tua irmã que
vieram da mesma semente cada qual possuía uma chave. A tua chave é a da Mansão
Celestial do Telhado, e a de tua irmã era a chave do Muro. Mas sabes que, uma
vez que tua irmã deixou o mundo físico, tu ficaste responsável também pela
chave que ela possuía?
Sakura então se recordou do dia do
falecimento de Kaoru. Ela dormia ao lado da irmã enferma, quando por um momento
acreditou ter sonhado com uma luz surgindo entre ambas. Tal luz cintilou
rapidamente e desapareceu; porém foi naquele momento que Sakura despertou e
sentiu o corpo frio da irmã, percebendo que já não havia mais vida ali.
SAKURA – Mestre Genbu...
não foi sonho. Quando Kaoru morreu, aquela luz realmente brilhou!
GENBU – Sim,
e isso se deve ao fato de serem frutos da mesma semente. O vosso espírito,
enquanto no plano físico, se manteve em harmonia. É a força a qual os seres
encarnados chamam de amor.
KEN – E quanto a mim? E quanto aos
nossos pais e... Jun... Gai...
GENBU – Acalma-te, jovem. Tu nasceste
com a chave do Acampamento. E teus irmãos... o primogênito possuía a chave do
Boi, e o outro, a do Copo. A sétima chave tu conseguirás quando reunires todas
as seis. Agora, atenção: deves partir em uma jornada para teu corpo, mente e
coração. Quanto a tuas irmãs, elas deverão tomar outro rumo, e lá esperarem o
teu retorno. Não te esqueças, jovem: sejas sincero sempre e continues íntegro
apesar de quaisquer infortúnios. Assim, tu irás além do que teus pais e teus
irmãos podem imaginar.
Dito isso, a visão do fundo do mar
voltou ao escuro, e Tomoe começou a voltar a si; o que significava que aquele
contato de Genbu havia sido encerrado. E logo os três estavam novamente entre
as rochas e o fluxo da cachoeira.
KEN – Vou seguir meu rumo. Irei até o santuário
no alto da cachoeira, e lá ficarei por um tempo. Me deem a tabuleta, sei que
vou precisar dela.
Sakura retirou um pequeno embrulho de
pano de dentro da cesta, e o desfez em seguida. Tomoe se aproximou de Ken e o
abraçou, enquanto Sakura limpava a tabuleta e entregava ao irmão. Naquele
momento, duas faíscas se manifestaram dentro do peito de Sakura e transmigraram
pela tabuleta para o corpo de Ken, que logo sentiu um calor em seu peito e seus
olhos cintilaram.
SAKURA – As chaves que eu guardava já
estão com você. Elas serão necessárias nessa sua jornada.
KEN – Sinto o seu espírito, minha irmã.
Assim como sinto o de Kaoru também. Mesmo distantes, sei que além dos nossos
laços de sangue, a bênção de Genbu nos manterá unidos nessa existência.
Os três foram tomados de uma forte
emoção, e Sakura abraçou o irmão. Naquele instante, Tomoe tocou a tabuleta para
que assim pudesse pedir a proteção de Genbu no caminho que o irmão tomaria
sozinho; afinal, seria a sua primeira separação nessa vida. De imediato, uma
faísca se manifestou no peito de Tomoe, e assim como fora anteriormente, se
transmigrou para o corpo que Ken, cujos olhos cintilaram.
TOMOE – A bênção e a vontade do Mestre
Genbu estão contigo. E agora, com a minha, você possui quatro chaves. Siga seu
rumo, meu irmão, com a certeza de que terá sucesso e em breve nos
reencontraremos.
Emocionados, os três irmãos se
abraçaram. Em seguida, Ken guardou a tabuleta em sua mochila e se afastou das
duas, sem olhar para trás.
KEN – Eu gostaria de pedir que não me
vissem partir. Seria horrível olhar para trás assim.
As duas concordaram e se viraram de
costas, enquanto o jovem deixava aquele breve esconderijo rumo à sua jornada
fatídica. Não tinham certeza de quando se veriam de novo, ou se isso realmente
aconteceria; mas agora sabiam que Ken tinha uma grande responsabilidade a
zelar, e precisaria desenvolver todo o necessário para tanto. Um destino que
ele aceitou, apesar de ser jovem e não estar exatamente preparado; porém era o
único ali que ainda poderia fazê-lo.
SAKURA – Vamos para a cidade, Tomoe.
Creio que agora poderemos ir em segurança.
TOMOE – Sim. O Mestre Genbu continuará
nos protegendo, mesmo que parte da nossa missão tenha sido cumprida. Só o que
me preocupa é que o nosso irmãozinho será o único alvo das forças inferiores,
já que ele aceitou a missão divina.
SAKURA – Talvez consigamos descobrir o
paradeiro de Jun. Ele ainda pode correr perigo, já que uma das chaves está com
ele.
TOMOE – Se tiver de ser, será. Mas
lembre-se de que Ken é quem deve reunir as chaves, nós já não temos mais nada
com isso. Vamos para a cidade, e lá nos arranjaremos. Sei que as coisas serão
conforme Genbu designou.
E assim, as irmãs Mizushima partiram
rumo a cidade, onde depois de passarem provações como falta de teto e comida,
conheceram a Professora Kaname Baba, que dirigia e lecionava uma escolinha para
crianças carentes e foram acolhidas pela mesma como auxiliares em troca de um
lar.
Ken seguiu seu rumo ao santuário no
topo daquela montanha. Ele não sabia o que esperar, mas estava decidido a
sintonizar a sua existência e assim se sentir apto a reger aquela missão,
encontrar o seu caminho e assim proteger e poder dar orgulho as suas irmãs, que
eram tudo o que ele ainda tinha no mundo.
No fim daquela tarde, ele chegou ao santuário,
pouco antes do Sol se pôr. Aparentemente, estava abandonado há tempos, pois a
poeira e as teias de aranha havia tomado o local, além de um ninho de vespas em
seu interior. O altar estava em péssimas condições. Apesar do cansaço, Ken
resolveu arrumar o local e deixá-lo adequado novamente, e também porque ele
sabia que passaria um bom tempo ali.
Fadigado pelo esforço, adormeceu no
altar. Logo, inexplicavelmente, o jovem estava do lado de fora do santuário; já
era noite e a lua cheia no céu mostrava uma cor amarelada. De repente, uma
jovem se materializou em sua presença: era um rosto familiar, que ele conhecia
bem. Era como Sakura, porém, mais jovem; Ken a reconheceu depois de pouco
pensar.
KEN – Kaoru?!
KAORU (sorrindo) – Não sabe o quanto estou feliz em vê-lo, meu irmãozinho.
Mas não estou sozinha!
Logo, mais duas pessoas surgiram
naquela cena. Ambas sorriam para o rapaz, e se aproximaram de Kaoru.
KEN (incrédulo) – Papai! Mamãe!
Ele logo correu para abraçá-los, porém
acabou os atravessando e não obteve sucesso em sua vontade. A saudade que ele
sentia daqueles entes queridos ali presentes havia o tomado, porém logo deu
lugar a frustração.
HIROKI – Meu filho, você não está
morto, como nós.
O espírito do pai apontou para dentro
do santuário, onde o corpo físico do filho jazia adormecido no altar.
KEN (ainda incrédulo) – Mas, eu estou lá dentro!
TOMOKO – Ken, é o seu períspirito que
está aqui fora. Ele é ligado ao seu corpo físico, que ainda vive no mundo
terreno. Nós viemos aqui porque nos foi permitido para que pudéssemos ter com
você
KAORU – Estamos muito orgulhosos de
você, meu irmãozinho. Mesmo sem estar preparado, resolveu aceitar um desafio
como este e se separar da família para seguir o caminho do Mestre Genbu. Me
alegra saber que Sakura te entregou também a minha chave.
HIROKI – Filho, eu e tua mãe viemos te
dar nossa bênção, pois sabemos que era de teu conhecimento quem acreditávamos
que seria o herdeiro das chaves, certo?
KEN – Gai...
TOMOKO – Meu filho, a sabedoria de
Genbu está além de nossa compreensão. Apesar de termos planejado as coisas de
uma certa forma, tudo se direcionou para outra. E o seu coração só prova que
merece, sim, ser o portador das chaves de Genbu; assim como prova que de nada
sabíamos.
KAORU – Nós te abençoamos, Ken, assim
como Tomoe e Sakura fizeram antes da despedida.
Hiroki, Tomoko e Kaoru estenderam as
mãos, e Ken, de olhos fechados cintilou numa luz escura. O rapaz ainda
cintilando abriu os olhos e foi tomado pela emoção.
KEN – Vocês podem imaginar a falta que
vocês nos fazem aqui?
Quando de repente surgiu uma criatura marrom,
com olhos amarelos e segurando um cajado com uma pedra verde, no qual se viam
luzes como vagalumes piscando em seu interior. A criatura se assemelhava a um
duende, porém, de alta estatura, e logo atacou a família.
TOMOKO – Volte, Ken! Depressa!
Bastou o clamor da mãe, para a criatura
sacudir o cajado e absorver os espíritos dos três ali presentes, surgiram mais
três vagalumes dentro da joia. Ken por pouco não foi absorvido, mas
imediatamente seu corpo físico despertou no interior do santuário, e assim ele
logo empunhou a espada e saiu para fora. Qual não foi sua surpresa ao perceber
que aquela criatura não estava mais lá.
Em seu lugar estava um idoso
maltrapilho, apoiado num cajado de madeira, com um olhar cínico e um sorriso
maldoso. Ken manteve a espada em punho e permaneceu encarando aquele homem. O
homem correspondeu ao olhar do jovem.
VELHO – Sabe que não é educado encarar
os outros desta maneira, meu rapaz?
KEN – Não brinque comigo! O que está
fazendo aqui?
O velho riu cinicamente. Ken permanecia
de prontidão; tudo era confuso, mas ele não poderia vacilar. Havia algo naquele
velho. O rapaz sibilou a espada e apontou-a na direção do mesmo.
VELHO – Apenas vim visitar o santuário.
Mas eu não sabia que havia alguém aqui.
De repente ouviu-se um miado. Ken e o
velho perceberam uma gatinha amarela e branca subindo as escadas atrás de uma
mariposa, e então, uma menininha chegou logo em seguida.
MENINA – Mima! Espere, Mima! Espere!
Quando a gata cruzou o caminho do
velho, ela imediatamente parou e rosnou. O velho se enfureceu e atacou a gata
com o cajado, que por muito pouco não a atingiu graças a destreza do animal.
MENINA (se aproximando da gata) – Não bata na Mima, senhor! Ela não faz mal
para ninguém!
VELHO (erguendo o cajado) – Ora, sua...
KEN – Não se atreva! Não vai machucar
essa criança na minha frente!
O rapaz saltou entre o velho e a
menina, que já estava com a gata no colo e cortou o cajado do velho com a
espada. O velho ficou furioso. Imediatamente, ele começou a mudar de forma e
diante dos presentes, tomou a forma da horrenda criatura que havia aparecido
enquanto o períspirito de Ken estava com os espíritos de seus familiares.
KEN – Menina, vá para o santuário e não
saia de lá!
Assustada, a menina obedeceu. Os olhos
de Ken começaram a cintilar como antes, e, pronto para a luta, não vacilou:
saltou em direção à criatura. Era a sua primeira luta contra um inimigo, mas
ele estava seguro de que precisava ser valente, já que certamente aquela seria
a primeira de muitas.
A criatura então pegou a parte superior
do cajado e fez surgir uma serpente flamejante que voava sobre o jovem rapaz.
Por diversas vezes, Ken desviava do ataque daquelas chamas azuis que saíam da
serpente; porém sua lâmina não lhe fazia efeito algum, já que era uma entidade
etérea controlada pelo monstro ali presente.
CRIATURA – Eu costumo vir aqui em
noites de lua cheia para capturar os espíritos errantes atraídos para este
santuário. Só não esperava que fosse lidar com um ser vivo tão obstinado como
você.
KEN – Então, você captura espíritos?
CRIATURA – Espíritos errantes, meu
rapaz! Espíritos perdidos que buscam um local sagrado para encontrar uma direção.
Este santuário está abandonado há anos, porém, mesmo vazio, continua atraindo
as almas que buscam refúgio e um caminho. Se eu tivesse capturado o seu períspirito,
você teria ficado adormecido até morrer por inanição!
KEN – E o que você faz com os espíritos
que captura?
CRIATURA – Eu me alimento deles, um por
um! São como vagalumes na minha pedra, mas me dão força para continuar
existindo! E hoje, eu consegui mais três!
KEN (furioso) – Os três espíritos que você capturou, por bem ou por mal,
você vai soltá-los! Minha família não servirá de alimento para um ser abjeto
como você!
CRIATURA – Não eram espíritos
errantes?! Mas ora, será a primeira vez que me alimentarei de espíritos
superiores!
Ken ficou furioso. A serpente não dava
folga e a criatura continuava manejando o cajado quebrado para fazê-la agir. O
rapaz então pensou em atacá-la, mas a serpente sequer permitia sua aproximação.
Repentinamente, Ken teve uma sensação atípica: sensação essa que o fez soltar a
espada.
VOZ – Ken!
KEN – Quem é? Será que...
VOZ – Ken, sou eu! Seu irmão, Gai!
KEN – Gai! O que houve? Onde você está?
GAI – Ken, seja forte! Eu estou com
você, mas por favor, não vacile! Confie no Mestre Genbu!
KEN – O que eu posso fazer, Gai?
GAI – Deixe o Mestre Genbu entrar em
harmonia com você!
KEN – Mestre Genbu!
Súbito, uma força se manifestou ao
redor do rapaz. A força foi ganhando forma, se materializando, e enfim cobriu o
rapaz com uma armadura negra de detalhes verdes escuros. A serpente atacou, mas
sequer conseguiu tocá-la; foi desintegrada antes mesmo de atingir seu objetivo.
A criatura entrou em pânico. Aquela situação
era inesperada, e ela podia sentir o tremendo poder que o jovem Ken, agora
vestindo a armadura, emanava. Tanto era o poder que a criatura sabia que, na
verdade, o seu poder nada era perante aquele.
GENBU – Jovem, tua dignidade me é
motivo de orgulho. Deixe que as palavras cheguem ao teu coração, e assim
poderás usar as chaves que possuis.
KEN (com os olhos cintilando) – Shi!
Imediatamente, Ken ergueu os braços e
disparou uma rajada aquática contra a criatura, que rodeou-a por completo,
formando um turbilhão e assim fazendo-a desaparecer. O cajado foi igualmente
destruído e os vagalumes começaram a voar, gradativamente assumindo suas formas
de espíritos, assim como os pais de Ken, e sua irmã Kaoru.
HIROKI – Meu filho, estou muito orgulhoso.
Você agora é o portador das chaves e da armadura de Genbu.
KEN – Obrigado, papai. Obrigado a
todos. Mas eu pude ouvir a voz do Gai, onde ele está? Ele não está morto? Me
digam!
TOMOKO – Ken, você descobrirá isso,
cedo ou tarde. Também estou muito orgulhosa de você, meu menino. Em breve, tudo
será esclarecido.
KAORU – Irmãozinho, estou muito feliz
por você ter crescido tanto. Nunca se esqueça: nem a morte pode acabar com os
laços criados pelo amor. Agora, precisamos ir, e nós três guiaremos esses
espíritos outrora errantes para o plano superior junto conosco.
HIROKI – Continue seu caminho, treine e
aprenda. Um dia todos nós vamos nos reencontrar, meu filho.
KEN – Adeus, papai, mamãe, Kaoru... Eu
amo vocês!
E todos aqueles espíritos começaram a
se esvanecer perante os olhos lacrimejantes do jovem Ken, por baixo da máscara
daquela armadura. Ken sequer lembrava de quando havia se sentido tão feliz como
naquele momento.
De repente, ouviu-se um miado. A
gatinha Mima havia se aproximado despercebidamente de Ken, e estava se
esfregando em suas pernas, mesmo trajando aquela estranha armadura. Em seguida,
a menina se aproximou também.
MENINA – A Mima sabe quando alguém é
bom ou não, moço. Eu vi tudo o que você fez, e por isso eu sei que você é bom.
Meu nome é Yuna.
KEN – Yuna? Que nome bonito! E onde
você mora? E os seus pais?
YUNA – Eu não tenho casa, moço. Somos
só eu e a Mima, não tenho pais.
Ken então parou para observar a
pequena. Franzina, devia ter seus 8 anos, e usava um macacão surrado com uma
das pernas rasgadas. Seu penteado era uma trança mal feita, e a gata era sua
única companhia.
YUNA – Eu posso ficar aqui com você?
KEN – Sabe que não é bom fazer esse
tipo de pergunta para pessoas desconhecidas? Nem todos agem de boa-fé, não pode
confiar nas primeiras pessoas que encontra. Você é só uma criança.
YUNA – Mas a Mima gosta de você, moço.
Se fosse mesmo um homem ruim, se fosse fazer mal para mim ou para ela, ela
saberia. Por favor, me deixa ficar aqui com você.
Ken pensou, se afastou um pouco e só
então percebeu que ainda estava usando a armadura. Assim, desejou retirá-la e
ela desapareceu no mesmo instante.
KEN – Tudo bem, vamos arranjar uma cama
para você e a Mima.
A menina ficou feliz e o abraçou. Mima
lambeu o rosto de Ken, como se soubesse que ele havia alegrado sua pequena
companheira. Os três então entraram no santuário, arrumaram o que puderam, e
Ken fez uma cama com feno para Yuna em outro canto do santuário, enquanto ele
se acomodou junto ao altar. O dia seguinte seria um novo dia, e ele sentia que
sua jornada ainda estava no princípio.
CONTINUA...
6 Comentários
Grande Leeyu!
ResponderExcluirEsse capítulo ,focado em Ken e seus laços familiares foi muito bem conduzido, mostrando o passado de sua família, as perdas, e a devoção à divindade Genbu.
Temas como o livre arbítrio, mediunidade e plano astral, também foram mencionados na medida certa.
A coragem de Ken, o seu amor por suas irmãs Sakurá e Tome e o laço que o une a seus país e a irmã Kaoru, moldam a sua personalidade e caráter.
E assim, ele inicia a sua cruzada em busca do seu auto aperfeiçoamento em busca das demais chaves.
Muito bom o que li até aqui.
A narrativa promete!
Parabéns pelo trabalho!
Está mandando muito bem!
Olá, querido Jirayder!
ExcluirFico muito contente por você ter gostado do novo capítulo. Agora, conhecemos um pouco mais do que engloba a história, principalmente Ken e sua família; além de um pouco mais das questões necessárias para a compreensão de Quintessência.
Obrigado pela força, e logo que possível sairá um novo capítulo.
Um grande abraço!
Um capítulo bem escrito e interessante.
ResponderExcluirDeu uma boa desenvolvida nos personagens, mas por serem muitos dá uma misturada... Mas dá prá entender de boa
Eu esperava mais da luta do Ken contra a criatura... Acho até que o inicio de uma batalha poderia ocorrer no fim desse capítulo, deixando um ótimo gancho, se encerrar no começo do próximo e daí seguir com a cena deles indo dormir, o que deixou o final sem um bom gancho para o próximo.
Mas tá caminhando bem.
Parabéns
Oi, Norberto!
ExcluirSim, eu resolvi abranger um pouco da história do Ken e da família dele, porque é fundamental que todos entendam a importância e o significado que todos possuem.
Quanto a luta contra a criatura, na verdade foi apenas um pontapé para que o Ken vestisse a armadura e sentisse um pouco da dimensão que é o poder de Genbu; a criatura sequer merecia um esforço de um guardião já que era uma entidade inferior.
Realmente, aqui resolvi não deixar um gancho, mas há um motivo para isso.
Obrigado pela leitura, fico feliz que conto acompanhando.
Grande Lee Yu, cá estou eu novamente, como sempre com um bom atraso na leitura e comentário, mas sem dúvida presente, mesmo que demore pra chegar! É muito bom te ver criando e produzindo tua saga de forma tão bem elaborada e que visivelmente a gente vê que tu tá criando com gosto e com carinho! Bom, vamos ao episódio em si, eu curti muito, a trama toda é bem bolada, a questão da família, do irmão perdido, do próprio Ken ter suas mágoas por isso e tal, mas eu confesso que senti algo nesse episódio que me fez prestar muito mais atenção e que me trouxe até mesmo uma sensação de nostalgia muito boa... Ver criaturas míticas, em um outro plano espiritual, se unindo aos personagens escolhidos para confrontar o mal que assola o mundo... Cara, isso foi muito bom, me trouxe lembranças muito boas de Changeman e de NeoChangeman, e chegou dar uma saudade gostosa do tempo que estava escrevendo essa saga! Gostei muito da forma como conduzisse tudo, da forma como abordasse as situações e como direcionastes tudo até o final do episódio! Só posso dar parabéns e esperar ansioso pelo próximo episódio e dizer que estás fazendo um belíssimo trabalho que creio nos presenteará com uma saga poderosa até seu final! Deixo como ressalva que não consegui gravar o parentesco todo também, muita gente sendo apresentada me confunde a mente, mas parabenizo pelo conjunto todo como um excelente episódio, meus parabéns meu amigo!! \0/
ResponderExcluirLanthys, meu querido, fico muito feliz por você estar aqui!
ExcluirSim, pode ter certeza que procurarei manter a linha e desenvolver os laços, de modo que cada personagem e acontecimento tenha sim uma importância crucial para a história. Espero continuar agradando, e, sempre que possível, me acompanhe também!
Gratidão sempre!