Capítulo de contextualização para o desenvolvimento ulterior da presente história.
Tal episódio se encontra inserido dentro do contexto da
expansão imperialista europeia sobre a Ásia. Portanto, não se pode falar no
episódio das fragatas negras e da abertura do Japão ao comércio exterior sem
falar a respeito da expansão imperialista europeia sobre a Ásia. A mesma Ásia
que durante séculos, junto com a África, foi o flagelo da Europa em episódios
como as invasões de povos como os persas, os hunos, os árabes, os mongóis e os
turcos, agora estava sendo invadida pela Europa. Em outras palavras, o agredido
de outrora agora é o agressor, e vice-versa. Na época, nações como a
Inglaterra, a França e a Rússia estavam se apoderando de vastas áreas dos
continentes africano e asiático, outrora teatros secundários dentro da corrida
colonial das potências européias.
De longe a Rússia era a potência europeia com maior
território na Ásia. Devido a sua localização geográfica, a Rússia desde os
primórdios de sua história sempre teve um contato maior e mais direto com os
poderes asiáticos, ainda nos tempos da Rus’ de Kiev. Entre 1237 a 1240 os
mongóis, sob a liderança do general Subotaj e de Batu Khan, um dos netos de Čingis
Khan por via de seu primogênito Džuči, invadiram e conquistaram os vários
principados originados da fragmentação da antiga Rus’ de Kiev, impondo-lhes uma
pesada vassalagem tributária. Tal situação perdurou até 1480, com a vitória dos
russos, sob a liderança do soberano moscovita Ivan III o Grande, em um
enfrentamento que entrou para a história como a grande espera sobre o rio Ugra.
Depois se libertar do secular jugo tártaro-mongólico, a
Rússia moscovita a partir da década de 1550 deu início a sua expansão na
direção da Ásia, já sob a liderança do tsar Ivan IV o Terrível, com a conquista
da região do rio Volga, até então nas mãos dos khanatos tártaros de Kazan
(1552) e Astrakhan (1556), seguida da conquista do khanato da Sibéria entre
1580 a 1598. Os três khanatos eram todos remanescentes da outrora poderosa
Horda Dourada de Batu Khan, um dos quatro khanatos originados da fragmentação
do Império Mongol.
Os sucessores de Ivan IV o Terrível deram continuidade a
expansão ao leste, e em 1643 os russos alcançaram o lago Baikal, em 1647 a
região do mar de Okhotsk e na virada do século XVII para o XVIII a península de
Kamčatka e a costa oeste do Mar de Bering. Sobre as populações nativas dessas
regiões os russos cobravam um imposto chamado jassak, pago através de peles dos
animais da fauna siberiana. Mais ao sul os russos, após alguns conflitos
fronteiriços a respeito da posse das terras ao norte do rio Amur (em mandarim Heilongdziang, o rio do dragão negro),
estabeleceram em 1689 através do tratado de Nerčinsk uma fronteira nos montes
Stanovoj com a China, à época já governada pela Dinastia Čing (1644 – 1912).
Tal fronteira, no entanto, veio a ser modificada em 1858.
Aproveitando-se do enfraquecimento do Império Chinês, a
Rússia anexou as terras ao norte do rio Amur, e dois anos mais tarde as terras
ao sul do rio Amur e a leste do rio Ussuri. Com tais conquistas, a Rússia
conseguiu acesso ao Mar do Japão, fundando na região conquistada cidades como Khabarovsk e Vladivostok. A Rússia ainda disputou nessa mesma época a posse das
ilhas Sakhalin (Karafuto em japonês)
e Kurilas com o Japão, disputas essas resolvidas após uma série de acordos
entre as duas nações. Ao sul da Sibéria, a Rússia conquistou vastas regiões da
Ásia Média e o Cáucaso, estendendo ao sul suas fronteiras até a Pérsia (atual
Irã), o Afeganistão e o nordeste da Turquia. Os domínios do tsar russo na
ocasião cobriam cerca de 1/6 da superfície terrestre e se estendiam desde a
Polônia ao Alasca (vendido em 1867 para os Estados Unidos) e do Oceano Ártico à
Transcaucásia [1].
Diferente da Rússia que se expandiu através de uma grande
expansão continental, anexando terras adjacentes a seu domínio, França e
Inglaterra, impulsionadas pela Segunda Revolução Industrial a partir de meados
do século XIX, se expandiram pela Ásia através do estabelecimento de várias
colônias ultramarinas dispersas entre si.
A Inglaterra, à época governada pela rainha Vitória (r. 1837
– 1901), dispunha de um grande poder naval e colônias em quase todos os
continentes, a ponto de se dizer que nos domínios do Império Britânico o
sol não se punha. Na Ásia os ingleses tinham posse sobre o subcontinente
indiano, assim como a Birmânia, a Malásia, Hong Kong e muitas ilhas do Oceano
Índico. Desde 1612 a Inglaterra já tinha feitorias no subcontinente indiano,
mas apenas a partir de 1763, com a vitória sobre a França na Guerra dos Sete
Anos (1756 – 1763), que se tornou a metrópole europeia dominante, e em 1858,
após uma série de guerras contra os vários poderes locais indianos, já tinham
controle sobre quase toda região. A China também não ficou imune às investidas
do leão britânico: a partir do final do século XVIII Londres fez várias
pressões para que a China abrisse o seu mercado para seus produtos
industrializados, mas seus esforços foram em vão, a exemplo da missão Macartney
de 1792 a 1794. Os chineses não viam utilidade alguma em tais produtos e diziam
ser uma nação autossuficiente.
Diante desse impasse, os britânicos passaram a contrabandear
o ópio por eles produzido no nordeste da Índia via porto de Cantão, causando um
grande problema social e econômico para a China. Os chineses reagiram,
confiscando grandes quantias de ópio e até mesmo o queimando, mas os ingleses
retalhariam e derem início a Primeira Guerra do Ópio (1839 – 1842), da qual se
saíram vencedores. Com essa vitória a Inglaterra ganhou a posse da ilha de Hong
Kong, um ponto estratégico dentro do Extremo Oriente. Uma Segunda Guerra do
Ópio foi travada entre 1856 e 1860, e uma nova derrota fez com a China abrisse
mais portos ao comércio exterior.
Os franceses já foram uma força poderosa no subcontinente indiano, mas na época apenas cinco estabelecimentos costeiros lhes restavam: Pondichéry, Chandernagora, Karaikal, Mahe e Yanam. E entre 1862 a 1867, sob a liderança de Napoleão III, anexou o sul do Vietnã (Cochinchina) e o Camboja. A Holanda, outrora o único país europeu que tinha o privilégio de comercializar com o Japão e muito poderosa nos séculos XVII e XVIII, apenas lhe restava a Indonésia sob seu domínio. E os Estados Unidos, por sua vez, após a anexação da região oeste na década de 1840 de terras outrora do México e de tribos indígenas, também estão de olho no mercado asiático.
Por fim, os decantes
Impérios Coloniais Espanhol e Português, outrora muito poderoso nos séculos XV,
XVI e XVII, mas a época às voltas com os movimentos de independência nas
Américas, ainda mantinha alguns esparsos territórios na Ásia, resquícios de
seus tempos gloriosos: os primeiros tinham sob seu tacão as Filipinas e as
ilhas de Guam, Marianas, Palau e Carolinas, e os segundos as feitorias de Goa,
Damão e Diu na Índia, Macau na China e o Timor Leste na Indonésia.
A China, outrora o grande poder do Extremo Oriente, agora se
encontra de joelhos diante da crescente ingerência européia em seus assuntos. Outros
impérios asiáticos outrora muito poderosos, tais como o Império Otomano e o
Império Persa, também se encontram em situação similar. A China é chamada de o
homem doente da Ásia, enquanto que o Império Otomano é chamado de o homem
doente da Europa.
Estaria o Japão ameaçado de ser invadido, que nem aconteceu
em 1274 e 1281 com as invasões mongóis, e assim transformado em uma colônia ou
em uma província (no caso de ser tomado pela Rússia) de alguma nação europeia,
ou essa ameaça seria afastada? E mesmo se essa ameaça venha a ser afastada, se
transformaria em uma nação forte capaz de competir em pé de igualdade com as
nações poderosas da Europa ou ficaria em uma condição semicolonial, a exemplo
do que aconteceu com os outrora poderosos Impérios Otomano, Persa e Chinês e
com as nações que emergiram com a Independência das Américas Espanhola,
Francesa e Portuguesa?
NOTA
[1] Em russo Zakavkaz’e/Закавказье. Região além do Cáucaso (do ponto de vista da Rússia), composta por Geórgia, Armênia e Azerbaijão. A região aquém do Cáucaso é chamada de Ciscaucásia (em russo Priedkavkaz’e/Предкавказье), abarcando as áreas ao norte da cordilheira do Grande Cáucaso.
1 Comentários
Uma das suas características mais marcantes enquanto fictor, é a contextualização histórica dos eventos e personagens.
ResponderExcluirConhecer a história é entender o presente e projetar o futuro .
Se a sociedade se atentasse aos eventos passados , muitos erros presentes não teriam acontecido.
Parabéns por essa iniciativa !