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Juppongatana, a lei do mais forte (capítulo 15 - epílogo)

 

                             Capítulo XV - Epílogo, parte II - País rico, exército forte (Fukoku Kyohei)

Um dia de festa teve início no Dodžo Kamiya. Para quem lutou na ocasião havia a sensação de que o embate ocorrera não há 10 anos, e sim há um mês, ou mesmo na semana anterior ou ontem. Mas para Kenšin, esta não era uma festividade 100% feliz. Na noite de ontem para hoje, Kenšin teve um pesadelo. Sonhou com a luta com Šišio, e ao final de tudo os dois apareceram no inferno, com Šišio gargalhando de seu antecessor. Kenšin, o qual estava portando sua Sakabatō šin-uči (hoje em posse de Yahiko), o atacava e nada. As gargalhadas continuavam. Em seguida apareceram os também finados Yumi e Hōdži, os quais também gargalhando diabolicamente. Hōdži apontou sua espingarda contra Kenšin e acertou um tiro no ombro direito. Mais algumas gargalhadas o trio soltou, com Šišio dizendo a Kenšin em um tom um tanto jocoso: “Battōsai meu velho amigo, quem ri por último ri melhor”. Kenšin logo em seguida acordou. Kaoru o viu muito pensativo, e perguntou a seu marido se havia algum problema. Kenšin contou tudo a sua esposa sobre o seu pesadelo envolvendo Šišio e seus homens, e ainda ficou indagando “O que será que isso significa, Kaoru?”. Kaoru falou para Kenšin que isso nada mais era que um simples pesadelo. Mesmo assim, um agouro não muito bom pairava sobre Kenšin, o qual passou a festividade praticamente toda pensativo. Algo pairava no ar, Kenšin pensou, e não era nada muito bom.

O ocaso do século XIX mostrou o significado disso tudo para o espadachim ruivo: o Japão adotou a política do Fukoku Kyohei (País rico, exército forte). Trocando em miúdos, essa política nada mais era que o ideário que Šišio pregava em vida só que com outro nome. Sob tal lema, foram feitas reformas nas áreas administrativa, econômica, social, educacional e militar, muitas vezes adotando os métodos europeus. Tal política norteou, entre outras coisas, o desenvolvimento político, industrial e econômico do país a partir de então, além de o início de uma política expansionista por parte da Nação do Sol Nascente, a qual teve início com a conquista de Okinawa em 1879, seguido das vitórias sobre a China na guerra sino-japonesa (1894 – 1895) e sobre a Rússia na guerra russo-japonesa (1904 – 1905) e a conquista da Coréia em 1910. Dessa forma, a corrida imperialista na Ásia ganhou mais um participante. Antes disso, a única ocasião em que o Japão lançou expedições militares de conquista de grande escala no exterior foram as invasões sobre a Coréia de 1592/1593 e 1597/1598, sob a liderança de Hideyoši Toyotomi.

Com a adoção de tal política, Kenšin sentiu que toda a sua luta por um mundo melhor e mais justo desde os tempos do Bakumatsu foi simplesmente jogada para o ralo e que a sua vitória sobre Šišio e seu grupo foi na verdade uma vitória com gosto de derrota. Em outras palavras, que em vida Šišio perdeu, mas venceu postumamente. Quando completou 50 anos em 1899 (ano 32 da Era Meidži), já bem debilitado e enfraquecido devido aos problemas físicos de seu corpo e incapacitado de até mesmo portar espadas de madeira, Kenšin, sentindo-se desiludido diante de todos esses ocorridos e outros mais, simplesmente indagou “Para que eu lutei tanto nesses anos todos, para que? Pelo visto, todos os meus ideais e de muitos companheiros meus que tombaram no campo de batalha foram jogados no lixo”.

Na ocasião, Kenšin procurou alguns de seus velhos amigos dentro da política japonesa, incluindo Aritomo Yamagata, a época primeiro-ministro do Japão. Kenšin achava, entre outras coisas, que a política imperialista-militarista do Japão era uma grande desnecessidade e que o Japão poderia ser uma nação forte e independente sem necessitar guerrear e conquistar outras nações. Mas seus apelos foram todos em vão, geralmente respondidos com o seguinte contra-argumento: de que essa expansão é uma necessidade vital do Japão, e que se isso não for feito o Japão vai fatalmente virar uma colônia. Em outras palavras, uma questão de vida ou morte. Com o tempo as desilusões de Kenšin quanto aos rumos que o Japão tomava foi aumentando com o tempo. Dessa forma, Kenšin, mesmo com todos esses contratempos, continuou tocando sua vida, até que veio a falecer aos 55 anos de idade, em meados de 1903 (ano 36 da Era Meidži), vítima de uma parada cardíaca em sua própria casa, bem no aniversário de 25 anos da vitória sobre Šišio e seu grupo e poucos dias após o 23º aniversário de casamento com Kaoru. Kenšin, à época já avô, andava e se mexia com muita dificuldade, e veio a falecer nos braços de Kaoru.

Mais uma vez, Kaoru chorou pelo amor de sua vida, o mesmo choro de quando Kenšin dela se despediu quando se dirigiu a Kyoto para lutar contra Šišio e seu grupo. Logo Kaoru relembrou de todos os momentos pelos quais passou com Kenšin durante esses anos todos. A começar pelo dia que Kenšin chegou ao Dodžo Kamiya, passando pela formação do grupo Kenšin, as lutas contra Zanza, Džin-E, Raidžuuta e Saitō, a despedida rumo a Kyoto, o encontro em meio ao treinamento para aprender a técnica suprema do Hiten Mitsurugi, o dia da luta com Šišio e seus homens, a volta a Tóquio, a luta no Dodžo Kamiya contra Eniši e seus comparsas, o sequestro e “morte” nas mãos de Eniši, a vitória final de Kenšin sobre Eniši, a despedida dos amigos, o casório, nascimento dos filhos, o posterior enfrentamento contra o grupo Kenkaku Heiki em Hokkaido, entre outros tantos. 32 anos se passaram em um simples piscar de olhos. Era o fim de uma lenda. Mas o velho Battōsai não morreu de forma gloriosa em uma luta contra um adversário poderoso, vítima de uma espada fincada em sua barriga ou no pescoço, e sim em casa, anonimamente, vítima de uma parada cardíaca e nos braços de Kaoru. Mas, acima de tudo, Kenšin partiu desse mundo feliz, sentindo que sua luta enfim chegou a um bom termo, a despeito de alguns contratempos. Pouca ou nenhuma repercussão a morte de Kenšin teve fora do seu círculo de amigos e familiares. Um ano antes de o Japão que ele ajudou a construir se envolver na guerra vitoriosa contra a Rússia.

Grande ironia do destino: Tomoe, sua primeira esposa, morreu nos braços de Kenšin. Agora é a vez de Kenšin falecer nos braços de sua segunda esposa, a qual compartilhou ao longo desses anos a desilusão de seu marido para com os rumos do Japão e a política do Fukoku Kyohei. Portanto, Kenšin não viu a Era Meidži chegar a seu fim, muito menos viu a grande carnificina global que teria início anos mais tarde, a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), da qual a Nação do Sol Nascente tomou parte do lado da Inglaterra e da França.

Já os ex-membros do Džuppongatana, em especial Čō, Sōdžirō e Saidzuči, olharam a adoção da política do Fukoku Kyohei por parte do governo Meidži como uma atitude de grande cinismo. Afinal no passado o governo Meidži combatera e difamara Šišio ao extremo, taxando-o de um bandido louco que queria arruinar e destruir com o país com uma espécie de política de terra arrasada. E omitindo que ele, durante certo tempo, matou e fez o serviço dos mesmos monarquistas que ergueram o Japão moderno após a queda do Xogunato Tokugawa. Mas agora, passados alguns anos de sua morte, adotou o mesmo ideário que o líder do Džuppongatana pregou em vida só que com um slogan diferente. E mesmo assim o olhar do governo japonês quanto a Šišio continuou o mesmo.

1 Comentários

  1. Esse episódio é marcado por muitas ironias...
    O que Sishio pregava, o governo japonês , adota como política da Estado.

    Um guerreiro nobre , acaba por se sentir despertencido e deslocado após constatar que tudo que defendera era uma mentira.

    E morre nos braços da segunda esposa, sendo que a primeira havia morrido em seus braços.

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