Capítulo III - Atores vemos, costumes não sabemos (parte II)
Com o tempo, contrariando as expectativas do casal, a
barriga de Astrid cresceu mais que o normal, e o ganho de peso também foi acima
do normal para uma gestante. Enjoos e vômitos típicos de gravidez a acometem
periodicamente. Logo, e lembrando-se também da visão com as estrelas da Ursa
Maior meses antes, concluiu-se que o jovem casal estava esperando não um, mas
dois filhos gêmeos. Após muito pensar, as duas crianças vindouras ganharão os
nomes de Shido e Bado.
Para os filhos vindouros, Harald encomendou duas adagas ao
eminente ferreiro Vidkun Erikson, o principal e mais requisitado de toda Asgard.
A fama dele é tal que em Asgard pessoas das mais variadas posições sociais
requisitam seus serviços, desde cidadãos comuns até nobres e família real.
Harald e Astrid apresentam a proposta deles a Vidkun, como
que eles querem as adagas e o desenho delas. Vidkun diz ao casal que dentro de
alguns dias eles terão duas obras de arte em mãos.
Dito e feito. No dia e horário combinado com o ferreiro,
cliente de longa data dos von Bygul e amigo pessoal do próprio Harald, o casal
volta a oficina de Vidkun para buscar as adagas.
Diante da presença do casal von Bygul, Vidkun, sem rodeios
mostra as adagas. E ao verem as adagas Harald e Astrid ficam encantados. “Mas
elas ficaram... magníficas!”, diz Astrid ao vê-las e olhar em primeira mão para
as laminas reluzentes das adagas. “Como você mesmo prometeu, são realmente
obras de arte, Vidkun. Você é realmente o maior ferreiro de toda Asgard”, diz
Harald, segurando uma das adagas em mãos.
Vidkun conta que as adagas deram um pouco de trabalho para
serem forjadas, mas que o resultado foi bem compensador. “É para isso que me
dedico de corpo e alma ao que eu faço como ferreiro”, responde Vidkun.
O acerto entre o casal e Vidkun é feito. Vidkun recebe em
mãos o pagamento em moedas de ouro e prata, e os von Bygul em troca recebem as
adagas. Mas antes que Harald e Astrid voltem à residência deles com as adagas
em mãos, Vidkun chama o primeiro para uma conversa de amigos.
Vidkun sabe de antemão que Harald e Astrid terão gêmeos. Ele
pergunta a Harald sobre os filhos, o que irá fazer com eles. “Não que eu
concorde com a lei, mas você sabe, lei é lei e devemos obedecê-las”, diz
Vidkun. “Você sabe muito bem que pelas leis de Asgard um casal que tem filhos
gêmeos só pode ficar com um deles, e o rejeitado deve ser abandonado pela
família”.
Ao ser indagado a esse respeito, Harald, após muito hesitar
e com a voz um tanto quanto embargada, responde que ele mesmo irá cuidar do
assunto pessoalmente.
Harald está em um dilema. Por um lado, ele não quer
abandonar uma das crianças. Quer ter as duas ao lado dele e de sua família, criá-las
e educá-las como seus legítimos filhos. Mas, por outro, ele sabe sobre a lei em
Asgard sobre gêmeos e as sanções que ela prevê. E isso vale tanto para o
cidadão comum quanto para os mais ricos aristocratas de Asgard.
Vidkun propõe-se a cuidar ele mesmo de uma das crianças, mas
Harald não aceita a proposta para evitar que as sanções previstas pela lei
sobrem para o lado dele. “Deixe que eu mesmo cuido disso”, diz Harald.
Vidkun também propõe ao amigo mudar-se para Vanaheim, ou
talvez para a Noruega, visto que tanto em um quanto no outro não há tal lei.
Mas ele se recusa, visto que ele tem toda a vida dele em Asgard e não deseja
recomeçar sua vida do zero em outra nação. E nunca que ele iria à Noruega e ter
de abandonar Odin e os deuses do panteão nórdico em favor do Deus único
cristão. Harald ainda lembra sobre o ancestral dele que veio a Asgard no século
XI fugindo de perseguições religiosas na Noruega. “Me batizar como cristão,
jamais!”, ele concluiu. E assim a conversa entre amigos termina.
As adagas, com lâminas de formato curvado que lembram dentes
caninos de grandes felinos, foram ricamente adornadas e com os nomes das
crianças vindouras grafados nelas, no alfabeto rúnico usado em Asgard até os
dias hodiernos.
É final de outono, praticamente inverno. O tempo esfria. A
neve já cobre o solo asgardiano e o sol já não pode mais ser visto no
horizonte. Os ursos começam a se recolher a suas tocas para hibernar e dentro
de alguns dias a temporada de nevascas e auroras boreais começará.
Como previsto pelo próprio casal e por seus criados (babá
incluso), a senhora von Bygul, aos oito meses de gestação, deu a luz não a um,
mas a dois filhos gêmeos. Shido e Bado
enfim nasceram, após um parto muito cansativo para Astrid.
Após o nascimento das crianças, Harald foi lembrado pelos
criados sobre o fato de que pelas leis de Asgard um dos filhos terá de ser
abandonado. Assim sendo, eles só podem ficar com um deles. Caso contrário,
Harald e sua família podem ser desterrados de Asgard e perder todas as suas
propriedades e patrimônio. Também existe a possibilidade de ele ser executado
nas masmorras do palácio Valhalla, por desagravo à lei asgardiana.
Harald e Astrid em um primeiro momento não sabem o que
fazer. Se devem ficar com os dois filhos e encarar as sanções previstas por
lei. Ou se abandonam um deles no meio da floresta e a espada da lei não irá
incomodá-los com todo o seu rigor. Recomeçar do zero a vida em outro país não
está nos planos deles, definitivamente.
Após muito pensar e refletir, Harald, com dor no coração,
decidiu pela segunda opção. Abandonar uma das crianças e ficar com uma delas,
ao mesmo tempo em que não enfrentará as sanções previstas pela lei. Ele mesmo
se lembrou de um caso mais antigo, o do nobre Gunnar Olafsen jarl von Irmin,
que nos anos 1940 teve filhos gêmeos, resolveu desafiar a lei e pagou com a
vida por isso. Ele foi executado em praça pública, como forma de enviar um
recado a todo aquele que resolva fazer o mesmo que ele fez.
Após muito pensar e com dor no coração, Harald e Astrid
decidem ficar com Shido ao passo que irão abandonar Bado a própria sorte. Eles
não querem ter o destino que o infeliz Gunnar teve, assim como outros que ousaram
fazer o mesmo antes dele.
Shido foi o escolhido e Bado o rejeitado. Assim sendo, Shido
é aquele que ficou ao lado dos aconchegantes braços da mãe e cresceu sob os
cuidados da família de nascença. Já Bado, por seu turno, não teve a mesma
sorte. Foi colocado para morrer, em um dia congelante e com nevasca, dentro de
um berço e com a adaga na qual seu nome foi grafado ao lado, próximo a uma
árvore.
1 Comentários
Leis absurdas geram situações dramáticas como essa .
ResponderExcluirEu não saberia como agir se tivesse que fazer uma escolha tão cruel quanto essa.
Escolher um filho e rejeitar o outro , relegando à própria sorte é algo terrível.
Dessa forma, o rejeitado Bado só tem a Alkor para protegê-lo.
Ficou tensão a coisa.