Capítulo X - Balrog, o búfalo das pradarias: eu serei o campeão!
No mundo do
boxe, havia um boxeador chamado Balrog. Seu nome remete a uma criatura, descrita
pelo escritor sul-africano J. R. R. Tolkien (1892 – 1973) em obras como “Senhor
dos Anéis”, que ele adotou tão logo entrou para a modalidade esportiva. Segundo
a mitologia de Tolkien, os balrogs são poderosos monstros feiticeiros da Terra
Média, criaturas altas e ameaçadores que podem se envolver em fogo, escuridão e
sombra, armadas com chicotes de fogo e por vezes também com espadas longas.
Balrog é pela
via paterna descendente de um homem que viveu no século XVIII chamado Akin. Nascido
na atual Nigéria, no seio do povo iorubá, ele viveu em uma aldeia no curso do
rio Níger situada na zona de transição entre a floresta equatorial
centro-africana ao sul e as savanas ao norte. Até que por volta de 1730 foi
capturado por uma expedição militar organizada e conduzida pelo chefe haussá
Kwame de Timbuktu em pessoa.
Os homens de
Kwame de Timbutku fizeram uma limpa geral na aldeia onde ele vivia com sua família
e outras pessoas de seu povo. E, uma vez capturados, muitos dos cativos foram
enviados aos portos mais próximos, nos quais foram vendidos a europeus, que por
sua vez os enviaram a portos e plantações americanas. Uma vez do outro lado do
Atlântico, eles passaram a trabalhar nas plantações de açúcar, algodão, tabaco
e outras culturas das colônias europeias nas Américas.
Com ele não
foi diferente. Ele foi vendido como escravo no porto de Cristiansborg, a
capital da Costa do Ouro dinamarquesa, e lá separado de sua família. Ele, junto
com outros escravos, foi comprado por um comerciante dinamarquês que o enviou
ao Caribe.
Depois de uma
passagem pelo Caribe, mais precisamente pela Jamaica, ele foi comprado por um
comerciante inglês baseado na Virgínia (sul dos Estados Unidos) junto com
outros escravos. Foi assim que um dos ramos da linhagem de Balrog entrou nos
Estados Unidos e lá se estabeleceu. Trabalhando nas plantações de algodão da
Virgínia, debaixo de duras condições.
Os anos foram
se passando e os ancestrais de Balrog por muita coisa passaram. Viram as 13
colônias se tornarem independentes da Inglaterra e formarem os Estados Unidos
da América, os Estados Unidos enfrentarem novamente a Inglaterra na guerra de
1812, a guerra de Secessão (1861 – 1865) do governo Lincoln, a abolição da
escravidão negra ao fim da mesma, a expansão dos EUA para o Oeste, o período da
Reconstrução (1865 – 1877), a promulgação das leis de Jim Crow entre o fim do
século XIX e o começo do século XX, a grande migração para o norte (1916 –
1970), as duas guerras mundiais, o movimento pelos direitos civis, a abolição
das leis de Jim Crow, o sucesso de bandas afro-americanas como o Jackson Five e
de cantores afro-americanos como Michael Jackson, Isaac Hayes e tantos outros.
Até que enfim
chegamos aos dias atuais. Desde tenra idade, Balrog sentiu na pele as mazelas
do racismo norte-americano. Ele nasceu no sul dos Estados Unidos, mais
precisamente em Atlanta no estado da Geórgia. Em seus primeiros anos de vida,
ainda vigorava no local onde ele nasceu e viveu os primeiros anos de vida as
leis de Jim Crow.
As leis de
Jim Crow foram uma série de leis que foi colocada em vigor nos estados do sul
dos Estados Unidos a nível estatal e local entre o fim do século XIX e o começo
do século XX por legislaturas do Partido Democrata na sequência do período da
Reconstrução.
Entre outras
coisas, as leis de Jim Crow previam que brancos e negros deveriam utilizar
instalações separadas em todos os locais públicos do sul dos Estados Unidos,
que durante a Guerra de Secessão fizeram parte da Confederação. Dessa forma, o
negro não poderia frequentar os mesmos espaços que o branco, e vice-versa, com
os espaços do negro sendo de pior qualidade. “Separados, mas iguais”, esse era
o lema das leis de Jim Crow, que vigoraram nos Estados Unidos entre 1877 a
1964.
Depois que as
leis de Jim Crow foram abolidas durante o movimento liderado pelo reverendo
Martin Luther King (1929 – 1968), a vida já precária da família na qual Balrog
nasceu pouco ou nada melhorou. Continuou enfrentando o flagelo do racismo mesmo
assim. Afinal, uma coisa dessas não some de uma hora para outro.
O futuro
boxeador nasceu em uma família pobre. O pai de Balrog, que esteve junto com
Martin Luther King na marcha a Washington em 1963 e também participou de
protestos contra a guerra do Vietnã, foi preso quando ele tinha três anos de
idade por conta de suposto porte de droga da parte dele e pouco tempo mais
tarde morreu na cadeira elétrica (sobre o qual pairam muitas dúvidas – há quem
acredite que isso tenha sido uma armação da polícia), a mãe dele passou a
cria-lo sozinha.
Diante das
dificuldades que a vida lhe impôs desde tenra idade, Balrog resolveu entrar
para um esporte que ele gosta muito, o boxe. Uma vez no boxe, Balrog se dedicou
muito à modalidade esportiva, e em pouco tempo mostrou-se um prodígio. Foi
questão de tempo ele se tornar um atleta profissional.
E há um
animal que ele gosta muito e com o qual ele se identifica muito: o bisão
americano (Bison bison). Um animal
forte e poderoso, que pode chegar a pesar mais de 800 quilos. O bisão, também
chamado de búfalo nos Estados Unidos, é um verdadeiro senhor das pradarias
norte-americanas, e de alguma maneira logrou sobreviver ao fim da Idade do
Gelo, ao contrário de outros gigantes daquela época como o mamute lanudo, o
rinoceronte peludo, o leão das cavernas, o urso de cara achatada, o elasmotherium, o alce gigante, o
megatério, o mastodonte e tantos outros. Balrog desenvolveu movimentos de
ataque baseados nos movimentos dos bisões, entre eles as arremetidas com os
punhos e as cabeçadas.
Em pouco
tempo, Balrog emergiu como um dos grandes campeões de boxe, respeito e temido
por todos os adversários que o encaravam no ringue. Enfrentou famosos
boxeadores, como Muhammad Ali, Evander Holyfield e tantos outros, nos ringues
da cidade de Las Vegas. E ainda tinha como alcunha “o rei do ringue”. Ganhou
muito dinheiro em seus dias de glória, e para ele o dinheiro passou a ser a
coisa mais importante no mundo, mais até que a glória. Mas, como diz o famoso
ditado, alegria de pobre dura pouco.
Para Balrog,
vencer os adversários no ringue era como se ele estivesse se redimindo de tudo
o que passou na infância. A hora da desforra enfim chegou. Como se ele fosse um
vulcão que ficou durante muito tempo inativo e que depois de muito tempo enfim
voltou a expelir lava.
A despeito de
sua habilidade, agilidade e força, ele com o tempo manifestou nos ringues um
comportamento muito cruel e desleal com seus adversários, resquício dos dias violentos
nas ruas de Atlanta. A tal ponto que ele teve de ser banido do esporte por
ferir de forma permanente e acidentalmente matar um deles, assim como manobras
ilegais como a cabeçada.
E, como não
poderia deixar de ser, a imprensa marrom fez muito carnaval com os casos
envolvendo Balrog, enfatizando a violência e a crueldade dele. “Como pode ele
ser tão cruel e desumano?!”, um desses tabloides que o estampou na capa se
perguntou. Até criaram um apelido “carinhoso” a ele: “Wacko Maccacco” (algo
como “macaco maluco”). Por conta disso, Balrog passou a detestar tabloides. Que
segundo ele só sabem mentir sobre ele.
Andando pelo
submundo dos cortiços de Las Vegas, sem perspectiva de melhorar de vida e
correndo sério risco de ser preso por tudo o que fez nos ringues, ele é
abordado por um homem que veste farda vermelha, capa e quepe vermelho. Ele é
ninguém menos que Bison.
Bison, tendo
prévio conhecimento da situação desesperadora do boxeador, propõe que ele se
torne membro da Shadaloo como um dos principais executores dele. E que junto
dele Balrog. Após muito pensar e de início resistir aos apelos do demônio
fardado, no fim das contas Balrog se torna mais um dos reis celestiais da
Shadaloo.
Como o
personagem literário que lhe dá nome, o antigo rei do ringue se envolveu nas
sombras e na escuridão para poder recuperar todo o prestígio, a glória e o
dinheiro que outrora ele desfrutou. Como o bisão americano, que um dia foi o
senhor das pradarias e florestas norte-americanas. Por volta de 1800, cerca de
60 milhões viviam entre o Canadá e o norte do México. Mas devido à destruição
de seu habitat e da caça excessiva no século XIX foi levado às portas da
extinção, a ponto de em 1889 só 541 indivíduos restar. Um senhor caído que
tombou ante a marcha do progresso humano.
Grande ironia do destino: um ancestral de Balrog do século XVIII teve sua vida arruinada por conta das ações de uma encarnação pregressa de Bison e enviado da África à América em um dos muitos navios negreiros que singraram o Oceano Atlântico. Agora, o mesmo Bison emprega um dos descendentes dele na organização Shadaloo como um de seus principais e mais poderosos guerreiros.
1 Comentários
Excelente capítulo, falando sobre as origens e as dificuldades do boxeador Balrog e como isso moldou a sua personalidade.
ResponderExcluirA contextualização histórica,elencando Martín Luther King, a Guerra do Vietnã e o auge e ocaso desse boxeador,faz com que entendamos o porquê, ele aderiu à cooptação de Bison.
Parabéns !