O feito de
Hagen o marcomano se tornou conhecido por toda a Germânia, de norte a sul, dos
Alpes Bávaros às margens do Mar Báltico. Foi questão de tempo seu prestígio
crescer entre as várias tribos germânicas. Cresceu de tal modo que até já se
vislumbra a possibilidade de as tribos germânicas formarem uma confederação
tribal sob sua liderança.
Só que entre
as chefias tribais germânicas ele não era uma unanimidade. Se por um lado havia
aqueles que estavam dispostos a se unir a ele e assim formar uma entidade
política forte o bastante para resistir de forma mais eficaz aos avanços de
Roma nas terras germânicas, por outro também havia lideranças que viam com maus
olhos um eventual fortalecimento de seu poder e que com isso eles seriam
politicamente esmagados. Pois se há algo que os germânicos antigos muito
prezavam era por sua autonomia, e disso eles não vão abrir mão tão cedo. Com Armínio
foi assim, visto que ele assassinado por membros de sua própria família política
no ano 21. E com Hagen não seria diferente 75 anos mais tarde, como veremos.
Certa vez, alguns
desses chefes tribais, invejosos dos feitos do chefe marcomano e temerosos de
perder a autonomia que têm, resolveram armar uma cilada para cima de Hagen. Como
diz o velho ditado, antes um pássaro na mão que dois voando. Era nisso que eles
pensavam quando convidaram Hagen para participar de uma caçada em uma floresta
nos Alpes Bávaros, não muito distante do Rio Danúbio. E ele, sem desconfiar de
nada, aceitou o convite. Em seus devaneios, Hagen se imaginava sendo proclamado
como o grande e único líder inconteste das tribos germânicas em uma grande Thing (assembleia tribal). E em seguida
liderando a resistência germânica contra Roma.
Montados em
cavalos portentosos e ágeis, Hagen e os outros chefes tribais deram início a
uma grande caçada, na qual animais como bisões, auroques e javalis foram abatidos
e mortos. A carne destes, por seu turno, foi servida e preparada em um grande
banquete. Um banquete regado a carnes diversas e muito hidromel que, segundo os
conspiradores, iria selar a adesão deles à confederação tribal dos povos
germânicos contra Roma. Terminado a banquete, eles se aproveitaram que Hagen
foi à floresta beber um pouco de água para se refrescar. Era o momento certo
para levar adiante, que eles tanto esperavam.
Os
conspiradores, calmamente, esperaram Hagen chegar ao riacho. Eles e esconderam
no matagal sem que ele ao menos desconfiasse por um segundo. No momento certo,
o carrasco de Hagen, um homem chamado Günther, um dos principais guerreiros da
tribo dos suevos, acertou uma flechada bem no coração dele. “O que... o que...
é isso?!”, pergunta-se Hagen, sem nada entender do que se passava ao redor,
pouco antes de vir a óbito. Estas foram as últimas palavras que ele proferiu em
vida.
Hagen era um
homem ambicioso, e almejava unificar as tribos germânicas sob uma única
autoridade para assim poder enfrentar de forma mais eficaz o poderio romano (o
qual por sua vez tinha algumas partes da Germânia sob seu controle, as quais
formavam parte das províncias da Germânia Inferior[1]
e Germânia Superior[2]).
Em outras palavras, Hagen queria criar na Germânia uma grande confederação
tribal similar ao que havia, por exemplo, na atual Mongólia, em que
confederações tribais como os Khùnnù (Xiongnu em chinês) e os Nirun (Žužan em
chinês), durante muito tempo causaram altas dores de cabeça a seus vizinhos
estabelecidos ao sul da Grande Muralha, até serem vencidas pelos chineses.
Queria fazer algo similar ao que séculos mais tarde o grande conquistador
Čingis Khan fez na Mongólia no século XIII quando unificou todas as tribos sob
um único estandarte e dessa união surgiu um império que em seu apogeu se
estendeu do baixo Danúbio às margens do Mar do Japão e do Ártico ao Vietnã.
Após a morte
de Hagen o marcomano e o fracasso do intento imperial dele, tudo indicava que o
lixo da história aguardava o nascente clã Stroheim e que o clã germânico nunca
mais teria o poder e a projeção que eles, por um breve momento, tiveram sob seu
progenitor. Só que o tempo mostrou que aqueles que achavam que a lata de lixo
da história era o destino deles estavam redondamente enganados.
Como veremos,
se há algo em que os Stroheim, ao longo da história, mostraram é que eles são
mestres em matéria de sobrevivência política. E assim ao longo da história
entidades políticas, reinos e impérios surgem, atingem seu apogeu e
desaparecem, mas lá estão os Stroheim influenciando a política por trás dos
tronos. Se em um primeiro momento os Stroheim serviam e trabalhavam com o
Império Romano, com a decadência e o posterior ocaso do mesmo eles, além do
surgimento de novos atores na geopolítica europeia a partir do século IV com a
divisão do Império Romano em duas metades, a aparição dos hunos nas terras ao
norte do Mar Negro e na Panônia (atual Hungria) e o surgimento dos vários
reinos bárbaros na Europa ocidental, eles viram isso não como uma catástrofe, e
sim como uma grande oportunidade para ampliar os negócios deles e como que eles
poderiam lucrar da melhor forma possível com essa situação. Negócios que
incluem o estabelecimento de ramos da família em outras partes da Europa (e até
mesmo fora dela) por meio de casamentos entre aristocratas e nobres e o
fornecimento de guarda-costas às famílias imperiais.
Pode-se dizer
que o clã Stroheim, na arena política internacional, não trabalha PARA soberano
x, y ou z, e sim que trabalha COM eles. E em situações de guerras entre
potentados, eles agem como se fossem alguém que em uma rinha de galo aposta
suas fichas em ambos os lados litigiosos. Assim, o vitorioso é ele,
independente do resultado do conflito. E quando determinado soberano já não é
mais interessante a eles (e por vezes incômodo), eles tratam de influenciar os
acontecimentos de modo a se ver livre deles e colocar no poder o favorito deles
do momento. Como vemos claramente, eles têm agenda e interesses próprios, que
por vezes não é a mesma agenda do rei, conde, duque ou imperador de plantão.
Hagen o
marcomano deixou descendência com sua esposa Helga, e os primeiros decênios
após sua morte foi um período de reconstrução e reerguimento para o nascente
clã. Um dos netos de Hagen, Hagar, tornou-se guarda-costas do imperador romano Trajano.
Pode-se dizer que foi a partir dai que os Stroheim começaram a servir de guarda-costas
a pessoas da nobreza europeia.
E este foi um
ponto muito importante na história dos Stroheim. Visto que a atuação deles nos
assuntos políticos e militares mudou radicalmente. Eles deixaram de atuar às
claras e passaram a atuar de forma mais subterrânea, nos bastidores da
política. Como também a atitude de seus sucessores à frente daquilo que depois
se tornou o clã Stroheim igualmente mudou em relação ao Império Romano. Agora
eles já não querem mais saber de entrar em litígio com Roma, e sim cooperar com
Roma e dessa forma poder tirar o máximo de benefício possível.
No século IV,
antes mesmo de o próprio Império Romano se converter ao cristianismo por meio
do Édito de Tessalônica (380), os Stroheim, sob a liderança de seu grão-mestre
Rodrik fizeram este passo antes mesmo de Roma o fazê-lo, por volta do ano 360.
Ele abandonou os velhos deuses do panteão germânico por eles cultuados há
várias gerações e abraçou o Deus único cristão. Ele, por meio de sua rede de
informantes espalhadas por várias partes do Império, sabia que o mundo pagão
greco-romano estava em frangalhos e que era uma questão de tempo este sucumbir
e que o lixo da história o aguardava. Com a conversão de Rodrik, os outros
membros de seu clã, embora tenham resistido de início, seguiram o exemplo dele
e também abraçaram o Deus único cristão. 20 anos depois foi a vez de o Império
Romano também fazer o mesmo e abandonar os velhos deuses do panteão romano. E
com a divisão do Império Romano em duas metades em 395 após a morte de Teodósio
I, a Ocidental com capital em Ravena e a Oriental com capital em Constantinopla,
os Stroheim passaram a servir a ambos os impérios.
Ainda no
século IV, uma nova força no cenário geopolítico europeu surge: os hunos. Por
volta do ano 370, sob a liderança do chefe Balamir, estes, de suas bases nas
estepes ao norte do Cáucaso e do Mar Cáspio, iniciam uma marcha a oeste do rio
Don, por meio da qual destroem o poder gótico nas terras ao norte do Mar Negro.
Os hunos
atingem o apogeu de seu poderio na Europa na primeira metade do século V, sob
Átila. Os hunos tinham vários povos germânicos sob seu domínio, aos quais não
apenas pagavam tributos, como também forneciam efetivos para as expedições
militares hunas. Os Stroheim não viram com maus olhos a vinda dos hunos na
Europa. Pelo contrário, tão logo eles estenderam seus domínios sobre a Germânia
eles trataram de se aproximar dos hunos. Serviram aos primeiros chefes hunos,
depois a Rugas, e por fim a Átila e seu irmão Bleda. Graças aos guarda-costas
Stroheim, conspirações contra Átila foram desbaratadas, e por esses serviços
Átila deu terras a eles na Germânia e em outras partes da Europa oriental. Mas,
tão logo o barco huno começou a afundar na sequência de morte de Átila, os
Stroheim o abandonaram e passaram a apoiar movimentos entre as tribos
germânicas para desintegrá-lo, apoiando o levante do chefe gépida Ardarico
contra os hunos, o qual venceu o filho de Átila, Ellak, na batalha do rio
Nedao, em 454.
Após o fim do
Império Romano do Ocidente e o estabelecimento de vários reinos germânicos na
Europa ocidental, os Stroheim, os quais já tinham ligações com o Império Romano
do Oriente que logrou sobreviver às turbulências políticas que flagelaram a
Europa nos séculos IV e V, estabeleceram por meio de casamentos entre
aristocratas ligações com as famílias reais dos nascentes reinos germânicos da
Europa pós-romana. E eles não viram problema algum com o surgimento do Islã no
horizonte político europeu a partir de 711 com a queda do reino visigótico
diante das hostes do comandante Tarik ibn-Ziyad. Pelo contrário, não apenas os
próprios Stroheim abandonaram o barco visigótico quando este começou a afundar e
passaram a apoiar os recém-chegados, como também os guarda-costas Stroheim que
serviam até então aos reis visigóticos continuaram a servir aos novos senhores
islâmicos da Ibéria. Primeiro aos governadores provinciais locais, depois aos
emires e califas omíadas de Córdoba.
Outro
episódio muito importante na história do clã Stroheim ocorre na virada do
século VIII para o IX. Naquela época, o reino dos francos, a principal entidade
política da Europa Ocidental pós-romana e que anos antes logrou deter os
avanços das hostes islâmicas ao norte da Ibéria, era governado por Carlos
Magno, e este logrou conseguir fazer algo que os romanos séculos antes não
conseguiram fazer: conquistar a até então irredutível Germânia após uma série
de expedições militares. Com a derrota das tribos germânicas da Saxônia (atual
norte da Alemanha), os saxões e outras tribos germânicas também abandonaram os
velhos deuses e se converteram (ainda que à força) ao cristianismo.
Ainda durante
o período carolíngio, os Stroheim também estiveram presentes em legações
diplomáticas de Carlos Magno, incluindo na embaixada ao califa de Bagdá, Harun
al-Rašid (r. 786 – 809). Em Bagdá, a cidade das mil e uma noites, os enviados
do reino dos francos ficaram maravilhados com o que viram. Não havia nada igual
no reino dos francos, e mesmo a capital Aachen, comparada a Bagdá, parecia uma
cidade provinciana. Visitaram não apenas a corte do sultão Harun al-Rašid, como
também a famosa biblioteca A Casa da Sabedoria, que reúne uma coleção de livros
e tomos sem igual neste mundo. O então chefe dos Stroheim, Günther da Saxônia,
lá estava, e sentiu o mesmo fascínio e deslumbre que séculos antes Hagen o
marcomano sentiu quando visitou Ctesifonte. A partir daquele momento, os
Stroheim estabeleceram relações com o califado abássida de Bagdá, visto que o
califa ficou sabendo da fama dos Stroheim e resolver ter ao seu serviço
guarda-costas oriundos do eminente clã germânico.
[1]
Englobava a Bélgica atual, além do sul da Holanda, Luxemburgo e partes do
noroeste da Alemanha. Capital Colonia
Claudia Agrippinensium (atual Colônia, Alemanha).
[2]
Englobava partes da atual Suíça ocidental, as de regiões francesas de Jura e
Alsácia e o sudoeste da Alemanha. Capital Mainz (em latim Mogontiacum).
1 Comentários
Com o declínio do Império Romano.e ascenção de muitos povos germânicos, considerados até então, bárbaros, além da fragmentação do antigo império.em vários feudos/cidades , tem-se uma nova configuração.geopolítica que,devido as suas características históricas ( pois, estamos falando dando do início da Idade Média), certamente vai fortalecer ao empoderamento de muitos clãs.
ResponderExcluirCom os Stroheim não foi diferente.
As cidades perderam importância ,e as sociedades organizadas deram um passo atrás , voltando-se a ruralização, sendo substituídos pelos feudos.
Fica evidente que os clãs mais fortes dominarão o cenário.
Vejamos como a história peosseguirá!
Parabéns!