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Os irmãos Stroheim - Geese Howard e Wolfgang Krauser (capítulo III)

 

 

                                          Capítulo III - O clã Stroheim e sua história (parte II)

O feito de Hagen o marcomano se tornou conhecido por toda a Germânia, de norte a sul, dos Alpes Bávaros às margens do Mar Báltico. Foi questão de tempo seu prestígio crescer entre as várias tribos germânicas. Cresceu de tal modo que até já se vislumbra a possibilidade de as tribos germânicas formarem uma confederação tribal sob sua liderança.

Só que entre as chefias tribais germânicas ele não era uma unanimidade. Se por um lado havia aqueles que estavam dispostos a se unir a ele e assim formar uma entidade política forte o bastante para resistir de forma mais eficaz aos avanços de Roma nas terras germânicas, por outro também havia lideranças que viam com maus olhos um eventual fortalecimento de seu poder e que com isso eles seriam politicamente esmagados. Pois se há algo que os germânicos antigos muito prezavam era por sua autonomia, e disso eles não vão abrir mão tão cedo. Com Armínio foi assim, visto que ele assassinado por membros de sua própria família política no ano 21. E com Hagen não seria diferente 75 anos mais tarde, como veremos.

Certa vez, alguns desses chefes tribais, invejosos dos feitos do chefe marcomano e temerosos de perder a autonomia que têm, resolveram armar uma cilada para cima de Hagen. Como diz o velho ditado, antes um pássaro na mão que dois voando. Era nisso que eles pensavam quando convidaram Hagen para participar de uma caçada em uma floresta nos Alpes Bávaros, não muito distante do Rio Danúbio. E ele, sem desconfiar de nada, aceitou o convite. Em seus devaneios, Hagen se imaginava sendo proclamado como o grande e único líder inconteste das tribos germânicas em uma grande Thing (assembleia tribal). E em seguida liderando a resistência germânica contra Roma.

Montados em cavalos portentosos e ágeis, Hagen e os outros chefes tribais deram início a uma grande caçada, na qual animais como bisões, auroques e javalis foram abatidos e mortos. A carne destes, por seu turno, foi servida e preparada em um grande banquete. Um banquete regado a carnes diversas e muito hidromel que, segundo os conspiradores, iria selar a adesão deles à confederação tribal dos povos germânicos contra Roma. Terminado a banquete, eles se aproveitaram que Hagen foi à floresta beber um pouco de água para se refrescar. Era o momento certo para levar adiante, que eles tanto esperavam.

Os conspiradores, calmamente, esperaram Hagen chegar ao riacho. Eles e esconderam no matagal sem que ele ao menos desconfiasse por um segundo. No momento certo, o carrasco de Hagen, um homem chamado Günther, um dos principais guerreiros da tribo dos suevos, acertou uma flechada bem no coração dele. “O que... o que... é isso?!”, pergunta-se Hagen, sem nada entender do que se passava ao redor, pouco antes de vir a óbito. Estas foram as últimas palavras que ele proferiu em vida.

Hagen era um homem ambicioso, e almejava unificar as tribos germânicas sob uma única autoridade para assim poder enfrentar de forma mais eficaz o poderio romano (o qual por sua vez tinha algumas partes da Germânia sob seu controle, as quais formavam parte das províncias da Germânia Inferior[1] e Germânia Superior[2]). Em outras palavras, Hagen queria criar na Germânia uma grande confederação tribal similar ao que havia, por exemplo, na atual Mongólia, em que confederações tribais como os Khùnnù (Xiongnu em chinês) e os Nirun (Žužan em chinês), durante muito tempo causaram altas dores de cabeça a seus vizinhos estabelecidos ao sul da Grande Muralha, até serem vencidas pelos chineses. Queria fazer algo similar ao que séculos mais tarde o grande conquistador Čingis Khan fez na Mongólia no século XIII quando unificou todas as tribos sob um único estandarte e dessa união surgiu um império que em seu apogeu se estendeu do baixo Danúbio às margens do Mar do Japão e do Ártico ao Vietnã.

Após a morte de Hagen o marcomano e o fracasso do intento imperial dele, tudo indicava que o lixo da história aguardava o nascente clã Stroheim e que o clã germânico nunca mais teria o poder e a projeção que eles, por um breve momento, tiveram sob seu progenitor. Só que o tempo mostrou que aqueles que achavam que a lata de lixo da história era o destino deles estavam redondamente enganados.

Como veremos, se há algo em que os Stroheim, ao longo da história, mostraram é que eles são mestres em matéria de sobrevivência política. E assim ao longo da história entidades políticas, reinos e impérios surgem, atingem seu apogeu e desaparecem, mas lá estão os Stroheim influenciando a política por trás dos tronos. Se em um primeiro momento os Stroheim serviam e trabalhavam com o Império Romano, com a decadência e o posterior ocaso do mesmo eles, além do surgimento de novos atores na geopolítica europeia a partir do século IV com a divisão do Império Romano em duas metades, a aparição dos hunos nas terras ao norte do Mar Negro e na Panônia (atual Hungria) e o surgimento dos vários reinos bárbaros na Europa ocidental, eles viram isso não como uma catástrofe, e sim como uma grande oportunidade para ampliar os negócios deles e como que eles poderiam lucrar da melhor forma possível com essa situação. Negócios que incluem o estabelecimento de ramos da família em outras partes da Europa (e até mesmo fora dela) por meio de casamentos entre aristocratas e nobres e o fornecimento de guarda-costas às famílias imperiais.

Pode-se dizer que o clã Stroheim, na arena política internacional, não trabalha PARA soberano x, y ou z, e sim que trabalha COM eles. E em situações de guerras entre potentados, eles agem como se fossem alguém que em uma rinha de galo aposta suas fichas em ambos os lados litigiosos. Assim, o vitorioso é ele, independente do resultado do conflito. E quando determinado soberano já não é mais interessante a eles (e por vezes incômodo), eles tratam de influenciar os acontecimentos de modo a se ver livre deles e colocar no poder o favorito deles do momento. Como vemos claramente, eles têm agenda e interesses próprios, que por vezes não é a mesma agenda do rei, conde, duque ou imperador de plantão.

Hagen o marcomano deixou descendência com sua esposa Helga, e os primeiros decênios após sua morte foi um período de reconstrução e reerguimento para o nascente clã. Um dos netos de Hagen, Hagar, tornou-se guarda-costas do imperador romano Trajano. Pode-se dizer que foi a partir dai que os Stroheim começaram a servir de guarda-costas a pessoas da nobreza europeia.

E este foi um ponto muito importante na história dos Stroheim. Visto que a atuação deles nos assuntos políticos e militares mudou radicalmente. Eles deixaram de atuar às claras e passaram a atuar de forma mais subterrânea, nos bastidores da política. Como também a atitude de seus sucessores à frente daquilo que depois se tornou o clã Stroheim igualmente mudou em relação ao Império Romano. Agora eles já não querem mais saber de entrar em litígio com Roma, e sim cooperar com Roma e dessa forma poder tirar o máximo de benefício possível.

No século IV, antes mesmo de o próprio Império Romano se converter ao cristianismo por meio do Édito de Tessalônica (380), os Stroheim, sob a liderança de seu grão-mestre Rodrik fizeram este passo antes mesmo de Roma o fazê-lo, por volta do ano 360. Ele abandonou os velhos deuses do panteão germânico por eles cultuados há várias gerações e abraçou o Deus único cristão. Ele, por meio de sua rede de informantes espalhadas por várias partes do Império, sabia que o mundo pagão greco-romano estava em frangalhos e que era uma questão de tempo este sucumbir e que o lixo da história o aguardava. Com a conversão de Rodrik, os outros membros de seu clã, embora tenham resistido de início, seguiram o exemplo dele e também abraçaram o Deus único cristão. 20 anos depois foi a vez de o Império Romano também fazer o mesmo e abandonar os velhos deuses do panteão romano. E com a divisão do Império Romano em duas metades em 395 após a morte de Teodósio I, a Ocidental com capital em Ravena e a Oriental com capital em Constantinopla, os Stroheim passaram a servir a ambos os impérios.

Ainda no século IV, uma nova força no cenário geopolítico europeu surge: os hunos. Por volta do ano 370, sob a liderança do chefe Balamir, estes, de suas bases nas estepes ao norte do Cáucaso e do Mar Cáspio, iniciam uma marcha a oeste do rio Don, por meio da qual destroem o poder gótico nas terras ao norte do Mar Negro.

Os hunos atingem o apogeu de seu poderio na Europa na primeira metade do século V, sob Átila. Os hunos tinham vários povos germânicos sob seu domínio, aos quais não apenas pagavam tributos, como também forneciam efetivos para as expedições militares hunas. Os Stroheim não viram com maus olhos a vinda dos hunos na Europa. Pelo contrário, tão logo eles estenderam seus domínios sobre a Germânia eles trataram de se aproximar dos hunos. Serviram aos primeiros chefes hunos, depois a Rugas, e por fim a Átila e seu irmão Bleda. Graças aos guarda-costas Stroheim, conspirações contra Átila foram desbaratadas, e por esses serviços Átila deu terras a eles na Germânia e em outras partes da Europa oriental. Mas, tão logo o barco huno começou a afundar na sequência de morte de Átila, os Stroheim o abandonaram e passaram a apoiar movimentos entre as tribos germânicas para desintegrá-lo, apoiando o levante do chefe gépida Ardarico contra os hunos, o qual venceu o filho de Átila, Ellak, na batalha do rio Nedao, em 454.

Após o fim do Império Romano do Ocidente e o estabelecimento de vários reinos germânicos na Europa ocidental, os Stroheim, os quais já tinham ligações com o Império Romano do Oriente que logrou sobreviver às turbulências políticas que flagelaram a Europa nos séculos IV e V, estabeleceram por meio de casamentos entre aristocratas ligações com as famílias reais dos nascentes reinos germânicos da Europa pós-romana. E eles não viram problema algum com o surgimento do Islã no horizonte político europeu a partir de 711 com a queda do reino visigótico diante das hostes do comandante Tarik ibn-Ziyad. Pelo contrário, não apenas os próprios Stroheim abandonaram o barco visigótico quando este começou a afundar e passaram a apoiar os recém-chegados, como também os guarda-costas Stroheim que serviam até então aos reis visigóticos continuaram a servir aos novos senhores islâmicos da Ibéria. Primeiro aos governadores provinciais locais, depois aos emires e califas omíadas de Córdoba.

Outro episódio muito importante na história do clã Stroheim ocorre na virada do século VIII para o IX. Naquela época, o reino dos francos, a principal entidade política da Europa Ocidental pós-romana e que anos antes logrou deter os avanços das hostes islâmicas ao norte da Ibéria, era governado por Carlos Magno, e este logrou conseguir fazer algo que os romanos séculos antes não conseguiram fazer: conquistar a até então irredutível Germânia após uma série de expedições militares. Com a derrota das tribos germânicas da Saxônia (atual norte da Alemanha), os saxões e outras tribos germânicas também abandonaram os velhos deuses e se converteram (ainda que à força) ao cristianismo.

Ainda durante o período carolíngio, os Stroheim também estiveram presentes em legações diplomáticas de Carlos Magno, incluindo na embaixada ao califa de Bagdá, Harun al-Rašid (r. 786 – 809). Em Bagdá, a cidade das mil e uma noites, os enviados do reino dos francos ficaram maravilhados com o que viram. Não havia nada igual no reino dos francos, e mesmo a capital Aachen, comparada a Bagdá, parecia uma cidade provinciana. Visitaram não apenas a corte do sultão Harun al-Rašid, como também a famosa biblioteca A Casa da Sabedoria, que reúne uma coleção de livros e tomos sem igual neste mundo. O então chefe dos Stroheim, Günther da Saxônia, lá estava, e sentiu o mesmo fascínio e deslumbre que séculos antes Hagen o marcomano sentiu quando visitou Ctesifonte. A partir daquele momento, os Stroheim estabeleceram relações com o califado abássida de Bagdá, visto que o califa ficou sabendo da fama dos Stroheim e resolver ter ao seu serviço guarda-costas oriundos do eminente clã germânico.


NOTAS:

[1] Englobava a Bélgica atual, além do sul da Holanda, Luxemburgo e partes do noroeste da Alemanha. Capital Colonia Claudia Agrippinensium (atual Colônia, Alemanha).

[2] Englobava partes da atual Suíça ocidental, as de regiões francesas de Jura e Alsácia e o sudoeste da Alemanha. Capital Mainz (em latim Mogontiacum).

1 Comentários

  1. Com o declínio do Império Romano.e ascenção de muitos povos germânicos, considerados até então, bárbaros, além da fragmentação do antigo império.em vários feudos/cidades , tem-se uma nova configuração.geopolítica que,devido as suas características históricas ( pois, estamos falando dando do início da Idade Média), certamente vai fortalecer ao empoderamento de muitos clãs.

    Com os Stroheim não foi diferente.

    As cidades perderam importância ,e as sociedades organizadas deram um passo atrás , voltando-se a ruralização, sendo substituídos pelos feudos.

    Fica evidente que os clãs mais fortes dominarão o cenário.

    Vejamos como a história peosseguirá!


    Parabéns!

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