10. Operação Teleguiado
Depois de todos os equipamentos neutralizados, a equipe Alfa
partiu em direção aos inimigos que continuavam a ser rastreados aparentemente
sem saber que estavam, pois continuavam em frente à toda velocidade. A equipe
partia com todo cuidado, afinal, daquele ponto para frente eles não conheciam o
caminho, haviam deixado o território que conheciam por tanto tempo.
Arisa, de seu ponto de vista privilegiado, acompanhava o seu
‘rapto’ em tempo real. O local continuava bastante escuro, e ela se guiava
muito pelos sons e movimentos bruscos realizados por seus ‘raptores’.
Foi quando tudo clareou, Arisa teve de se acostumar
rapidamente com todo aquele momento de cegueira, a imagem seguinte a impressionou...
Era uma espécie de hangar subterrâneo, com portas de metal na parte de cima,
várias aeronaves preparadas para o voo, e dentro delas, era possível ver várias
pessoas com olhares amedrontados, esperando o que poderia acontecer a elas
devido ao próprio cenário.
Pessoas corriam de um lado para outro, preparando algo que
ela sequer fazia ideia, mas a atmosfera do lugar lhe dava a leitura de um possível
levantar voo de uma esquadra. Afinal de contas, aeronaves de todos os tamanhos,
tipos e pilotos estavam sendo preparadas ao mesmo tempo.
A robô era levada para a maior de todas as naves, onde
provavelmente estava concentrada grande parte dos técnicos que haviam sido
levados da feira. Talvez ela descobrisse o intuito daquele grupo ao levar
tantas pessoas que sabiam manipular tanto a tecnologia a seu favor. Talvez ela
não gostasse do que descobriria.
Ela já estava angustiada. Mesmo estando protegida no
escritório administrativo de Keisuke, com uma guarda enorme a seu favor, e
estando dentro de um robô para acompanhar todo o plano montado por ela, o
sentimento de que algo de muito errado poderia acontecer era pungente, era
quase palpável.
Quando ela foi gentilmente colocada em uma cadeira ao lado
de outras meninas, um homem alto, de porte atlético, ostentando vestes que não
deixavam a mostra sequer um centímetro de pele ou pelo. E, quando ele começou a
falar, era fácil entender que ele utilizava um aparelho que distorcia sua voz o
suficiente apenas para que não fosse reconhecido.
Talvez fosse uma pessoa famosa naquele mundo. O que ela
tentava fazer ao sequestrar tantos técnicos, mas com certeza, segundo aquele
sentimento de algo de muito errado aconteceria, não era para nada bom que eles
faziam isso.
- ... E assim trouxemos vocês em nossa custódia, esperando
que vocês possam fazer a diferença por este mundo, voluntariamente ou de outra
maneira. Espero que, mesmo com o começo ruim, possamos concordar de maneira
mais agradável o possível.
Uma leve risada amarela foi colocada ao final do discurso –
detalhe esse que não passou despercebido por Arisa. Depois que o ‘líder’ saiu
da sala onde estavam todas aquelas técnicas, Arisa começou a olhar ao redor.
Todas reagiam diferentes ao que acontecia. Umas choravam baixinho, outras
desesperavam-se a olhos vistos sem emitir um único som, outras berravam por
socorro, mesmo que ninguém passível de realizar o resgate pudesse ouvir... A
cacofonia entre murmúrios, gritos e um silêncio sepulcral era algo
ensurdecedor.
Foi quando, no escritório, Arisa virou-se para Keisuke...
- Tem certeza de que este robô que estou controlando não
pode fazer nada a respeito dos raptados?
- Absoluta, Arisa. Ele foi projetado conforme suas próprias
habilidades. A não ser que você saiba combater e esteve me escondendo este
tempo todo que pode fazê-lo, você não poderá fazer nada a respeito.
A menina aceitou a situação, mas ainda assim, inconformada. Ela não era uma combatente, e iniciar um motim
só porque se sentia propelida a tanto estragaria toda a operação, montada por
ela com tanto esmero e executada pela equipe de Keisuke com tanto afinco.
Mas isso não diminuía sua ansiedade, muito pelo contrário,
só fazia com que ela ficasse maior.
Enquanto isso, a equipe Alfa seguia com cuidado pelo caminho
deixado pelos raptores da robô, e quando chegaram próximos à entrada do hangar,
eles aproveitaram e, com seus equipamentos de detecção, mandaram ao escritório
a localização GPS do lugar. E foi quando a equipe Bravo pôde começar a se
preparar para agir.
Para não denunciar sua posição, o sinal foi mandado apenas
uma vez e memorizado no computador de destino. A equipe Alfa estava pronta para
poder mandar outro pulso caso a localização daquele grupo mudasse ao longo do
tempo.
A equipe Bravo, no aeroporto da Aeronáutica de Crecentia, já
preparava um avião de passageiros bastante grande para comportar todos os
técnicos apenas de uma vez. Era um tamanho reduzido do que era conhecido aqui
na Terra por um Jumbo Jet da Boeing modelo 747, mas ainda assim cabia
facilmente centenas de pessoas, e seria escoltado por jatos de combate de uma
linha similares aos Caça F14 Tomcat.
Os preparativos para o combate aéreo estavam em sua etapa
final, os pilotos já aguardavam pelo sinal para decolar, alguns para entrar em
combate direto, bloqueando a decolagem de qualquer aeronave que teimasse em
levar os técnicos para longe, e outras para escoltar o avião de passageiros que
os traria para o hangar, e em seguida, para a feira, os deixando livres.
E finalmente o sinal veio. Enfim, correria começou. Os
pilotos dos caças de ataque já decolavam, enquanto os de escolta já se
preparavam para decolar junto com o Jumbo que traria todos os técnicos de
volta. Após no máximo 30 minutos, todas as aeronaves estavam voando em direção
à base.
A menina acompanhava a tudo pelo som do monitor da mesa de
Keisuke. Era incrível saber de quantas pessoas ele cuidava naquela operação.
Foi quando Arisa percebeu... O promotor da feira não era apenas um promotor bem-quisto
naquela sociedade... Era um guerreiro, já condecorado por suas honras de
bravura, e que usava apenas uma fachada para agir. Para que ele precisava de
tal fachada? Arisa não fazia a menor ideia, mas não cabia a ela saber e nem
perguntar. Se um dia ele quisesse contar, seria bom saber.
“Acho que esse tipo de pessoa se ofende fácil, melhor não
mexer com ele”, pensou a jovem técnica consigo mesma.
Passou a acompanhar o andamento da base inimiga, com sua
visão privilegiada. Naquele momento, todos os agentes trabalhavam tranquilos,
pra agora sim estavam em posse de todos os técnicos do continente.
Está última informação Arisa recebeu de um guarda que
cuidava das celas dos cativos, e que deixou escapar. Claro, a captação de som
bem calibrada da robô valia para isso, era um artigo de espionagem e Arisa o
pilotava naquele momento. Logo comentou com Keisuke, e este ficou curioso.
- Logo logo descobriremos o que fez esses crápulas a
sequestrar tanta gente assim. Os que os ajudaram aqui na feira já foram presos,
falta apenas desmantelar essa operação toda.
Ele falava como se fosse fácil demais. Ele havia orientado
seus comandos, da mesma maneira que um Coronel ou um Major poderia ter feito.
Cada vez ela estava curiosa em saber quem ele era naquele mundo... Mas ela se
segurou. Se aquela operação já chegava naquele patamar, ele somente poderia ser
um figurão.
Logo Arisa pôde ouvir que determinado alarme havia sido
soado. E não era um qualquer. O sistema da robô determinava que era relacionado
a ataque externo.
- Ora... Já chegamos na base deles! Vamos acompanhar de
camarote como eles vão reagir, se em ordem ou desesperadamente.
O tom com que Keisuke falava era de alguém que já havia
acompanhado diversas batalhas, e, aos poucos, ela foi compreendendo com quem
ela tratava. Faltavam apenas os detalhes, que aparentemente ela saberia no
momento propício.
Logo as primeiras explosões puderam ser ouvidas. Algumas
fizeram as cabines onde estavam balançar como se fossem desmoronar, outras como
se fossem longe demais, mas ainda assim sensíveis ao tato e à audição.
E, não muito tempo depois, as explosões aumentaram em
quantidade. Era como se uma bateria de fogos de artifício houvesse começado,
mas as meninas estavam dentro desta.
Algumas das companheiras de cabine de ‘Arisa’ começaram a se
desesperar, achando que fossem morrer naquele exato momento. Mas a menina,
mesmo no controle daquela ferramenta de espionagem, poderia fazer com que elas
ficassem calmas.
- Meninas, tenham calma. O barulho que vocês estão ouvindo
são o exército deste país vindo resgatar vocês.
- E como você sabe disso, menina? – Perguntou uma das mais
velhas.
Arisa chegou perto do ouvido dela e, sussurrando, lhe contou
toda a verdade, como tinha começado e como Keisuke pretendia que terminasse.
- Mas e os prisioneiros das câmaras mais baixas? Estes foram
raptados bem antes de vocês da feira, há anos que eles estão lá.
- E como você sabe isso? Perguntou Arisa à jovem que
disparara aquela afirmação.
- Meu noivo está entre eles. Nós atendíamos como um casal,
mas ele foi levado. Depois de tanto tempo eu resolvi investigar por conta
própria, mas acabei raptada eu mesma também. Só espero que ele esteja vivo.
E a menina que conversava com Arisa começou a chorar... Ela
sentia falta do noivo.
- Não se preocupe. Todos os que quiserem ser libertos aqui hoje,
aqui eles serão.
A jovem sentiu a firmeza na voz de Arisa e, mesmo com o
rosto úmido com as lágrimas, se acalmou e ajudou a acalmar as demais. Keisuke
viu o que Arisa havia feito e entendeu o senso de dever dela e não se furtou a
sorrir. Mesmo não sendo uma combatente, ela fazia tudo ao alcance dela para
ajudar.
Quando a última técnica se acalmou, o silêncio se fez
presente. O tiroteio havia cessado. Era possível apenas ouvir o vento que
passava pelas grades impostas nas janelas. Esse silêncio se manteve por horas.
Enquanto o silêncio claramente corroía a mente das mulheres
presas, Arisa ouvia a comunicação por rádio das equipes de Keisuke -Alfa havia
se infiltrado e neutralizado os inimigos em terra lentamente; Beta havia
neutralizado as aeronaves de combate do inimigo e Gama havia neutralizado os
pilotos das aeronaves que seriam utilizadas para mover os técnicos de lugar.
Mas havia outra equipe, a Delta. Essa equipe era a
responsável por invadir as celas onde os técnicos estavam presos e libertá-los,
dando total suporte para sua recuperação. E Arisa descobriu alguns membros
dessa equipe quando eles vieram resgatar a todas que estavam presas.
Algumas estavam aliviadas, outras, preocupadas, afinal de
contas, outras pessoas queridas também tinham sido sequestradas. Mas, quando
todos os técnicos foram sendo reunidos do lado de fora da base, os parentes e
casais se reencontraram. Muitas cenas emocionantes puderam ser vistas naquele
momento.
Arisa ficou observando tudo aquilo até que Keisuke pediu que
ela desligasse o sistema de transmissão, fazendo com que a robô fosse desligada.
Aos poucos, todos os técnicos sequestrados receberam os primeiros socorros e
foram gentilmente levados às aeronaves de evacuação – sim, no plural, porque o
número de técnicos sequestrados superava, e muito, o que a pequena Jumbo comportava.
Tomando as naves dos inimigos para si, a tropa aeronáutica de
Crecentia foi levantando voo e retornando à sua base, e depois do devido
tratamento médico aos feridos e traumatizados, o que levou duas semanas
inteiras, finalmente os técnicos voltaram ao local da feira, que já havia
acabado.
Keisuke se preparava para discursar para os técnicos e trouxe
Arisa consigo. A menina estava muito envergonhada, pois já tinha certeza do que
ele faria.
Quando ele subiu ao palco, sendo anunciado como o Brigadeiro,
o chefe máximo da aeronáutica de Crecentia – e Arisa entendeu que tudo o que
ela suspeitava tinha fundamento – estava ali para saudá-los.
Todos entenderam que ele, além de ser o diretor da feira,
era o responsável pelo resgate massivo ocorrido, sem baixas. O discurso de
Keisuke era para enaltecer os guerreiros que fizeram todo o trabalho pesado.
Foi nomeando cada equipe que participou e nomeou seus líderes. A cada líder
citado, houve uma ovação por parte de sua equipe e de todos os resgatados.
Quando terminou de falar de todos os líderes, todos pensaram
que o discurso havia acabado, inclusive Arisa.
- Calma, pessoal. Ainda não acabei. Ainda há alguém que eu
não agradeci, e é o nome mais importante desta operação. Foi ela quem montou
todo o esqueleto do plano, onde eu apenas coloquei a estratégia e os recursos.
Quero agradecer publicamente a você, Arisa. Sua coragem, seu senso de dever é
de alguém pertencente às forças armadas, mesmo que não tenha treinamento de combate.
Quis arriscar sua vida pelos outros, e mesmo distante, fez com que toda a
localização da operação fosse possível. Você os entende mais do que ninguém, sendo
a técnica mais nova desta feira, e mesmo sendo uma deles, não se apresentou em
uma tenda própria, sendo humilde para entender que poderia aprender mais do que
qualquer um.
No momento seguinte, Arisa foi ovacionada por todos, sem
exceção, até mesmo por Keisuke que estava discursando até àquele momento. A
garota chorou de felicidade... Pôde ajudar a salvar a todos. Aquele dia estava
gravado em sua memória e em sua retina com o fogo da vida.
2 Comentários
Tão bem elaborada quanto foi a bem sucedida estratégia de libertação dos técnicos presos por uma organização criminosa de Crescentia,foi o modo com a qual você escreveu esse capítulo, prezado Jorge.
ResponderExcluirÉ possível sentir a sua emoção em cada termo, em cada palavra disposta no texto.
Na verdade, os olhos e os sentimentos de Arisa eram os seus e isso ficou claro pra mim.
Salvar vidas, nao importa de que forma seja, é a grande lição que fica.
Aplaudo de pé!
Você está numa fase muito inspirada e produtiva!
Inspirada e produtiva, com toda a certeza. Obrigado por acompanhar, isso já um combustível enorme pra mim. Obrigado de verdade.
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