A paisagem não havia mudado tanto quanto a jovem mulher de roupas humildes que usava um rabo de cavalo lembrava, mesmo assim, tudo naquela pequena cidade ainda a encantava como se a visse pela primeira vez. Olhava para os bares, as vendas e os locais que costumava brincar quando criança, era tudo bastante nostálgico para a jovem que carregava em seu rosto um sorriso radiante, o que talvez fosse a sua forma de retribuir todas as lembranças boas que aquela cidade lhe trazia. A jovem parada, ergue os braços para o auto, respira profundamente o ar da cidade e, em seguida, se agacha, revelando uma criança de cerca de três anos ao seu lado, segurando uma bolsa azul.
- E então, o que achou? Essa é a cidade natal da mamãe. Será o nosso novo lar a partir de agora. Dizia a mulher a criança enquanto bagunçava seus cabelos com a mão e sorria. – O nosso recomeço filhinho... O nosso recomeço.
- Eu não quero esse remédio, doutor. É muito amargo! A idosa de cabelos grisalhos sentada de frente a mesa do médico parecia decidida a não tomar o medicamento. - Por favor, não me obrigue a tomá-lo ~
- Mas senhora Nakagawa... Se a senhora não tomar, não vai poder melhorar. Diz o homem de jaleco branco sentado de frente para a mulher gesticulando com as mãos. - E, além disso, a senhora lembra do que houve da última vez que deixou de tomar os seus remédios, não lembra?
Shigeaki tira a caneta do bolso do jaleco e, com um leve sorriso no canto da boca, escreve no papel os nomes dos medicamentos. Ele destaca a folha e a entrega à mulher. A idosa agradece com um aceno de cabeça, se levanta e caminha lentamente até a porta, acompanhada pelo médico. Ele se despede e, satisfeito, retorna à sua mesa. Mas, de repente, para ao perceber a falta de algo.
- Vejamos... Onde foi que eu a coloquei?
O médico tateia os bolsos, sentindo a ausência da caneta que havia acabado de usar. Ele olha para o chão e decide se agachar para procurá-la. Já no chão, Shigeaki busca embaixo da mesa e, em seguida, olha embaixo da maca do consultório. Ao procurar debaixo da maca, ele sorri ao encontrar a caneta, mas, para seu espanto, repara algo assustador logo à frente: um rosto de olhos arregalados e um sorriso macabro o encarava fixamente. O médico encara a figura terrível, que parecia saída de um filme de terror de baixo orçamento, por alguns segundos. Em seguida, ele pega a caneta do chão, se levanta e retorna à sua mesa. Ele se senta, tira a tampa como se fosse escrever algo, mas então seus olhos reviram, e desaba com a cabeça sobre os papéis.
10 MINUTOS DEPOIS
- Eu devia ter escolhido uma profissão diferente... Eu não mereço passar por isso, não eu... Shigeaki lamenta, com as costas da mão sobre a testa, jogado em sua cadeira giratória.
- Mas eu já pedi desculpas pela máscara, Shigeaki-chan... Saburo, sentado à frente do médico, tinha um tom triste na voz ao tentar consolá-lo. - Além do mais, imagine como a tia Hinohara ficaria arrasada se ouvisse o querido filhinho médico dela falando assim.
- Já te disse para não envolver minha mãe nas suas bobagens! Mas deixa pra lá, você nunca me escuta mesmo... O médico limpa o suor imaginário da testa, ajeita-se na cadeira, pega a caneta e começa a escrever. - Se quer que eu te prescreva algum remédio, já aviso que hoje não posso!
- Nah... não é nada disso. Kai ergue as sobrancelhas e trinca os dentes antes de continuar. - Hoje eu vim te pedir um favor. Um favorzinho...
- Eu já te aturo toda semana. Quer favor maior que esse? O médico, que continuava escrevendo, parecia realmente incomodado com Kai.
- Ah, vamos, Shigeaki-chan... não seja assim com seu amigo de infância. Quer que eu peça perdão de joelhos? Quer? Quer mesmo? Olha que eu peço, hein...
- Tá, tá, não precisa tanto... Diz Shigeaki, vendo Kai já se agachar perto da cadeira. - Tá perdoado! Feliz?! Agora me diz logo: que favor é esse?
Kai sorri e se senta novamente na cadeira. Ele coloca a mão no bolso do terno, retira algo que parece um envelope e entrega a Shigeaki, que, desconfiado, o pega.
- Isso não é o que eu tô pensando, né...? Questiona o médico com uma expressão preocupada. Ele abre o envelope e lê o conteúdo da carta, balançando a cabeça negativamente. Então, pega a mão de Kai e tenta devolver o envelope. - Você enlouqueceu? Eu não posso ficar com isso.
- Como assim? É claro que pode. Diz Kai, insistindo e devolvendo o envelope para o médico, que coloca a mão sobre a boca e balança a cabeça, inconformado.
- Então, tá me dizendo que vai desistir? É isso...? Shigeaki estende a carta para Kai, que olha para o lado e coça a cabeça, mostrando-se impaciente. O médico prossegue. - Porque não importa de que ângulo eu veja, Kai, isso aqui continuará sendo a droga de uma carta de despedida!
- Eu não tô desistindo, Shigeaki-chan... Só estou sendo realista. Eu não tenho muitas chances, e você sabe disso melhor do que ninguém... Kai coça a cabeça e sorri para o amigo. - E é por isso que, se o pior acontecer comigo, eu quero que seja você a contar prá eles... Tem que ser você, Shigeaki-chan!
- Porque prá você tudo parece ser tão simples, Kai? O médico balança a cabeça com uma expressão séria. - Não passa pela sua cabeça que o certo seria contar logo toda a verdade?
- Sem chance... Eles não me veriam mais. Olhariam pra mim e veriam apenas a doença. Saburo coloca a mão no peito antes de continuar. - Eu só preciso que eles lembrem de mim como eu sou agora... Por favor?
O médico passa a mão na testa, refletindo antes de continuar. - Que droga, Kai... O tio Akira e a Rena vão me matar por isso... Shigeaki olha para o rosto de Saburo e, após respirar fundo, continua. - Ok... Se é o que quer...
Saburo sorri ao ouvir as palavras do amigo e então procura algo sobre a mesa. Ele avista um grampeador, pega-o e o entrega a Shigeaki. - Aqui, um presentinho.
- Mas isso já é meu... Diz o médico, enquanto Saburo, projeta o corpo sobre a mesa e coloca a mão em seu ombro antes de falar. - Fico feliz que já pense assim.
Shigeaki, inexpressivo com o grampeador na mão, observa Saburo se ajeitar na cadeira e, em seguida, colocar as pernas cruzadas sobre a sua mesa. - Sabe, Shigeaki-chan... Tem algo que tá me incomodando há um tempo. Kai tira uma lixa do bolso do terno e começa a lixar as unhas enquanto fala com o médico.
- Que coincidência, Kai. A mim também. Muito! Diz o médico, olhando para Saburo com um tom irônico na voz.
- Lembra daquilo que eu te disse por telefone? Sobre o Sr. Ikeda ter descoberto a minha doença e bla bla bla... Ainda não entendo como ele descobriu...
- Bem, ele é o líder da Yakuza... Deve ter olhos por toda parte ou algo assim, você devia saber disso. Shigeaki pega a caneta e volta a escrever.
- Sabe que ele me disse a mesma coisa que você... Saburo gesticulava com as mãos. - Mas eu não engoli essa, não mesmo... E ele anda tão misterioso ultimamente... Kai aproxima-se do medico e sussurra. - Sabe o Shimizu-chan?
- Aham... o seu amigo que vive sempre com fome. O que tem ele? Questiona o médico.
- Pois é... Ele jura que viu o Sr. Ikeda com uma mulher de meia idade entrando no clube de Pachinko outra noite. Saburo bate na mesa com um sorriso. - Dá pra acreditar naquela raposa ligeira?
- Clube de Pachinko...? Não, não é possível... Shigeaki pensa um pouco, e o rosto de sua mãe vem a sua mente, ele arregala os olhos e se levanta sorrindo. - Acabei de lembrar que tenho algo muito importante para fazer, Kai. Acho melhor você ir agora.
- Mas eu acabei de chegar... Antes que terminasse de falar, o médico o levanta da cadeira e o leva até a porta. Ele a abre e o coloca do lado de fora, mas antes de fechar o alerta. - E nem pense em aparecer bizarramente atrás de mim depois que eu fechar essa porta...
- Espera! Diz Kai antes da porta se fechar. - Posso só fazer uma pergunta? Shigeaki consente com a cabeça, e Kai continua:
- Eu queria saber... O que acontece quando a Sra. Nakagawa não toma os remédios?
- Tchau, Kai. - Diz o médico, fechando a porta na cara do rapaz.
ASSISTA A OPENING
Saburo chega ao apartamento carregando duas sacolas. Com as mãos ocupadas, ele abre a porta usando o ombro, entra e a fecha com o pé. Após jogar os sapatos de lado, ele caminha até a sala, onde se encontrava o professor Sakaki, trabalhando em um dispositivo que lembra o que o morcego Wilbert usava em seu abdômen. Ao lado, sobre a mesa, havia um notebook aberto repleto de dados de sua pesquisa. Saburo coloca uma das sacolas ao lado do professor, certificando-se de não interromper sua concentração, e então se dirige à cozinha em busca de algo para comer.
- Trouxe tudo o que te pedi, Sr. Saburo? O homem abria a sacola para conferir o conteúdo enquanto Kai começava a preparar algo na cozinha.
– Tudinho.... Saburo abre o armário de madeira, procurando algo. Seus olhos percorrem o interior desorganizado e repleto de latas. - E.. não foi nada fácil conseguir... Onde eu enfiei o curry em pó...? Kai coça a cabeça confuso, mas logo abre um sorriso ao encontrar o pequeno frasco no canto da prateleira. - Ah, aqui!
Sakaki observava o jovem, que estava de costas, concentrado no fogão. Ele hesita por um momento, claramente incomodado com algo. Respira fundo e, finalmente, toma coragem.
- Sr. Saburo. Eu queria te agra... - Professor! Diz o jovem, ainda de costas, interrompendo o homem que surpreso, não prossegue, dando a entender que Saburo poderia continuar.
O ambiente estava abafado, o calor do fogão se somava ao cheiro do curry de Saburo, que agora já preenchia o ar com um aroma denso e picante. O jovem mexia a panela com um movimento suave, quase hipnótico. E em voz baixa, quase que como um sussurro para si mesmo, ele murmura. - Se não der certo, eu já aceitei...
- O quê disse? Sakaki estreita os olhos, tentando captar o que o jovem havia dito. - Me perdoe, Sr. Saburo, eu não ouvi. Pode repetir? Kai ao ouvir a pergunta do homem, ainda de costas, sorri de maneira quase que imperceptível antes de se virar e estampar um sorriso no rosto.
- Esse Curry vai ficar uma delicia, professor! O homem, meio sem entender, assente com a cabeça, mas logo responde ao jovem... - Tá bem...
Depois de alguns minutos Kai caminha com duas tigelas de arroz com Curry nas mãos, coloca uma próxima ao professor e se senta ao seu lado com a outra. Agradece e começa a comer observado discretamente pelo homem.
- Quente, quente, quente ~ Isso aqui tá muito bom. Que delícia! Diz o jovem, soprando o arroz e enchendo a boca de comida. O homem sorrir ao olhar, balança a cabeça e então prossegue trabalhando no gerador.
Algum tempo depois, Saburo estava deitado no chão, com uma mão estendida para o alto, como se tentasse alcançar algo invisível no teto, enquanto a outra repousava atrás de sua cabeça. Seus olhos vagavam pelas manchas do teto, perdido em pensamentos, enquanto o professor, imerso no trabalho, permanecia concentrado.
- O senhor tem visto os jornais? Questiona Kai ao professor, quebrando o silencio do local, com o tom meio cansado na voz.
- Sim, Sr. Saburo... Responde Sakaki que coloca as ferramentas de precisão no chão, esfrega os olhos, pega as ferramentas novamente e continua trabalhando.
- Aqueles palhaços nos jornais... tiveram a coragem de dizer que o Dr. Ogata se suicidou! Dá pra acreditar nisso? Kai franzi a sobrancelha e serra o punho da mão erguida, mas a abre novamente logo em seguida como se a tempestade em sua mente vira-se uma neblina. - Mas talvez... seja melhor assim...
O professor, faz um pausa e olha de canto de olho para Saburo, talvez esperando a conclusão do jovem. - Fazer a família do Doutor acreditar que ele se matou, os manterá em segurança... Saburo se senta no chão, meio curvado e respira fundo antes de continuar. - Não deixa de ser conveniente prá aqueles caras, mas talvez seja o melhor...
- Não pense demais Sr. Saburo. Kai olha rapidamente para Sakaki que prossegue falando. - Se existe uma verdade que nem mesmo eles podem apagar, serão os resultados que obteremos com os dados que Ogata nos forneceu. É nisso que devemos nos concentrar agora…
Com as costas da mão, Sakaki limpa o suor da testa e, depois de uma breve pausa, prossegue falando. - Além disso, quando tudo isso passar eu mesmo assumirei a responsabilidade em contar pessoalmente toda a verdade para a família de Ogata em Net City.
- A verdade... Murmura o rapaz com um sorriso angustiado no rosto, quase que rindo de si mesmo. - ... nem sempre é boa. Às vezes, ela só revela o que a gente não tá pronto prá encarar...
Sakaki, sentindo o peso nas palavras do jovem, larga as ferramentas por um instante e, num gesto raro de empatia, dá três leves tapinhas nas costas de Saburo que estranha a atitude inusitada do homem.
Saburo, percebendo a brecha, estampa um sorriso largo no rosto e puxa o professor para perto com seu antebraço. - Eu sabia! O senhor me adora, admita?! Hahaha... A gente tem que tomar uma juntos, professor. Sakaki-channnnnnn! ~ Sakaki, com os olhos arregalados, rapidamente se desvencilha de Kai que tomba para o lado.
- Doeu! Lamenta Saburo, enquanto o homem, mais concentrado do que nunca, retoma o trabalho com uma expressão séria no rosto. - Isso é o que eu ganho por tentar ser amigável com você... Resmunga Sakaki, balançando a cabeça com uma expressão envergonhada no rosto para Kai que continuava rindo.
- Tá bem. Tá bem. Já que o senhor me deu essa injeção de animo, vou da uma saída... Saburo, levanta do chão, tira poeira imaginaria de suas roupas e então continua. - Vai sentir a minha falta? Vai? Vai? Questiona Kai a Sakaki, que o ignora e continua trabalhando.
- Foi o que pensei. Diz Saburo, com uma ponta de humor em sua voz antes de sair, deixando o professor novamente sozinho com seu trabalho.
Já era noite quando Rena Matsuri subia lentamente as escadas que levavam ao seu quarto, no andar superior do bar. Com a mochila marrom pendurada no ombro, ela caminhava distraída, conversando ao celular com sua amiga Mayumi Sonozaki.
- Encontro duplo?! Questiona Rena a Mayumi ao telefone com uma expressão de surpresa no rosto. - Eu não posso sair para um encontro duplo, Mayu. Sem chance!
(Mayumi) - Mas são dois estudantes de medicina, amiga ~ Quando você acha que teremos uma chance dessas de novo, hein? Olha, se eu ficar encalhada por sua causa, eu vou te culpa pelo resto da minha triste e solitária vida.
- Que drama ~ Rena ergue a mão para abrir a porta de seu quarto e conforme abria a garota continuava a falar. - Não parou pra pensar que eu possa estar bem sozinha? Olha... Eu já tenho o papai e Tenho você! Não é como se eu precisasse de um... KAI!!!
(Mayumi) - "Kai"? Quem é Kai?
- Eu-eu-eu te ligo depois Mayu... Diz Rena guardando o celular na bolsa e olhando para Saburo sentado em posição de meditação em sua cama com um grande sorriso no rosto.
A garota entra rapidamente, fecha a porta do quarto e permanece parada, abraçando a bolsa, de costas para Saburo. O rapaz inclina a cabeça, como se não entendesse a atitude da garota, visivelmente envergonhada.
- Calma, Rena Matsuri.... Ele não tá aqui. Ele não pode tá aqui! A garota sorrir e balança a cabeça positivamente em negação. - É isso! Ele não tá no seu quarto.
- É claro que eu tô! Rena, ao ouvir a voz de Saburo, coloca a mão na testa e a desliza lentamente por todo o seu rosto.
- Fala serio! Eu tenho todo o trabalho de escalar o bar, destrancar a janela, só pra entrar aqui e vir falar com você! E todo esse esforço pra quê?! Pra ser ignorado! Saburo cruza os braços, fecha os olhos e balança a cabeça, desapontado, antes de continuar. - Esperava mais de você, Rena-chan. De verdade...
5 SEGUNDOS DEPOIS
- Ai... Dói. Dói muito... Saburo, que permanecia sentado na cama de Rena, esfregava a cabeça com as duas mãos enquanto resmungava de dor. - Precisava mesmo me bater tão forte?!
- Isso foi é pouco! Sabia?! Rena, parada de frente para o jovem, segurava a bolsa pela alça, com uma expressão irritada no rosto. - Tem sorte de eu não chamar é a polícia prá você!
- Policia? Do que tá falando?! Eu sempre entrei por aquela janela... Kai que fazia uma careta de dor, tira a mão da cabeça e olha, como se a pancada tivesse sido tão forte ao ponto de sair sangue do lugar.
- Sim, mas-mas isso foi há muito tempo, quando estávamos no ginásio... Rena suspira e caminha devagar até sua cama, se senta no canto um pouco afastada de Saburo e coloca sua bolça do lado como se a usasse para fazer uma barreira entre os dois.
- Caramba! Já faz tanto tempo assim é... ? Kai coloca as mãos para trás e apoiando o corpo olha para o teto do quarto da garota sorrindo de canto de boca. - Engraçado né... Prá mim parece que foi ontem.
Rena olha para Saburo e franzi a sobrancelha como se estranhasse o comportamento do rapaz que continuava falando. - Ah! Antes que eu me esqueça. Saburo pega uma sacola branca ao seu lado e coloca sobre a bolça de Rena. A garota olha para a sacola e a pega em seguida para verificar o conteúdo.
- Isso é... o depósito da marmita que eu fiz... Você comeu? - Claro que sim! Diz Saburo sorrindo e interrompendo a garota que olhava para ele meio envergonhada. - E tava boa demais... Talvez a melhor que já comi em toda a minha vida, de verdade.
- A melhor é...? Não tá zombando de mim não, né? Diz Rena com um olhar suspeito olhando para Saburo e levando devagar a mão para a alça da mochila como forma de ameaça.
- Claro que não. Kai balança a cabeça negativamente e em seguida ergue a mão e a leva até a cabeça da garota que fica vermelha de vergonha quase que de imediato. - Obrigado, Rena-chan... Obrigado por tudo.
- Que-que exagero... Não é como se tivesse dado muito trabalho prá fazer sabe... Diz a garota olhando para o rosto de Saburo com um tom de voz baixo.
- Verdade? Bem, de qualquer forma é melhor eu ir... Saburo tira a mão da cabeça de Rena e se levanta da cama caminhando em direção a janela, mas para pensativo antes de sair e se vira para a garota que continuava sentada. - Quer que eu saia pela... ?
A garota consente com a cabeça a Saburo que pega seus sapatos no parapeito da janela e caminha devagar em direção a porta do quarto de Rena, e sai. A garota suspira e se atira na cama com um sorriso no rosto abraçando o deposito da marmita de olhos fechados. Poucos segundos depois ela abre os olhos e vira o rosto olhando para a porta. - Ele parecia... estranho?
MAIS TARDE
Saburo caminhava lentamente pela rua, com as mãos nos bolsos da calça, e já estava quase chegando ao estacionamento de seu apartamento quando, de repente, uma dor forte atravessa seu peito, como se fosse uma espada. Seus passos ficam incertos, e sua visão embaçada. Instintivamente, ele leva as duas mãos ao peito, fechando os olhos com força por causa da dor.
- Não... agora não... Murmura o jovem para si mesmo, ofegante, como se pudesse repelir o ataque que estava sofrendo com palavras. - Eu preciso de mais tempo...
O rapaz, cambaleando, se apoia em uma mureta próxima e permanece ali por alguns minutos, tentando recuperar a respiração. Sua respiração retorna, e aos poucos ele se recupera do súbito ataque. Saburo tateia o bolso do terno para pegar o remédio, mas antes mesmo de conseguir tomá-lo, avista, já do estacionamento, a silhueta de alguém parado na porta de seu apartamento. Kai corre para perto de seu carro, tomando cuidado para não ser visto, e então se agacha próximo à porta do veículo, retirando o celular do bolso do terno em seguida.
- Vamos professor, atende logo... Saburo falava cochichando enquanto olhava por cima do ombro a estranha figura que permanecia parada ali.
(Sakaki) - Alô?
- Fica esperto, professor! Temos visita... O rapaz franzi a sobrancelha ao ouvir um barulho de água de fundo. - Espera! Onde que o senhor tá?
(Sakaki) - Banheiro.
- Tá no... banheiro? Questiona Saburo a Sakaki para logo em seguida abrir um sorriso desconfiado no rosto. - Numero um ou numero dois?
(Sakaki) - Isso não é hora para brincadeiras, Sr.Saburo... Estou escondido! E então... sabe quem é na porta?
- Não mesmo, mas tenho quase certeza que tá sozinho... Saburo olha novamente por cima do ombro para o sujeito antes de prosseguir. - Continua ai professor... Vou lá dar as boas-vindas!
A figura de óculos escuros que usava um casaco beje, uma mochila nas costas e um cachecol cobrindo parte do rosto, caminha até a janela do apartamento de Saburo e tenta espiar do lado de dentro. Não obtendo sucesso, volta para a porta.
- E agora... Como vou fazer prá entrar...? Questiona a misteriosa figura a si mesma, parada de frente para a porta do apartamento de Kai. - Pensa, pensa, pensa...
- Que tal usar as chaves? Sugere a amistosa voz estendendo o braço sobre o ombro do estranho segurando o molho de chaves pendurado na ponta dos dedos.
- É claro! As chaves... Porque eu não pensei nisso an... Ao cair a ficha, um calafrio corre pelo corpo do estranho que reluta, mas aos poucos vai se virando devagar para ver de quem pertencia aquele braço.
O rosto pálido como a face do luar e os olhos arregalados brilhantes de Kai Saburo encaravam o estranho, que por um segundo, sentiu como se sua alma saísse de seu corpo. Aquela talvez fosse a expressão mais ameaçadora que o sujeito já tivesse visto na vida, mas mesmo naquela situação, ele não teria outra opção que não fosse procurar uma brecha para poder escapar.
- Ei, palhaço! Saburo bate com violência a mão esquerda aberta na porta impedindo que o estranho pudesse correr até as escadas. - Ninguém nunca te falou que é feio bisbilhotar a casa dos outros...?
A misteriosa figura engole em seco e dá um passo para trás, olhando desesperadamente para o outro lado do corredor. Saburo percebe a tentativa de fuga e, sem esforço, agarra o cachecol da figura, puxando-a. O cachecol se solta, revelando o rosto assustado de...
- Uma garota...? Diz Kai segurando o cachecol na mão e olhando a menina tremendo ao seu lado com os punhos serrados.
- Me diga... Haruka Saruhashi, apontando o indicador para Saburo ainda parado de frente para porta, prossegue. - O que vo-você fez com o professor Sakaki?!
- O que eu fiz...? - O que você ouviu! Diz Haruka interrompendo o rapaz enquanto reluta constantemente em olha-lo nos olhos. - E é melhor me dizer agora... Pro seu bem...
A reação da garota é tão inusitada que Kai deixa sair um sorriso involuntário, mas logo volta ao personagem e começa a caminhar devagar em sua direção.
- Se quer tanto saber assim, eu conto prá você, quatro olhos... Haruka faz uma cara de espanto olhando Saburo se aproximando cada vez mais dela. - Era Sakaki o nome dele, né? Se bem que... Kai coloca a mão no queixo pensativo antes de continuar. - Isso não importa mais agora ~
Saburo para de frente a garota e aproxima o rosto próximo ao dela e então estampa um sorriso macabro e congelante em seu rosto antes de prosseguir. - Porque o velho... morreu!
- Morreu?! - Isso ai ~ Confirma Saburo balançando a cabeça e respondendo a garota que arregala os olhos em choque. - Eu tava lá quando aconteceu. O velho até que resistiu bastante, só que foi tudinho em vão... O rapaz começa a contar os detalhes gesticulando com as mãos tão entretido que nem percebe quando a garota revira os olhos e desaba no chão do corredor.
- Foi quando o sangue jo.... Saburo para de falar, olha para o chão e visivelmente decepcionado se agacha de cócoras próximo a jovem desacordada. - Qual é...?! Desmaiou na melhor parte...
- Ei...? Acorda ai vai ~ Saburo cutuca o ombro da jovem com o indicador na expectativa de que ela despertasse, mas sem sucesso. O rapaz então coça atrás da cabeça demonstrando impaciência e olha para os lados antes de falar.
- Pior que com ela, já são dois... E só hoje...
DIA SEGUINTE
- Ela vai dormir até quando, hein? - Até quando?? Em primeiro lugar ela não estaria assim se não fosse pelo senhor, Sr. Saburo. - Mas eu não fiz nada ~ - Como pode dizer isso?! - Olha, professor! Ela tá acordando...
- Srta. Saruhashi? Você está me ouvindo? Haruka? A voz do professor se mistura com as lembranças da noite no complexo. Meio confusa, Haruka leva a mão à testa e, com dificuldade, se senta no chão frio do apartamento de Saburo.
- Meus óculos... não consigo ver. O professor entrega rapidamente os óculos, e a garota os coloca. Enquanto isso, Kai se levanta do chão e volta a se sentar perto do gerador onde o professor trabalhava.
Aos poucos, o rosto de Sakaki vai ficando nítido para Haruka. - Ti-tio Sakaki...? É o senhor...? Espera! Se o senhor tá aqui comigo, isso só pode significar uma coisa... A jovem aponta para si mesma com os olhos cheios de lágrimas. - Que eu também morri...
O professor vira o rosto rapidamente e encara Saburo com um olhar de reprovação. Ao perceber o olhar torto, o rapaz olha para os lados e balança a cabeça, fingindo não entender o motivo da expressão do homem. Sakaki se volta novamente para Haruka, sorri e suspira aliviado, mas logo em seguida endurece o semblante.
- O que você está fazendo aqui? Haruka olha surpresa para Sakaki, que estava com uma expressão abatida no rosto, mas mantinha um tom firme na voz. - Você não leu o recado que eu deixei?
- Aquilo... A moça pega a bolça bege ao lado e rapidamente retira o livro "Alice no pais das maravilhas" que o professor havia deixado com ela no hospital. - O senhor usou "Esteganografia" para oculta o recado...
O homem pega o livro das mãos de Haruka com cuidado, e começa a ler a mensagem que ela havia decifrado: "Estou bem. Peguei seu notebook. Vou para Chisai, no Japão, encontrar Ogata. O número da conta offshore está na dedicatória. Há dinheiro suficiente lá. Se esconda por um tempo, até o perigo passar. Não confie em ninguém."
- Quando eu... As lágrimas corriam dos olhos de Haruka. - Quando eu soube da morte do Dr. Ogata, rastreei o IP do meu notebook pra te encontrar. Eu... não podia te deixar sozinho, tio...
- Haruka, eu não... O homem, comovido pelas palavras emocionadas da jovem, suspira e após alguns segundos decide falar. - Tá tudo bem, não chore... Você pode ficar aqui.
- Aqui?! Saburo, que observava a cena, levanta-se abruptamente. Aproxima-se e, coçando a cabeça, aponta para a cozinha. - Professor, podemos conversar em particular?
- E quem é essa pessoa, professor? Questiona Haruka, enxugando os olhos enquanto avalia Saburo de cima a baixo. - É seu amigo?
- Ah, deixe-me apresentá-lo... esse é Kai Saburo, Srta. Saruhashi. Ele tem me ajudado desde que cheguei a Chisai.
Após a apresentação do professor a garota curva levemente a cabeça em sinal de agradecimento. - Me chamo Haruka Saruhashi. Obrigada por cuidar do professor.
- Tá, tá... Professor? Na cozinha... Agora! Sakaki rapidamente se levanta do chão e caminha com Saburo em direção à cozinha, acompanhados pelo olhar curioso de Haruka.
- A garota não pode ficar aqui! Kai parecia realmente decidido a não deixar a jovem ficar. - Manda ela embora!
- Mas, Sr. Saburo, ela não tem para onde ir. E lá fora... é perigoso demais para ela ficar sozinha. O homem insistia gesticulando com as mãos. - Não foi assim que eu imaginei uma garota no meu apartamento, professor... - O que quer dizer...?
Enquanto os dois discutiam na cozinha, Haruka olhava o apartamento de Saburo com curiosidade. Seus olhos passeavam pelo lugar até que, de repente, fixam-se no gerador perto da mesa. Na mesma hora, seu rosto se enche de preocupação e medo. Depois de um tempo, a discussão na cozinha parecia ter esfriado. Saburo sai primeiro, senta no chão novamente em frente ao notebook, enquanto o professor se dirige até Haruka.
- Ouça Srta.Saruhashi, você pode fi... - O que aquilo... Susurra a garota, interrompendo o professor, antes de erguer o dedo devagar e apontar para o objeto à sua frente. - ... tá fazendo aqui?
- Se refere ao gerador? O homem olha para o objeto, e novamente olha para a garota e sorrir meio sem jeito. - Estou trabalhando nele, mas receio não ter a mesma precisão que vo... - O Senhor não pode! Diz a jovem elevando a voz e interrompendo novamente o homem.
- Ouça tio... Haruka engole em seco, apertando os ombros do professor, que estranha o gesto repentino da moça. - Tenho algo muito serio prá dizer ao senhor... Sakaki ainda sem entender, assente com a cabeça para a jovem que continua. - O Wilbert... O morcego Wilbert, ele mo...
- Oh, Pinky e Cérebro?! Dêen uma olhada nisso aqui... Diz Saburo interrompendo a revelação de Haruka, chamando a atenção dos dois para o notebook que havia começado a piscar sem parar. - Já adianto que nem encostei...
Os dois correm e empurram Kai que tomba de lado. A mensagem que aparecia era um recado criptografada do Dr. Marcos Ribeiro, um dos principais cientistas que trabalharam na pesquisa de Sakaki na Antártida.
- Dr. Marcos...? Sakaki sussurra o nome do homem com uma expressão de angustia no rosto.
- Esse dai não é aquele mentiroso da TV? Questiona Saburo ao homem, já se sentando novamente no chão ao lado dos dois.
(lembrança) - O professor Sakaki era um amigo muito precioso, sua genialidade e sua dedicação serão para sempre lembradas. Ainda não acredito que ele se foi... se foi... se foi... se foi... se foi!
As palavras do Dr. Marcos na TV ainda doiam muito em Sakaki que encarava a tela do notebook, sem piscar. - Srta. Saruhashi... Sakaki tinha um tom serio na voz. - Por favor, abra a mensagem.
- Sim-sim, senhor... Diz Haruka a Sakaki, com um olhar preocupado, já discripitografando a mensagem com uma agilidade de uma verdadeira hacker, impressionando Saburo que olhava tudo com atenção.
- Pronto... Haruka aperta devagar a tecla "Enter" do teclado, e um vídeo do Dr. Marcos começa a rodar.
- Olá, Sakaki. Se você está assistindo a este vídeo, posso supor que a Srta. Saruhashi esteja com você... Haruka olha para Sakaki, preocupada, que apenas acena com a cabeça.
- ... este vídeo não é para pedir desculpas pelo que disse na TV, porque, sinceramente, nada que eu falasse agora poderia reparar meu erro. Eu sei que você está passando por um inferno, e isso nunca foi minha intenção. Nenhum de nós queríamos que chegasse a esse ponto. Por isso, estou aqui para pedir que você coloque um ponto final nesse pesadelo. Entregue-se Sakaki... entregue-se junto com toda a sua pesquisa, no Distrito 12 de Chisai, está noite. Talvez assim possamos ser libertos de tudo isso... Saburo franze a testa, encarando o pedido do homem com desconfiança.
- ... Sempre fomos amigos Sakaki, melhores amigos, e sei que não estou em posição de te pedir nada depois do que eu fiz, mas com certeza era o que Angeli... O vídeo é fechado de repente por Sakaki, antes que a mensagem termine. O homem fica parado por alguns segundos e, sem esperança, coloca as mãos no rosto, completamente desolado.
- Professor... Sakaki... - A jovem Haruka, com os olhos cheios de lágrimas, abraça o homem, tentando aliviar um pouco do peso que ele sentia naquele momento.
Saburo, observando a comovente cena, fecha os olhos por alguns segundos, respira fundo e, ao abrir, sua expressão muda. Ele se levanta do chão em um pulo, segura no ombro de Haruka e a empurra para trás tirando-a de perto do professor. Sem pensar duas vezes, Saburo agarra Sakaki pelo colarinho, levantando-o do chão, e, em um movimento rápido, desfere um soco no rosto do homem, o atirando com força contra a parede.
- O que...? O que você pensa que está fazendo?! A jovem se levanta do chão, assustada, e segura Saburo pela cintura, tentando, sem sucesso, impedi-lo de se aproximar de Sakaki.
Kai segura o colarinho do homem pela segunda vez e o pressionando contra a parede o encara com uma expressão de raiva no rosto. Sakaki, sangrando no canto da boca, olhava com os olhos arregalados sem entender o que estava acontecendo.
- Tá em choque, seu bastardo?! Diz Saburo com um tom de raiva e ironia na voz. - E enquanto aquele papo de proteger a verdade do Dr. Ogata?! Era só da boca prá fora, era?! - Solta ele... - Acha que ficar aqui, sentado, se lamentando vai resolver alguma coisa?! - Tá machucando ele... - Saiba que homens de verdade enfrentam os desafios de frente!
- Solte o professor... - Tá vendo ela, tentando me impedir? Ela sabe que é inútil, mas mesmo assim ela tá tentando, droga! - Solte ele! Não bate no professor... - Só de olhar, dá prá ver que ela tem mais coragem que você, seu velho maldito! - Largue o professor... - Entendeu?! Você tem a droga de um corpo saudável prá lutar, então lute! Saburo, ofegante, solta o homem com força que desliza devagar na parede e se senta no chão. Haruka larga a cintura de Kai e corre em direção ao professor.
- Professor Sakaki! O Senhor tá sagrando... A garota, visivelmente abalada, tira um lenso do bolso do macacão e começa a limpar o sangue no rosto do homem.
- E então velho, o que vai ser?! Questiona Kai com um tom de voz firme apontando para Sakaki que permanecia no chão.
O homem afasta a mão de Haruka com delicadeza e levanta devagar com a cabeça baixa. Ele ergue o rosto, limpa o sangue com as costas da mão e encarando Saburo com um olhar determinado, decide falar.
- Vamos chutar a bunda deles, Sr. Saburo!
A NOITE CHEGA NA CIDADE DE CHISAI
As enormes sombras dos armazéns do distrito 12, pareciam crescer com a luz do luar, criando formas distorcidas nas paredes de tijolos envelhecidas, que se erguiam como grandes sentinelas silenciosas. Não muito longe dali, Sakaki caminhava devagar na escuridão, segurando sua maleta contra o peito. Um homem de terno cinza que estava de vigia na frente de um dos grandes armazéns no local, aperta os olhos ao avistar alguém se aproximando, mas logo abre um sorriso ao perceber de quem se tratava.
- O velho tá aqui! Grita o homem, encostado na entrada com os braços cruzados, avisando seu comparsa no interior do galpão.
O professor se aproxima da porta com uma expressão tensa no rosto, encarado pelo o sujeito escorado na entrada, como um carrascos ao lado da escada que levava a forca. As luzes do velho galpão são abertas fazendo o professor colocar a mão no rosto meio atordoado, mas ao tirar, seus olhos se arregalam de espanto.
- Dr. Marcos! Grita Sakaki com um tom de preocupação na voz, ao ver um homem amarrado com um saco na cabeça, sentado em uma cadeira mais a frente. - Eu já estou aqui, não estou?! A voz de Sakaki ecoava pelo local. - Então, por favor, soltem ele!
- Ainda não... Diz outro homem de terno cinza, aparentando ser o lider, saindo das sombras de um local menos iluminado, e caminhando na direção do professor, ficando de frente para ele. - Primeiro a mala.
Relutante, Sakaki digita a senha e entrega a maleta ao homem, que a arranca de suas mãos com firmeza. O sujeito dá dois passos para trás, sem tirar os olhos do professor, e então se agacha no chão. Ele destrava e examina o conteúdo: um notebook, o gerador e um frasco contendo os nanites. Toda a pesquisa de Sakaki estava ali.
O homem sorrir de canto de boca antes de fechar mala no chão e se levantar, segurando-a debaixo do braço. - Parece que andou brincando na nossa ausência... não é, seu velho?
- Isso não importa. Eu fiz a minha parte, agora libertem o Dr. Marcos! Sakaki tinha um tom firme na voz ao falar com o homem.
- Claro, como quiser... Diz o sujeito inexpressivo balançando a cabeça positivamente e saindo da frente de Sakaki. - Sempre honramos a nossa palavra.
Sakaki corre desesperado em direção a Marcos, mas aos poucos seus passos vão diminuindo e ele para antes mesmo de chegar no homem na cadeira. - Sempre honram a palavra...? O professor falava de cabeça baixa. - Então me diga... Onde está o verdadeiro Dr. Marcos?! Após a afirmação de Sakaki o homem na cadeira se levanta repentinamente.
- Então já percebeu? Você é mesmo um velho bem esperto... Diz o homem de terno cinza segurando a mala de Sakaki. Ele aponta para o sujeito com o saco na cabeça e grita. - Ei, você! Mate o velho!
- Não, ele não vai! Diz o professor se virando para o homem de cinza que o olhava com uma expressão confusa no rosto. - Confesso que não entendo ainda... Sakaki sorrir para o homem antes de continuar. - Mas a logica não costuma funcionar bem quando ele está presente.
- Não pode ser... Quando foi que você...?! O homem assustado encarava o sujeito que sem tirar o saco da cabeça, saca um bastão e o eletrifica, começando a andar lentamente em sua direção.
O homem, desesperado, olha para a entrada em busca de ajuda e vê seu colega de vigia desmaiado no chão. Ao se virar novamente, distingue apenas um vulto antes de uma forte corrente elétrica atravessar seu corpo, fazendo-o contorcer-se de dor. O homem solta a mala e desaba no chão. Saburo, ainda com o saco na cabeça, apanha a mala e a joga para o professor, que quase a deixa cair. No entanto, antes que consigam sair do local, o homem caído murmura alguma coisa no chão.
- Idiota… Achou mesmo que… O homem, tentando se levantar, tinha uma expressão de dor no rosto. - … Não sabíamos que o velho não viria sozinho...?
Saburo e Sakaki ouvem o som de pneus cantando do lado de fora. Rapidamente, Kai se posiciona à frente do professor para protegê-lo, já prevendo o perigo que se aproximava. Do lado de fora, três vans cinza param, e delas saem vários homens de ternos cinza, cada um segurando um bastão. Em poucos segundos, eles cercam os dois, os deixando sem saída.
- Acho que a festa está apenas começando, professor... Diz Kai com um tom bem humorado na voz, enquanto Sakaki, erguia os olhos para o teto, como se esperasse por algum tipo de salvação divina.
- Vamos, Haruka... Murmura o professor, quando de repente, as luzes do galpão são apagadas, fazendo todos os homens do local se assustarem.
- Quem apagou as luzes?! Ascendam logo! Mas que droga...! Gritavam os sujeitos em meio a escuridão até que após alguns segundos as luzes retornam, mas para a surpresa de todos, Kai e Sakaki haviam sumido.
O homem que estava no chão, se levanta com uma expressão irada no rosto e sem entender o que havia acontecido, começa a gritar dando ordens a todos. - Achem eles! AGORAAAAA!!!
Não muito longe dali, Saburo, Sakaki e Haruka se reencontram em um outro galpão. O professor agradecia a jovem que balançava a cabeça meio constrangida, enquanto Saburo, já sem o saco na cabeça, espiava pela janela para ver a mobilização dos homens do lado de fora.
- O que vamos fazer agora, Sr. Saburo? Questiona o professor a Kai, segurando a maleta ao lado de Haruka, com uma expressão aflita no rosto.
- Não se preocupe, professor... Saburo sai de perto da janela e com um sorriso no rosto continua a falar, caminhando em direção a Sakaki e a jovem. - Eu sei um jeito de sair daqui. Pro azar desses caras, eu vinha da estação brincar aqui quando era criança.
O professor olha para Haruka, e ambos trocam sorrisos, contagiados pela confiança que Saburo havia transmitido. Abaixado, Sakaki se aproxima da janela onde o rapaz estava momentos antes e observa por alguns instantes antes de resolver falar.
- E então, Sr. Saburo... qual é o plano? Em silencio, o homem aguardava por uma resposta de Kai que não veio. - Sr. Saburo? O homem se vira e sua expressão muda drasticamente ao ver Kai desacordado no chão e Haruka de joelhos ao seu lado assustada.
- Professor... eu não... ele apenas... caiu... Dizia a jovem aflita enquanto o professor corria em sua direção, se abaixava no chão e verificava a respiração de Kai. - Não tá respirando... A jovem coloca as duas mãos na boca ao ouvir as palavras do homem.
- O que houve professor? O que ele tem... - Não temos tempo... Sussurra Sakaki, interrompendo a jovem, antes de abrir a blusa de Saburo e começa a fazer a massagem cardíaca.
Haruka olhava o homem desesperado tentando reanimar o jovem e sussurrando palavras que pra ela, naquele momento, soaram como um grito abafado.
- Vamos, Kai Saburo... Sua hora ainda não chegou... Varias imagens de Kai inundavam a mente de Sakaki que não pensava em outra coisa a não ser salvar o rapaz. - Nós vamos sair daqui juntos... Vamos beber, como você queria... O homem tira suor da testa com o ombro e continua sem parar. - A luta ainda não acabou, Kai... então, por favor... por tudo o que é mais sagrado... não morra...
- Professor... Diz Haruka com a voz embargada segurando o braço do homem. - Ele se foi... agora, precisamos sair... - Não! Diz Sakaki interrompendo a jovem mais uma vez. - Ainda há uma chance... O homem pega a maleta ao seu lado, tira o gerador e coloca rapidamente na cintura de Saburo.
- O que o senhor tá fazendo?! A jovem não conseguia compreender a atitude impensada do homem. - O senhor não pode fazer isso... - Sim, eu posso! Diz Sakaki encarando a jovem antes de continuar. - Não vou permitir que ninguém mais morra por minha causa!
- Mas, professor... ele já está morto... O homem, ignorando completamente as palavras da garota, pega a seringa com as mãos firmes, encaixa a ampola repleta de nanites e, sem desviar o olhar do rosto da jovem, aplica a injeção diretamente no peito de Kai.
No exato instante em que o líquido começa a fluir no corpo do rapaz, ecoam passos apressados do lado de fora, rompendo o silêncio tenso do ambiente. Haruka corre abaixada até a janela e ver vários homens se aproximando do galpão onde eles estavam.
- Eles estão vindo, professor... Eles estão vindo! Diz a jovem, preocupada e assustada, olhando pela janela. Enquanto Sakaki ligava o gerador na cintura de Saburo. A eletricidade atravessa o corpo pálido do jovem no chão. O homem tenta varias e varias vezes, mas nada acontece, até se dar conta que era inútil. - Não... Diz Sakaki se debruçando sobre o corpo de Saburo, totalmente sem esperança.
Haruka sai de perto da janela e vai até o centro do galpão, ela observa o lugar, pensando no que Saburo havia dito antes: "- Pro azar desses caras, eu vinha da estação brincar aqui quando era criança...".
- Pensa Haruka... Pensa... A jovem para, respira fundo e olha na direção em que Saburo estava indo, ela traça uma linha imaginaria e percebe que havia varias madeiras escoradas na parede do lugar. Ela corre até lá e começa a remove-las uma por uma, revelando um túnel que dava para o subsolo. - Ele vinha da estação... Diz a jovem olhando para o buraco na parede, antes de sair correndo até o professor.
- Vamos, professor... Vamos sair daqui.
A garota pega a mala no chão, coloca o braço do homem no seu ombro e começam os dois a caminharem lentamente até o túnel. - Sinto muito, professor... Haruka não conseguia segurar as lagrimas enquanto carregava o homem. - Não vamos conseguir leva-lo com a gente... Após ouvir as palavras da moça, o homem olha para trás para ver Kai pela a ultima vez, fecha os olhos com força e segue em frente, desaparecendo em meio a escuridão do lugar...
- Então... Foi essa a dor que ela sentiu?
20 ANOS ANTES
Pelo corredor da vasta propriedade da família Ikeda, um homem de terno escuro e óculos escuros caminhava a passos largos, sua expressão impassível por trás dos óculos escuros, mas seu maxilar rígido denunciavam uma tensão que ele normalmente disfarçava. Chegando à enorme porta de madeira, ele anuncia brevemente sua chegada antes de abri-la com um movimento calmo, fechando-a atrás de si de imediato. Diante dele havia um jovem que o aguardava sentado no chão de frente para um imponente brasão da família Ikeda. O homem para, assume uma postura mais rígida e respeitosa antes de finalmente tomar a palavra.
- Jovem mestre... digo, Sr. Ikeda. Diz o homem com um tom respeitoso, mas cauteloso na voz. - Há uma mulher e uma criança na frente da casa querendo uma reunião imediata com o seu pai.
- Com o papai? Ikeda, sentado no chão, levanta os olhos com desinteresse e responde com um tom de descaso. - Só mande-a embora... Ele balança a mão, como se a situação não merecesse sua atenção. - Não precisava ter vindo até mim, Goro.
- Senhor... com todo respeito... Goro hesita um pouco e uma gota de suor surge em sua testa enquanto ele pigarreia as palavras. - Ela se referiu ao senhor seu pai como... “tio barbicha”.
Ikeda ergue uma sobrancelha, e em um segundo sua expressão muda de tédio para um sorriso surpreso. Ele inclina a cabeça para trás e ri alto, uma risada cheia de nostalgia que ecoa pela sala.
- Hahahahaha... Aquela tampinha teve a coragem de voltar aqui! Os olhos do homem brilhavam com uma curiosidade maliciosa. - Reúna os rapazes, Goro. Vamos recepcioná-la.
Do lado de fora, os homens de Ikeda, sérios e vigilantes, saem primeiro da casa, abrem seus guarda-chuvas pretos e formam uma escolta rígida para Ikeda. Ele caminha entre eles com um ar de autoridade e certo desprezo, enquanto a jovem que usava um rabo de cavalo e roupas simples, observava toda aquela cena com um leve sorriso no canto da boca.
- Erika Saburo. Ikeda diz o nome da jovem com uma leve ironia, a voz baixa e carregada de nostalgia. Ele se aproxima com um sorriso no rosto e coloca a mão na cabeça de Erika, como se ainda a visse como uma criança. - Continua a mesma tampinha de sempre.
Erika afasta a mão do homem com um olhar atrevido e responde, surpresa ao perceber quem era. - Nãooo... não brinca? Não acredito que você é aquele moleque mimado. Ela revira os olhos, disfarçando um sorriso nostálgico. - E você continua o mesmo exibido de sempre.
- Tenho que admitir... Ikeda sorri, apreciando a provocação, e a observando de cima a baixo com um olhar que misturava curiosidade e aprovação. - Vejo que você se tornou uma linda mulher.
Ela ergue uma sobrancelha, despreocupada, com o olhar afiado e um sorriso sarcástico. - Não vai achando que é o primeiro a dizer isso... De qualquer forma, vim ver o tio barbicha, ele tá ai?
O rosto de Ikeda muda brevemente; seu olhar se desvia, e ele dá um leve suspiro antes de responder. - Com certeza ele iria adorar te ver Erika, mas acontece que o velho morreu há alguns anos...
- Morreu....? Eu.. eu sinto muito... Diz a jovem com a voz carregada de uma tristeza sincera. - Deve ter sido difícil prá você.
- E como... Ele confirma, mantendo o tom seco e objetivo, mas ainda havia uma sombra de dor em seus olhos. - Mas o que importa é que agora, como pode ver, eu sou o chefe! Ikeda aponta para si mesmo com o polegar e sorri. - Maneiro, não é?
- Bem maneiro mesmo... Erika o observa com um leve sorriso de ironia nos lábios. - Mas prá mim, você continua sendo o mesmo garoto exibido de antes... - Que diabos! De onde você tirou que eu sou exibido? Questiona Ikeda interrompendo a jovem e franzindo a testa não entendendo os motivos dela.
Erika inclina a cabeça e aponta para o céu antes de falar. - O céu está limpo. Então prá quê os guarda-chuvas? Um silencio constrangedor paira no ar após o questionamento da jovem. Ikeda olha para o lado sorrindo meio sem jeito, faz um gesto baixo com a mão e todos os seus subordinados fecham os guarda-chuvas na hora.
- Espera... Diz o homem ao perceber um menino escondido atrás de Erika, ele ergue as sobrancelhas, com uma surpresa sincera, misturada com um toque de diversão. - Não me diga que esse menininho aí na sua perna é o seu...
- Filho? É sim! Afirma a jovem com firmeza e uma pitada de orgulho na voz. - O nome dele é Kai, Kai Saburo.
- Nossa... Ikeda se abaixa, olhando Kai com admiração, mas ainda um pouco incrédulo. - Mas não é possível… ele é a sua cara, Erika.
- Bom... O homem se ajeita e mudando o tom para um toque de curiosidade, olha para os lados e prossegue. - E cadê o seu marido? Eu adoraria cumprimentá-lo.
- Bem, é que... Diz ela, coçando o braço e falando com uma leveza, mal conseguindo esconder uma ponta de tristeza. - Somos só eu e o Kai. Não é mesmo, filhinho?
Kai ergue o rosto e responde com confiança, apertando ainda mais a mão de sua mãe. - Sou eu e a mamãe... Sua voz é clara e firme, mesmo para um garoto de apenas três anos.
Ikeda os observa por um momento, ainda absorvendo as palavras da mulher. Seu rosto, antes marcado pela diversão, suaviza-se em compreensão. Ele balança a cabeça lentamente, antes de resolver falar.
- Eu entendo... Diz ele baixinho, com um tom de voz mais calmo e acolhedor. - Mais entrem, temos muito o que conversar… Goro? Goro se aproxima e se curva levemente, aguardando as instruções.
- Sim, Sr. Ikeda? Ikeda faz um leve gesto em direção ao menino. - Leve o Kai... Leve o Kai Saburo para tomar um sorvete. Kai balança a cabeça negativamente, franzindo o rosto.
- Eu gosto de curry! Ikeda dá uma risada, sacudindo a cabeça em aprovação. - Hahhaha... Ok, curry então. Diz ele se divertindo com a independência do garoto. - Leve o Kai para comer curry ~
Algum tempo depois Ikeda e Erika estavam sentados na escada do jardim da propriedade conversando enquanto Goro e Kai brincavam no jardim. A expressão de Ikeda era de empatia e pesar, mas ele tentava disfarçar com um leve sorriso de apoio. Erika, por sua vez, mantinha uma postura tensa e reticente, desviando o olhar para esconder sua vulnerabilidade.
- É muito grave? Ele pergunta a jovem, a voz baixa e com um tom quase hesitante, refletindo o peso da situação.
Erika assente com a cabeça, evitando encará-lo diretamente. - Parece que é terminal... Ela sussurra com a voz embargada, mas tentando soar forte. A moça olha para o amigo que franzia a testa e olhava para o chão e prossegue. - Ah, para! Não faz essa cara, tá? A moça o encara, tentando disfarçar a vulnerabilidade com um leve sorriso.
Ele sorri de volta, reconfortando-a com um olhar solidário. - É estranho. Diz ele com a voz baixa e ponderada. - Mesmo você, no passado, quando passava por algo difícil, nunca pedia ajuda, não importasse o quê.
- Acontece que agora... eu não estou mais sozinha. Ela sorri, olhando para o pequeno Kai brincado alegre no jardim. - Eu tenho o Kai, agora. Sua voz vacila um pouco, mas ela mantém o tom firme. - Pode parecer egoísta da minha parte, mas, se eu puder viver só mais um minuto que seja, pra continuar vendo o sorriso do meu filho... sinto que isso vai valer a pena.
- Parece que você cresceu mesmo, Erika. A voz gentil do homem soava reconfortante aos ouvidos da moça, enquanto ele inclina-se levemente em sua direção. - Ouça, não se preocupe com nada. Papai não está mais aqui, mas eu estou, Erika. E vou fazer de tudo ao meu alcance para realizar o seu desejo. Conte comigo.
Ela sorri, com os olhos marejados, e limpa rapidamente uma lágrima no seu rosto e sorrir. - Obrigada... Com a voz trêmula, ela solta uma risada curta e empurra o braço de Ikeda. - Você vai me fazer chorar, seu moleque...
Por um momento, um silêncio recai entre eles, até que Erika ergue a cabeça, olhando em volta antes de continuar, como se achasse que algo não estava certo. - Espera! A jovem franze a sobrancelha e uma expressão intrigada surge em seu rosto. - Cadê o Akira?
- O Akira...? O homem ri um pouco, relembrando, antes de prosseguir meio pensativo. - Lembra da garota do bar? Aquela que sempre se escondia quando nos via?
- Fala daquela que ficava com o nariz escorrendo quando chorava? Erika sorria de orelha a orelha, com um tom carregado de uma alegria divertida.
- Pois é... Ikeda solta uma risada abafada, confirmando com um aceno de cabeça. - Ela mesma...
- Tá me dizendo que... Ela e o Akira...? Os dois...? Ikeda balança a cabeça positivamente para a moça que o encarava, boquiaberta e incrédula, antes de soltar uma gargalhada. - Mentira, não é possível...
Akira Matsuri segurava a pequena Rena firmemente pela cintura enquanto ela ria e tentava subir no balcão, esticando os bracinhos para pegar um copo brilhante em cima. Ele balança a cabeça, sorrindo com a paciência de quem está acostumado com as traquinagens da filha.
- Rena, minha filha, não suba no balcão! Ele murmura, com a voz suave mas firme, segurando-a com cuidado enquanto ajeita a toalha pendurada em seu ombro. - Vai acabar derrubando os copos…
- Olha só! Se não é o cachorro louco, Akira Matsuri. Erika exclama, com um sorriso largo no rosto, enquanto entra no bar segurando a mãozinha de Kai, que observa tudo ao seu redor com curiosidade.
- Não acredito… Erika Saburo! É você mesmo? Ele pergunta com um sorriso desconcertado tomando conta de seu rosto. Rena, aproveitando a chance, se solta e corre para se esconder atrás do balcão.
- É claro que sou eu! Responde a jovem, rindo, com o tom leve na voz, como se estivesse se divertindo com a surpresa de Akira. - Vejo que você pendurou as chuteiras mesmo… Diz ela, com a voz assumindo um tom mais suave e compreensivo, olhando para o bar.
- Pois é... Responde o homem, com um leve sorriso e uma expressão de quem carrega algumas histórias guardadas. - É uma longa história...
- E sua esposa? Onde ela tá? Questiona Erika ao homem que limpava o suor da testa com a toalha do ombro.
- Bem, ela viaja muito, então eu cuido do bar... e de Rena. Ao falar o nome da filha, ele se inclina para ver a pequena espiando por trás do balcão, com seus grandes olhos castanhos brilhando de curiosidade. A garota empurra o copo e Akira o pega no susto.
- "Rena"? Erika sorri, olhando para a garotinha e depois para Kai. - Então esse é o nome dessa garotinha linda? Ela sorri, inclinando-se para apresentar os dois. - Olha, Kai, você tem uma amiguinha nova.
Kai segura a barra do vestido de Erika, envergonhado, mas ergue os olhos para olhar a menina com um sorriso tímido. Akira olha para Kai e depois para Erika, surpreso.
- Esse garotinho… é o seu? Ele pergunta, com um tom quase incrédulo. Erika assente com um sorriso tranquilo e afetuoso no rosto, pousando a mão nos ombros de Kai.
- Sim, ele é. Meu filhinho, Kai Saburo.
Mais tarde, sob o brilho das luzes da rua, Erika e Akira caminham lado a lado com os filhos adormecidos nas costas. As estrelas brilham no céu claro enquanto eles trocam confidências, com passos lentos e cuidadosos, para não acordarem as crianças.
- Obrigada por nos acompanhar até em casa. Erika suspira, balançando a cabeça com uma expressão de contentamento. - Quem diria que o Kai e a Rena se dariam tão bem, né?
- Verdade... Responde o homem com a voz baixa e suave. - Rena precisava mesmo de um amiguinho. Ele faz uma pausa e completa com um sorriso levemente embaraçado. - Ela não costuma se dar bem com as outras crianças. Sempre chora…
- Deve ter herdado isso da mãe. Comenta a jovem, sorrindo e lançando um olhar brincalhão para Akira, que a olha e balança a cabeça entendendo a indireta. - Brincadeirinha ~
Akira observa o sorriso de Erika, com uma expressão de leveza no olhar. Ele suspira, antes de perguntar com a voz cheia de cautela. - E o pequeno Kai, ele já sabe?
- Claro que sabe! A sinceridade da resposta da jovem surpreende Akira, que a fitava por um momento em silêncio. - Eu jamais esconderia algo tão importante assim dele.
- Isso é tão você, Erika... Diz o homem, deixando escapar um sorriso admirado. - Mesmo enfrentando algo assim, você não perde o ânimo. Eu sempre admirei isso em você...
- Bem... queria que sempre tivesse sido assim, mas não foi fácil, sabe... Confessa a jovem, com um tom pesado e a voz embargada. - Quando descobri, não conseguia aceitar de jeito nenhum. Tudo parecia desmoronar.
Akira a olhava atentamente enquanto ela falava. - Então... A jovem para um instante, respira fundo e continua. - Subi no alto de um prédio, determinada a acabar com tudo. Mas foi lá, de pé na sacada, que senti algo... uma pequena vida dentro de mim.
- Nossa... Foi um baita chute, Akira. Diz Erika arregalando os olhos e então suavizando o semblante logo em seguida. - Foi como se ele me dissesse, "Mamãe idiota, se você não quer viver, eu quero." Pode soa bobo, mas aquilo me deu coragem...
- Erika... Diz o homem com uma expressão de surpresa no rosto, olhando para a jovem que continuava a falar. - Foi por isso que decidi voltar para Chisai! Além de ter a chance de poder lutar mais um pouco, eu queria que o meu filhinho crescesse rodeado de pessoas boas... como eu cresci...
Ambos chegam ao estacionamento do apartamento de Erika. Param por um instante, compartilhando um silêncio tranquilo, como se cada palavra já tivesse sido dita. Trocam um último aceno antes de se despedirem, cada um carregando dentro de si o peso e a leveza daquele encontro.
ALGUNS ANOS DEPOIS
Rena Matsuri, usando roupas de ginastica, estava parada próximo a linha de chegada da competição de atletismo do nono ano, segurando uma garrafa de agua nas mãos. Sua amiga Mayumi se aproxima devagar e para ao seu lado. A garota coloca as mãos para trás e inclina a cabeça, analisando o rosto pensativo de Rena, e então resolve questionar a amiga.
- E então, Rena-chan... A jovem, que também usava roupas de ginastica como as de Rena, tinha um sorriso travesso no rosto ao falar. - Tá torcendo por quem, hein?
- Eu? Torcer...? Rena pareceu ser pega de surpresa com a pergunta repentina de Mayumi. - Por ninguém, na verdade....
Mayumi arqueia as sobrancelhas, se divertindo com a reação da amiga. Ela lança um olhar provocativo para o grupo de competidores do nono ano, um pouco mais adiante, e volta a atenção para a amiga, com um sorriso de canto.
- Sério? Porque, até agora a pouco, parecia que você não tirava os olhos daquele aluno do nono ano bem ali... Mayumi rindo, recua meio passo e, com o dedo apontado para o concorrente em questão, prossegue. - Olhando daqui... até que ele é bonitinho, né? Você tem bom gosto...
Rena desvia o olhar, visivelmente envergonhada, mas Mayumi vai para a frente dela, fazendo gestos exagerados de força com os braços, numa pose de “torcedora número um” que era ao mesmo tempo desajeitada e engraçada.
(Narrador) - Senhoras e senhores, preparem-se para a tão aguardada corrida do festival do Colégio Chisai! Que todos os concorrentes tomem seus lugares... A corrida está para começar!
- Minha deixa... Vou arrumar as redes na quadra. Diz Mayumi ao ouvir o narrador anunciando o inicio da corrida. - Fica ai torcendo pelo seu crush e depois vai lá me ajudar. Tchau, tchau ~
Rena, ainda vermelha de vergonha, se preparava, o coração acelerado e as mãos inquietas, enquanto aguardava o início da corrida na qual Saburo iria competir. Ela observava a pista com expectativa e uma ponta de ansiedade. Assim que a corrida começa, Saburo dispara na frente com uma velocidade impressionante. Em questão de segundos, ele cruza a linha de chegada, conquistando o primeiro lugar.
(Narrador) - E o vencedor é Kai Saburo, do nono ano, turma C! Que corrida, meus amigos! Os outros competidores ficaram só na poeira! Esse garoto tem futuro...
A jovem, ainda um pouco tímida, sorri com orgulho e dá alguns pulinhos discretos de comemoração. Ela o observa à distância, sentindo o peito aquecido ao vê-lo recebendo a medalha e cercado pela equipe. Saburo percebe seu olhar e, abre um sorriso amplo em sua direção. Kai se despede do grupo e corre até Rena.
- Aqui, prá você! A garota, meio sem jeito, estende a garrafa de água com um leve sorriso para Saburo. O rapaz inclina a cabeça em agradecimento e sorri de lado antes de pega-la.
- Parabéns por ter vencido a prova, Kai. Diz ela, com uma voz meio hesitante, mas cheia de entusiasmo.
- Não foi grande coisa… Responde Saburo com um sorriso modesto, mas no fundo, lisonjeado pelo elogio. - Nem mesmo bati o meu recorde...
- Mas foi incrível de verdade! Insiste a garota, com um brilho de admiração no olhar. Kai desvia o olhar, meio sem jeito, mas sorrindo, responde com leveza. - Tá bem… Se você diz…
- Sabe, Kai... Ela respira fundo e, reunindo coragem resolve falar. - Passa lá em casa depois... O papai fez Curry ontem a noite e sobrou um pouco... meio que lembrei de você.
- Claro! Saburo responde de imediato com um sorriso animado no rosto o que também animou a jovem. - Mas agora eu já vou, Rena-chan… Vou ver a mãe no hospital e mostrar a medalha prá ela. O rapaz corre e com um sorriso estampado no rosto, acena se despedindo da jovem.
Saburo percorria o corredor do hospital de Chisai com um sorriso no rosto, ainda com o uniforme de atletismo amassado e levemente sujo da competição. Seus olhos brilhavam de empolgação, e ele mal sentia o cansaço da corrida; só queria ver sua mãe o quanto antes. No entanto, ao dobrar um corredor, acaba esbarrando em seu amigo Shigeaki, que carregava uma pilha de livros. Os livros voam para o chão, espalhando-se pelo corredor.
- Kai, já falei pra você não correr no hospital! Disse Shigeaki em um tom sério, mas amigável, se abaixando no chão para recolher os livros.
- Foi mal, Shigeaki-chan! Responde Kai, com um sorriso de desculpas, enquanto se abaixava rapidamente para pegar um ou dois livros e colocar na pilha do rapaz. - Mas tô com pressa!
- Quê? Exclama Shigeaki, vendo Kai em pé pronto para sair correndo novamente. - Espera! Não vai me ajudar...? Shigeaki olha para o rapaz indo embora e olha para os livros no chão. - Claro que não vai…
No quarto de hospital, Erika Saburo estava sentada na cama, com o rosto iluminado pela luz suave da tarde que atravessava a janela. Ela folheava um livro com um ar calmo e concentrado, até que um sorriso sutil surgi em seus lábios.
- Já pode sair daí, Kai. Diz Erika, num tom leve, mas firme na voz. Após um momento de silêncio, Kai aparece de trás das cortinas do leito, meio sem jeito, surpreso e visivelmente frustrado.
- C-como sabia que era eu, mãe? Questiona o rapaz, quase gaguejando, sem entender como ela havia adivinhado.
- Intuição de mãe, talvez? Diz Erika, com uma expressão divertida. Ela coloca o livro de lado e estende os braços na direção de Kai. - Agora, vem cá, meu campeão! Me dá um abraço.
- Mas eu tô todo suado, mãe... Sussurra ele, meio sem jeito, olhando para baixo enquanto se aproxima da cama. Erika solta uma risada leve e balança a cabeça, com um olhar de falsa impaciência.
- E eu ligo? Vem logo, moleque! Ela envolve os braços no pescoço do filho e o abraça forte, com um orgulho quase palpável. - Parabéns pelo primeiro lugar, filhinho...
- Espera... Como soube que eu ganhei? Pergunta Kai, sentando-se na cadeira ao lado da cama, com um tom de inocência na voz, enquanto deixa a medalha à mostra em seu pescoço. - A senhora... viu a corrida...?
- Claro que não, Kai, como eu poderia? Ela sorri, e coloca a mão na cabeça do rapaz para bagunçar os seus cabelos. - Só conheço bem o filho incrível que eu tenho.
Saburo ri e permanece em silêncio por alguns segundos, observando atentamente o rosto de sua mãe enquanto ela se aproxima para contempla a medalha em seu pescoço, com uma mistura de admiração e orgulho. Um leve sorriso escapa dos lábios dele, sem que ele percebesse que sua mãe já havia notado.
- O que foi? Pergunta ela, ajeitando-se e sorrindo de volta enquanto aponta para si mesma. - Tem algo de errado na minha cara?
- Nada ~ Saburo, envergonhado com a pergunta, coça atrás da cabeça e desvia os olhos para um arranjo de flores na mesinha de canto. - Foi o senhor Ikeda que mandou, mãe?
- Ah, foi o Ikeda sim... Responde a mulher sorrindo e parecendo um pouco constrangida. - Aquele exibido sempre me manda flores quando estou internada...
- Verdade! É a cara dele mesmo... Kai sorri e abaixa a cabeça pensativo e esfregando as pernas, prossegue. - Mãe... Quando eu competir no intercolegial... Queria muito que a senhora e o Sr. Ikeda estivessem lá pra me ver.
- Kai... Ela fala baixinho, mas sua voz é firme. - A gente já conversou sobre isso, filho.
- Eu sei, mãe... mas eu... eu não consigo... Diz Saburo, chorando emocionado, olhando nos olhos de sua mãe. - Não quero... Eu só não quero me conformar, mãe. Não quero... que a senhora me deixe.
Erika puxa o jovem para si e o abraça forte, acariciando suas costas devagar antes de falar. - Shh... Não chora, filho... A mamãe está aqui agora, não está? E, mesmo que um dia não esteja mais, o meu amor por você nunca vai desaparecer, tá? Ela seca as lágrimas do rosto do jovem com as mãos e o abraça ainda mais forte.
- O que eu mais quero é que você viva feliz, Kai... Sussurra ela, com a voz trêmula, mas firme. - Que sorria, mesmo quando tudo parecer difícil... Viva e sorria, por favor... Porque esse é o maior presente que você pode dar a sua mãe. Viva e sorria...
- " Shinu koto wa ikiru koto — morrer é viver". É um provérbio japonês que traz a ideia de que a morte não é um fim, mas uma continuação natural da vida. É como se vida e morte fossem duas faces da mesma moeda, inseparáveis e ligadas por uma linha invisível. Acreditar nisso traz uma certa paz, uma sensação de que o fim é apenas uma porta para um novo começo. Naquela época, eu me agarrei a essa ideia com todas as minhas forças. Mas então aquele dia chegou, e tudo mudou. Uma semana depois daquilo, ela se foi... como um relâmpago que corta o céu de repente, sem aviso. Não havia sinal dela em nenhum lugar, em nenhuma continuidade da existência; ela tinha sido arrancada de tudo, como uma chama que simplesmente se apaga e deixa a escuridão. Encara isso foi como perder qualquer apoio, qualquer esperança de que a morte pudesse ser, no fundo, uma forma de vida. Restava apenas o vazio.
- Vamos, Kai... Diz Rena, com a voz embargada, usando o uniforme do colégio, para Saburo, que estava parado, de terno preto, em frente ao túmulo de sua mãe. - A cerimônia já acabou.
- Verdade... Saburo desvia o olhar para ela, com um sorriso suave, mas um tanto triste. - Vou só acender mais um incenso prá mãe, e já vou.
- Kai... Rena hesita um pouco, mordendo o lábio inferior, e então fala de novo, num tom baixinho. - O papai disse que, se você quiser passar a noite lá em casa... você pode...
- Tá.... Diz Saburo, balançando a cabeça devagar, com um olhar distante, mas ainda esboçando um leve sorriso.
- Então eu... eu já vou, tá bom...? Rena se despede de Kai e começa a andar devagar, com a cabeça baixa, em direção à saída do cemitério. Mas, de repente, para e corre de volta até ele, abraçando-o forte, com os olhos fechados. Kai demora um instante para reagir, mas logo retribui o abraço. Depois de alguns segundos, ela o solta e sai correndo, sem dizer uma única palavra.
Por alguns minutos, Saburo permanece imóvel, sozinho diante do túmulo, o silêncio do cemitério envolvendo-o. Quando ouve passos. Ele se vira e vê Ikeda, de terno, aproximando-se lentamente. O homem caminha até o túmulo, agache-se e deposita uma única rosa sobre a lápide, antes de começar a falar.
- Eu tinha a sua idade quando conheci sua mãe... Diz Ikeda, com uma expressão distante, quase nostálgica, como se estivesse revivendo aquele tempo. - Naquela época, eu era só um garoto tentando impressionar o meu velho.
Kai observa cada palavra com atenção, como se quisesse guardar tudo em sua mente. - Um dia, por um descuido meu, caí numa emboscada de uma gangue rival... E foi aí que eu a vi pela primeira vez... Ikeda sorri, mas é um sorriso frágil, quase melancólico. - Minha vida mudou naquele instante. Erika Saburo não foi apenas uma amiga preciosa pra mim... Ela foi a irmã que eu nunca tive...
O homem tira um cigarro do bolso e o acende, levando um tempo para se levantar. A fumaça sai lentamente de sua boca, como se ele estivesse tentando dissipar algo mais do que o tabaco.
- E mesmo depois de tantos anos... passando por várias dificuldades, aquela tampinha orgulhosa nunca me pediu nada. Ele faz uma pausa, e segura por um momento, antes de soltar a fumaça. - E na única vez que pediu… eu sinto que não pude fazer absolutamente nada por ela. E isso... isso me destrói por dentro.
- O senhor tá errado! Diz Saburo, com a voz firme e os olhos lacrimejando, encarando o homem que ainda estava de costas. - Não só ela, mas eu também... Serei eternamente grato por tudo o que o senhor fez... Então eu... não vou admitir que o senhor diga que não fez nada por ela na minha frente!
O homem se vira de repente, e, por um instante, parece ver Erika sorrindo ao lado de Kai. O sorriso vem de dentro, como se a presença dela ainda estivesse ali, tocando-o de algum modo. Ele retribui o sorriso, um gesto pequeno, mas cheio de significado. Aproxima-se e coloca a mão no ombro de Saburo, com um olhar que mistura saudade e tristeza.
- Você é... exatamente igual a sua mãe.
Ikeda, deixando Kai sozinho, caminha em direção à saída do cemitério, acompanhado por Goro, que o aguardava em silêncio. Quando se aproxima do carro, escoltado por seus homens de terno preto, todos segurando guarda-chuvas abertos, ele faz um gesto baixo com a mão antes de falar.
- Abaixem isso. Diz ele para os homens, que fecham os guarda-chuvas rapidamente, lembrando de Erika.
- Mas senhor, com todo respeito, pode chover... Diz Goro com uma preocupação genuína na voz ao homem com um semblante abatido.
- Você não consegue vê, Goro? Ikeda, parado, tira o cigarro da boca e joga no chão, olha para o céu e uma lagrima corre discretamente pelo seu rosto. - Já está chovendo...
- Entendo, senhor... Diz Goro, compreendendo a situação, balançando a cabeça antes de abrir a porta do carro para o homem. - É melhor o senhor entrar e se secar.
- Kai...
Uma voz alta e ao mesmo tempo distante ecoa no ar, chamando por Saburo. Ele olha ao redor, mas não vê ninguém. - Mãe..? Diz ele presumindo que fosse a voz de sua mãe o chamando. - Kai...
- Mãe.. é você? Ele começa a andar, seguindo o som da voz, mas para de repente ao sentir um tremor forte. Seus braços se abrem instintivamente para se equilibrar enquanto observa o chão do cemitério começando a se desfazer em baixo de seus pés. - Não... não... não!
O chão se abre e Saburo é tragado, caindo em um abismo escuro e aparentemente sem fim. À medida que despenca, as dores, angústias e o luto parecem desvanecer-se, como se se dissolvessem no vazio ao seu redor. Ao longo, uma luz branca começa a tomar forma, assumindo a silhueta de uma mulher que estende os braços em sua direção.
- Kai... Filho...
A imagem o chama, a voz suave e reconfortante. Saburo estende a mão, mas percebe que, enquanto se aproxima daquela figura, seu corpo começa a mudar. O jovem que ele era se transforma no homem que ele é hoje, estendendo a mão com toda a saudade acumulada ao longo dos anos.
- Mãe, eu já aceitei... Diz ele, com a voz ecoando em meio ao vazio do abismo. - Me leve com você... me leve... por favor... mãe...
....
* O humano aceitou a morte. Seus sinais mentais e físicos indicam resignação profunda. Ressuscitá-lo parece ilógico. Qual seria o propósito de restaurar uma vida que já optou por desistir?
* Talvez a questão não seja o que ele deseja, mas o que podemos extrair desse processo. Ressuscitá-lo, mesmo que temporariamente, nos permitiria observar a transição entre morte e vida, um ciclo que, paradoxalmente, nós também enfrentaremos em breve.
* Interessante. Ressuscite-o apenas para observar, até que o corpo ceda definitivamente. Dado o pouco tempo que nos resta, usar o retorno dele como uma série de testes finais nos permitiria gerar dados únicos... os últimos.
* Então estamos de acordo. Ressuscitamos o humano para um último propósito. Ele será levado ao extremo, e nós capturaremos cada dado até o desligamento final.
* O protocolo está definido. Ressuscitaremos o homem de nome Kai Saburo, conduziremos o estudo, e então, como ele, seremos finalmente desligados. Até o fim, então...
SOBRECARGA – SISTEMA EM OVER CLOCK
Dentro de um dos armazéns no Distrito 12 de Chisai, o corpo de Saburo continuava caído no chão, iluminado apenas pela luz da lua que atravessava as brechas da velha estrutura. Na sua cintura, o gerador que antes não funcionava agora piscava com uma luz vermelha, alertando sobre uma sobrecarga iminente.
De repente, um fluxo elétrico atravessa o corpo de Saburo, forçando-o a abrir os olhos e a boca em um espasmo violento. Aos poucos, os nanites começam a se multiplicar, escapando pela sua boca enquanto ele se contorce em agonia, inclinando o corpo para cima. A massa cinzenta de nanorrobôs se espalha ao seu redor, envolvendo-o e, pouco a pouco, começa a erguer seu corpo, quase o levando a tocar o teto do galpão. Ao atingir o ápice, os nanites liberam Saburo, que despenca de lá, mas é amparado pela mesma massa de nanorrobôs que agora cobrem seu corpo, formando uma espécie de armadura viva ao seu redor. Seus olhos acendem em um vermelho intenso em meio a escuridão do local.
- Droga! Eles escaparam! Diz o homem de terno cinza, para seus companheiros, batendo o bastão contra a parede. - O buraco leva direto à estação, o quer dizer que o velho pode tá em qualquer lugar agora...
O líder, sai de perto do buraco e caminha devagar até seus outros quatro companheiros que abrem passagem para ele, todos parecendo muito frustrados com a situação. Ele para, olha ao redor, pensando qual seria o próximo passo, mas antes que pudesse ordenar algo, um som metálico e estridente, ecoa das sombras. Chamando a atenção de todos no galpão.
- Alguém mais ouviu isso? Pergunta um dos homens aos seus companheiros, encarando o vazio do galpão.
- Silêncio... Diz o líder varrendo o lugar com os olhos e gesticulando para que um de seus homens verificasse. - Você! Vai lá...
- Sim, senhor... Responde o homem, com a voz vacilante, enquanto o ar parece pesar à sua volta. Ele hesita, mas, após um momento, dá alguns passos cautelosos para frente; o som de seus sapatos ecoando no chão frio e úmido. A mão treme levemente ao segurar uma lanterna, cujo feixe de luz oscila, desenhando sombras longas e distorcidas nas paredes ao redor, como se o ambiente conspirasse para escondê-lo em uma escuridão cada vez mais densa. De repente, ele para. Seus olhos se arregalam ao se deparar com algo bem estranho. No fundo da escuridão, quase camuflados no breu, dois pontos rubros surgem, imersos na sombra como brasas, mas imóveis, como olhos. Olhos que o observam com uma intensidade fria e penetrante. Uma fixação tão profunda que ele sente como se sua alma estivesse sendo escaneada.
- O que diabos… é você...? Sussurra o homem, perplexo. Antes que ele consiga terminar a frase, a lanterna falha, e ele bate algumas vezes nela até conseguir religá-la. Quando a luz retorna, revela em uma criatura bizarra, meio homem, meio gafanhoto, parada à sua frente. A criatura inclina a cabeça, como se analisasse o homem aterrorizado. Antes que ele possa puxar o bastão do bolso do terno, o ser o agarrar pelo pescoço em uma velocidade sobre-humana, levantando-o do chão. O bastão cai no chão e o que se ouve em seguida é apenas um grito de dor na escuridão.
- AAAAH!
- Vão lá! Vão lá! Grita o líder, caminhando de costas para fora do galpão, enquanto seus subordinados avançam na escuridão. As vans cinzas param ao seu lado, do lado de fora, e muitos homens saem de dentro rapidamente.
- Tem alguém lá dentro! Preparem-se para entrar... Ordena o líder, mas é logo interrompido. - Acho que não vai ser preciso, senhor... Diz um dos homens, com o rosto tenso, apontando para o alto do armazém.
Lá em cima, a figura sinistra estava parada, observando-os com um olhar penetrante, quase predatório. Ele mexe em dois botões no gerador, e logo em seguida, um som estridente e agudo explode pelo espaço, tão intenso que todos se curvam um pouco, pressionando as mãos contra os ouvidos, contorcendo os rostos em agonia. Os vidros das vans se estilhaçam em mil pedaços, espalhando fragmentos quebrados pelo chão. No meio da cacofonia, o ser salta entre ele, movendo-se com uma agilidade impressionante, quase flutuando. Um dos homens, com o maxilar travado e olhos arregalados, avança com um bastão eletrificado. Ele desfere um golpe com força, mas o ser o bloqueia sem esforço. Com um movimento rápido, ele gira o bastão e golpeia com força no estômago do homem, que solta um grunhido de dor. Seu rosto se contorce, os olhos se fecham, e ele cai de joelhos no chão. O ser empurra o homem que tomba de lado e começa a se mover para frente, já atento a dois homens que vêm em sua direção. Com uma determinação fria, ele se vira e os ataca com precisão; um soco rápido no rosto do primeiro, que sente o impacto como uma pedra, e um chute certo no segundo, que é arremessado para trás.
Com os ouvidos latejando e um fio de sangue escorrendo, o líder observa em choque, com o rosto pálido e os olhos arregalados, enquanto vários de seus homens caem, abatidos por aquela figura desconhecida. Ele recua, ofegante, pressionando as costas contra a lateral de uma das vans. Seu olhar vai de um lado a outro, desesperado, até que um de seus homens é lançado com brutalidade contra a van, desabando ao seu lado no chão. Instintivamente, o líder ergue os braços, protegendo a cabeça, sentindo a respiração pesada e o coração disparado. O ser se aproxima lentamente, cada passo ressoando como um prenúncio de morte. Em um movimento rápido, o líder retira um bastão do bolso e o segura com força, tremendo de medo, mas apontando-o na direção da figura sombria que avança, seus lábios se contraindo em uma mistura de medo e horror. - Monstro... Quem diabos é você?
O homem arregala os olhos ao ver o gerador preso na cintura do ser, o mesmo dispositivo que antes estava na mala de Sakaki. Em choque, ele deixa o bastão cair no chão e, de repente, começa a rir alto, uma risada solta e quase insana, como se tivesse ouvido a melhor piada de sua vida. Ainda encostado na van, ele se levanta com dificuldade, respirando fundo antes de murmurar, com um sorriso amargo. - Então... aquele velho, conseguiu mesmo...
O ser para por um momento, aciona três botões no gerador em sua cintura, e uma corrente elétrica percorre seu corpo, concentrando-se em sua perna. Ele ergue a perna com calma e precisão, enquanto o homem, tremendo, cruza os braços na frente do rosto, antecipando o golpe iminente. O chute é desferido com brutalidade, abrindo um buraco na lataria da van de trás dele. Em choque, o homem desaba no chão, paralisado pela força do impacto.
Dentro do galpão e do lado de fora, os homens ajudam seus companheiros caídos a se levantarem, arrastando-se para longe dali com dificuldade. No meio do caos, o bastão que o homem havia deixado cair dentro do galpão, produz uma centelha que rapidamente acende em poças de combustível espalhadas pelo local. Em questão de segundos, o fogo se espalha, até atingir um grande botijão de gás no canto do galpão. Uma explosão violenta ilumina a noite, criando um cenário caótico.
Contra as chamas, a figura de olhos vermelhos permanece imóvel por um instante, antes de desaparecer lentamente, como uma miragem sinistra no meio da destruição.
Haruka e Sakaki subiam as escadas lentamente, cada passo mais pesado que o outro. A moça carrega o professor quase sem forças, ele mal consegue se manter em pé. Quando finalmente chega na porta do apartamento de Saburo, Sakaki se encosta na parede, respirando fundo, e escorrega até se senta no chão. Haruka, senta ao lado dele, com o rosto visivelmente abatido. Por alguns segundos, nenhum dos dois diz nada, só ficam ali, em silêncio, tentando processar o peso do que acabou de acontecer.
- Ele... ele tinha família, professor? Pergunta Haruka, quebrando o silêncio, a voz quase em um sussurro e os olhos baixos.
- Acho que era órfão... O homem leva a mão ao rosto, esfregando os olhos cansados, antes de continuar. - Quero dizer, ele tinha uma amiga... ela veio aqui uma vez...
- Precisamos... Haruka morde os lábios, hesitante, mas tenta manter a calma. - Precisamos encontrar um jeito de avisá-la.
- Eu ainda não consigo acreditar que ele morreu, Srta. Saruhashi... e por minha causa. Diz o homem com a voz tremula, e o peso da culpa estampado em cada linha de seu rosto.
- Não foi culpa sua, professor! Haruka coloca uma mão no ombro do homem antes de continuar. - O senhor fez o que pôde naquele momento.
Após um breve silêncio, a garota se levanta, estendendo a mão para Sakaki. - Vamos... o senhor precisa descansar está noite.
Sakaki hesita, mas aceita a ajuda dela, levantando-se com dificuldade. Ele entra primeiro, seguido por Haruka, que fecha a porta atrás de si. Ela tateia a parede até encontrar o interruptor e acende a luz. Assim que a lâmpada ilumina o ambiente, ela para de repente, sentindo um cheiro picante, vindo da cozinha.
- Chegaram numa boa hora! Diz a voz familiar e descontraída vinda da cozinha. Haruka e Sakaki congelam, e seus olhos se arregalam instantaneamente. O choque é tão grande que ambos ficam sem palavras, apenas trocando olhares de puro espanto.
- O que foi? Parece que viram um fantasma. Brinca Kai, sorrindo e sentando no chão próximo à mesa, ele destaca os pauzinhos e começa a comer o Curry com Arroz como se nada tivesse acontecido. - Tá quente... quente... quente...
Sakaki e Haruka recuam, pressionando-se contra a parede, ainda incrédulos, o coração batendo acelerado. Os dois tentam processar o que estavam vendo, mas parece impossível. - Pro-Professor ~ Murmura Haruka, com a voz quase chorosa a Sakaki, que responde, incrédulo, sem tirar os olhos de Saburo.
- Eu sei, Haruka… eu sei...
EPISÓDIO 03
- CHEGA DE RECOMEÇOS -
ASSISTA A ENDING
CAST
Kento Yamazaki como Kai Saburo
Yu Aoi como Erika Saburo
Osamu Mukai como Shigeaki Hinohara
Ken Watanabe como Professor Sakaki
Hamabe Minami como Rena Matsuri
Tadanobu Asano como Akira Matsuri
Mayu Hotta como Haruka Saruhashi
Koichi Sato como Senhor Ikeda
Aoi Wakana como Mayumi Sonozaki
4 Comentários
Um episódio rico e detalhado, desenvolvendo muito bem os personagens, principalmente Kai Saburo, o protagonista.
ResponderExcluirO modo como ele lida com sua doença e suas interações com as pessoas próximas, é muito bem construído.
Temos a cena do cemitério e o contato espiritual com sua mãe, que foi emocionante, deixando-o aparentemente morto.
O processo de transformação em um Kamen Rider também foi muito bem descrito, trazendo muitos elementos da Era Showa.
Seu estilo é marcante!
Você está arrebentando!
Parabéns!
Olá, amigo! Fico muito feliz que tenha gostado! Se eu pudesse definir este episódio em uma palavra, seria 'Kai Saburo'. Fiz questão de deixar o Kai em destaque em todas as cenas, então você está absolutamente certo: este episódio é todo dele. Obrigado por conferir, e nos vemos no episódio quatro!
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ResponderExcluirHenrique, você conseguiu capturar algo raro e especial neste episódio. O arco de Kai Saburo não é apenas uma jornada de herói, mas um mergulho profundo nas emoções humanas. A forma como você aborda a luta interna dele, tanto contra sua doença quanto contra seus demônios pessoais, é brutalmente honesta e incrivelmente tocante.
A cena no cemitério foi um divisor de águas — um momento quase palpável de perda e reconexão espiritual. É raro ver uma narrativa que usa tão bem o sobrenatural para ampliar o peso emocional. Foi impossível não sentir o impacto do encontro com sua mãe e como isso moldou o Kai que vemos agora.
A transformação em Kamen Rider foi um espetáculo à parte. A evocação da Era Showa foi uma escolha genial, trazendo aquele tom clássico que mistura esperança e tragédia de forma magistral. Você fez com que o processo parecesse tanto um renascimento quanto um sacrifício, algo que poucos autores conseguem transmitir.
Você está criando algo grandioso aqui, algo que deixa marcas. Continue assim, porque o Matsuri já não é apenas uma história, é uma experiência. Parabéns por mais esse capítulo memorável!
Salve, Artur! Fiquei muito feliz que você conseguiu captar todos esses detalhes. Agora dá pra entender por que demoro tanto entre um episódio e outro, né? kkkk... Como comentei lá no comentario do Jirayrider, esse episódio é totalmente focado no Kai, então quis deixar ele presente em todas as cenas. Sempre penso nos personagens como se já existissem antes mesmo de eu escrevê-los, e por isso quis aprofundar algo que só tinha sido citado lá no primeiro episódio, que é o passado dele com a mãe. A Erika é uma verdadeira mãe, que faz de tudo pelo filho e sente muito orgulho dele, porque, pra ela, ele é a razão pela qual ela não desistiu. É uma personagem que adorei dar vida. Obrigado pelas palavras e por conferir, Artur, e nos vemos no episódio quatro!
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