Voo 6…
Olá, meus amigos!!!
Aqui estamos de novo com o Carcará-Negro, uma das minhas criações mais controversas. Nesse novo trecho o Carcará está vivendo a vida da personagem “Princesa”, que transferiu para ele suas memórias, através de seus dons paranormais de modo tão forte que ele as está vivendo como se fossem dele mesmo.
Esse trecho é uma continuação dos lançamentos voo do carcará 4 e 5, pertencente ao arco “Atos de Guerra”.
Carcará-Negro é mais um selo do universo “Horrorizando Comics”
LEITURA NÃO RECOMENDADA PARA MENORES E PESSOAS SENSÍVEIS, POIS CONTÉM VIOLÊNCIA E PALAVRÕES.
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Carcará-Negro
ATOS DE GUERRA 3
Pesadelo Vivo – Parte I
ANTERIORMENTE: Antes de iniciar uma investigação sobre uma garota a quem chama de “Princesa” a qual ele acredita ter sido vítima de abuso,o Carcará é surpreendido por uma projeção mental da garota, enfim revelando que ela tem poderes paranormais. A projeção insere na mente do Carcará memórias de sua vida, jogando-o em um pesadelo, onde ele é um menino de rua passando por tudo que Princesa passou.
Começa com a escuridão, tudo começa com a escuridão. Também não havia nenhum som. A paz era absoluta. Ouviu vozes.
— Você é uma noia de merda… Acha que tem alguma condição de ser mãe? Não seja ridícula…
— É seu filho também….
— Não joga esse B.O nas minhas costas… Todo mundo te comeu… Toma… Pega esse dinheiro e vai comprar suas porcarias… Gosto mais de você doidona… Você fica mais safada…
Sentiu uma tristeza profunda, esmagadora.
— Não se preocupe… A mamãe é toda errada, mas vai te amar muito…
Veio uma calma tão imensa que aplacou todas as dores. Estava seguro. A seguir tudo ficou confuso, estava em meio a um turbilhão de sensações e sentimentos terríveis. Frio, fome, medo, raiva, estava perturbado, começou a se debater…
— Calma… Eu estou aqui, a mamãe te ama… Eu vou te proteger…
Outra vez veio a calma. Quem era ela? Amava a tal “mamãe” com toda intensidade de seu ser, antes mesmo de vir à luz do mundo. E sentia que também era amado.
Chegou então o grande dia. Não queria sair. Tinha medo. Lutou o quanto pôde. O Frio, aquele maldito frio. Pela primeira vez emitiu som, tão alto quanto o desespero que o atormentava.
— Calma… A mamãe está aqui…
Pouco a pouco abriu os olhos e a viu pela primeira vez. Já conhecia aquela voz doce. Olhou atentamente aquele rosto moreno, magrelo, cabelo pixaim, sorrindo, derramando sobre ele um olhar castanho repleto do mais puro amor, encarando-o como se ele fosse a mais valiosa de todas as jóias. Pensou que era Deus. Adormeceu tranquilo…
O tempo passou acelerado. Se viu em um dia ensolarado correndo pelas ruas, embora com fome e um pouco de frio, seguia alegre, movendo o corpo pequeno e desnutrido com total liberdade, alheio aos olhares de desprezo dos que passavam ao redor.
— Bom dia, moço!!! - Deu seu melhor sorriso ao estranho.
Foi ignorado, recebendo tão somente um olhar de nojo e desconfiança do homem que fez questão de tirar a carteira do bolso de trás da calça e por no da frente, num gesto quase proposital para demonstrar o medo de ser furtado.
— Ninguém vai te roubar não, cara… Meu filho só foi educado com o senhor - Protestou a mãe que vinha logo atrás, malcriada da forma que precisava ser para sobreviver.
— Vai se foder… Sua macaca… Some da minha frente se não te arrebento toda… Diz que duvida pra você ver… - O homem encheu os olhos de ira, qual uma fera prestes a atacar sua presa, aguardando que ela fizesse um movimento qualquer.
— Já estou indo… Não quero confusão…
— Um lixo que nem você tinha que nascer lacrada pra não dar cria. Que condições você tem de ser mãe?
Mamãe nada respondeu, pegou-o pela mãozinha macia, e seguiu adiante.
Não conseguia entender o que tinha acontecido. Porque aquele homem estava com tanta raiva? Qual tinha sido seu erro? A mãe começou a chorar…
— Perdão, mamãe… Não chora… Não sei o que foi que eu fiz, mas não vou fazer de novo… Eu prometo.
Recebeu um beijo carinhoso na testa.
— Você não fez nada, filho. Aquele cara é que tem algum problema?
— Problema? Ele está doente, mamãe?
— Está sim… Ele não consegue amar, acha que é melhor que a gente. Por isso ele não nos respeita.
— Coitado… Será que tem cura?
— Sei não, filho… Bora caçar tesouro com a mamãe? Se a gente juntar muito, compro um lanche bem grandão pra você comer sozinho…
— Não, mamãe, a gente divide… Vou juntar tanto que vai dar até pra comprar refrigerante de laranja bem docinho…
A mãe voltou a sorrir. Ele voltou a correr alegre, cheio de entusiasmo, procurando de saco em saco de lixo tesouros para depois vender e encher a barriga. Começou a reparar nas pessoas. Ficou impressionado com a quantidade de gente doente caminhando pelas ruas. Quando se presta muita atenção é até fácil ver quem está precisando de algum remédio. Basta olhar no fundo dos olhos, eles vão estar com raiva de você, sem motivo algum.
— Tá olhando o quê, bicho imundo? - Um rapaz berrou.
— Nada, nada… desculpa… - se encolheu todo de medo.
— Espera aí, valentão… Deixa o menino em paz, ele não tá fazendo nada de errado…Você aqui é que é o imundo… Imundo na alma… - Uma senhora do outro lado da rua intercedeu.
O rapaz doente foi embora, falando alguns palavrões. Realmente estava muito ruim.
— Não liga para aquele idiota, menino. Você é lindão. - A senhora passou a mão no rosto dele. Tinha o olhar e o toque de sua mãe.
— Tudo bem, tia. Ele só está doente…
— Seu lindo… - A senhora deu-lhe um beijo na testa e partiu sorrindo. Realmente se parecia muito com a mãe dele.
Notou naquele momento que aquela senhora era saudável. Pensou que se ela não estivesse ali, como a mãe estava um pouco longe, o rapaz doente podia até ter batido nele. Iria tomar mais cuidado, haviam muitas pessoas doentes, e a doença as tornava perigosas. Que doença terrível era aquela e como podia ser tão contagiosa? Como será que pegava? Passou o resto do dia imerso nesses pensamentos.
A caça ao tesouro foi boa. Conseguiu comprar os dois lanches e o refrigerante. A mãe sorria enquanto pedia para ele comer devagar. Sentados ali na calçada, assistiram ao pôr do sol abraçados na mais absoluta paz.
Já era noite quando voltaram ao lar, um barraco de dois cômodos, cozinha e dormitório sem banheiro. Apesar de simples era bem organizado. Não tinham eletricidade, apenas um rádio a pilha quebrava a monotonia, que tinha também a função de ser o brinquedo mais divertido que já tivera. Havia acabado de achar uma estação de música sertaneja para embalar o seu sono e do mãe, quando um homem grande, muito, mas muito doente, pôs a porta do barraco abaixo.
— Cadê o aluguel, sua puta do caralho?
— Fica calmo… Eu só tenho uma parte… O resto usei pra comprar comida… - A mãe respondeu trêmula.
— Moço, não faz isso… Você não tá bem… Pode ficar com meu rádio… Ele é incrível… O som dele é bem alto… Ouve um pouco de música que você vai ficar bom… - Ofereceu seu bem mais precioso como se fizesse uma oferenda a um deus.
— Enfia essa porra no seu cú, moleque do caralho… - O homem doente deu um tapa no pequeno rádio que se espatifou no chão. Começou a chorar.
— Deixa o meu filho em paz!!!
— Se não você vai fazer o que? Me diz o que uma coitada como você pode fazer? Ou você me paga, ou vou levar esse moleque aqui pra fazer uns trabalhinhos pra mim.
— Não… Eu te pago de outro jeito…
— Gostei da conversa… Aí pode ser…
— Filho, vai brincar um pouco lá fora… Depois damos um jeito no seu rádio…
— Mas tá escuro…
— Vai logo… Empata foda!!! Fica lá naquele beco até eu sair, se não te faço engolir as peças dessa merda de rádio e você vai tocar música pelo cú…
Ficou escondido de longe, aguardando o homem doente sair. Não demorou muito.
— Quem diria… Você é uma delícia… Tem um pessoal aí que vai gostar de saber… - Disse o homem ao sair.
Entrou no barraco devagarzinho, meio assustado. A mãe estava deitada no chão, olhar distante, repleto de tristeza.
— O que foi, mamãe? O homem doente machucou você?
Ela apenas o abraçou…
No dia seguinte deixaram aquele lugar. Conheceu então o frio das ruas, todas as noites se perguntando se o homem doente que havia machucado sua mãe os acharia. Pela primeira vez sentiu o coração ficar cheio de ódio. Queria muito machucar aquele homem, fazê-lo chorar como havia feito sua mãe chorar. Não… Ele iria chorar muito mais… Se deu conta que também estava ficando doente…
Ficou com medo de si mesmo. E se a tal doença levasse à morte? Não queria morrer. Queria ficar ao lado da mãe, o único que ser que o amava. E mesmo com todas aquelas dificuldades, conseguia extrair um pouco de felicidade.
O tempo passou um pouco mais. Estava um pouco maior. Sentia-se viajado, afinal de contas ele e a mãe rodavam a cidade, nunca ficando no mesmo lugar. Ficava ansioso pela próxima aventura. A simplicidade de sua mente lhe permitia extrair felicidade mesmo em meio aquelas condições de vida tão deploráveis.
Muitas vezes, acordava à noite e olhava a mãe dormindo, acariciava-lhe o rosto e depois a abraçava, voltando a dormir em paz, sem notar que estavam ao relento.
Veio então a derradeira noite… O cair dos inocentes no pior dos infernos que almas humanas deturpadas podem gerar…
Continua…
Capas alternativas
7 Comentários
Um retrato cru e, infelizmente, muito real sobre as pessoas que, sem condição, chance ou escolha acabam tendo vidas tão repletas de dor e tristeza.
ResponderExcluirO lance do menino, de associar a raiva e preconceito a uma doença, foi uma excelente sacada.
Agora vamos ver como essa experiência vai influenciar o Carcará.
Parabéns pelo excelente texto.
Obrigado, meu amigo... Quem sabe não conseguimos tocar as pessoas certas pra esse mundo mudar...
ResponderExcluirGrande Jeremias!
ResponderExcluirEstou impactado!
Texto arrebatador... chocante!
Um soco no estômago.
A mistura de realidade e ficção foi narrada de modo soberbo juntando uma certa poesia narrativa com a realidade nua e crua da pobreza...
Do choro dos excluídos...
Da violência...
Dos abusos...
Que crítica social foi essa amigo?
Ficou perfeita, colocar isso como as lembranças da garota paranormal transportadas para a mente do Carcará, que reviveu tudo aquilo,desde o nascimento...
Que sacada!
Cara! Foi o seu episódio mais impactante.E olha que os anteriores já tinham me impactado.
Unir os conceitos de maldade com doença foi outra coisa muito vem conduzida.
Aplaudo de pé!
Muito obrigado, meu amigo... O Carcará é na verdade um tipo de desabafo...
ExcluirBom,
ResponderExcluirFaço minhas as palavras do Jirayrider.
Você, além da pegada do suspense e terror, consegue unir isso com ficção e realidade como poucos.
Essa crítica social é do cacete. Nosso país é tremendamente injusto e as pessoas só querem ver as outras mais e mais pobres... Terrível... E fecham os olhos para essa dor.
Na marra, você fez o Carcará enxergar o fato!
Uma forte porrada!
Aplaudindo de pé! Maravilhoso!
Valeu... Vivemos em país onde gente pobre é invisível... Fico muito triste com isso...
ResponderExcluirOpa... Muito obrigado... Eu mesmo senti nojo da parte sexual... Queria muito pensar que isso só ocorre na ficção...
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