Capítulo V - Rudolf von Zanac, o terrorista e o nobre (parte I)
Só que há um
detalhe: pelas veias de Geese não corre o nobre sangue dos Stroheim, e Krauser
é um Stroheim pelo lado materno. Na verdade, trata-se de uma longa história.
Era uma vez
um homem de vida dupla chamado Rudolf von Zanac. Nativo da cidade austríaca de
Salzburgo no estado homônimo, ele foi um dos mais perigosos terroristas que a
Áustria viu na virada dos anos 1940 para os anos 1950. Membro da organização Schwarze Totenkopf (Caveira Negra, em
alemão), Rudolf era tão perigoso que não apenas se envolveu em terríveis atentados
em sua cidade natal que ceifaram a vida de centenas de pessoas, como também o
próprio governo austríaco da época ofereceu polpudas recompensas não apenas
para quem soubesse do paradeiro dele, como também o capturasse vivo. E o que
poucos sabem é que ele teve uma vida pregressa antes de se tornar um dos mais
perigosos terroristas de toda a Áustria, quiçá de toda a Europa.
Seu avô
paterno, Josef von Zanac, era um aristocrata da nobreza do norte da Áustria
que serviu ao exército austríaco na Primeira Guerra Mundial e com distinção
lutou no front italiano. Participou da famosa batalha de Caporetto, em 1917, na
qual se destacou no combate contra a Itália e pela vitória contra os italianos
recebeu distinções militares.
Josef von
Zanac era um monarquista convicto e defensor do sistema imperial há muito
vigente na Áustria. Para ele, os Habsburgos, a dinastia que desde o final do
século XIII governa a Áustria, são aqueles que foram ungidos pela graça de Deus
para governarem a Áustria. Segundo ele, é aos Habsburgos que a Áustria deve sua
estabilidade e sem os Habsburgos o caos devorará a nação germânica. Só que o
mundo dele literalmente virou de cabeça para baixo com o fim da guerra.
A
Áustria-Hungria participou da Primeira Guerra Mundial ao lado da Alemanha e do
Império Otomano, e como participou da guerra do lado dos perdedores da guerra
foi submetida a tratados de paz que não apenas a riscaram do mapa, como também a
desintegraram territorialmente. Para a parte austríaca do Império, o tratado de
Saint-German-en-Laye (1919), e para a parte húngara, o tratado de Trianon
(1920). Ainda que não fosse lá muito simpático à monarquia russa por conta das
rivalidades históricas com a Áustria, Josef igualmente ficou horrorizado com a
queda dos Romanov em 1917, o triunfo da revolução bolchevique em outubro do
mesmo ano e a posterior execução da família imperial russa, já em 1918. E desde
então se tornou um ardoroso detrator do comunismo e do sistema soviético em
específico. Segundo ele, a simples existência da União Soviética era um câncer
que deveria ser extirpado o mais rápido possível. Um câncer que inevitavelmente
teria metástase e se espalharia para outras partes da Europa.
Antes de
morrer, por volta de 1927, Josepf passou essa insatisfação não apenas com o fim
da monarquia, como também o anti-comunismo e gosto por lutas e artes marciais,
ao filho primogênito Otto.
Embora tenha
muita coisa em comum com o pai e dele herdado muito de seu ideário político, há
um ponto no qual Otto diverge do pai: enquanto que Josef era um monarquista
convicto, Otto não o era. Para Otto, os Habsburgos eram uns fracos que foram
incapazes de manter a integridade territorial da Áustria e que, portanto, o
lixo da história é o local deles. A velha monarquia já não era mais o regime
ideal para governar a Áustria, ele pensa.
Após a morte
do pai, Otto não apenas apoiou o governo filo-fascista de Engelbert Dolfuss e
seus sucessores, como também apoiou a anexação da Áustria pela Alemanha nazista
em 1938, o chamado Anchluss. Para ele, a anexação da Áustria pela Alemanha era
algo necessário, visto para ele, um defensor da ideia do pan-germanismo, todos
os povos etnicamente germânicos deveriam ser reunidos sob o estandarte de uma
única autoridade. Ele não apenas admirava Hitler por ele ter tirado a Alemanha
da situação calamitosa em que estava desde o fim da Primeira Guerra Mundial,
como também acreditava que ele era o homem enviado pela Providência Divina para
extirpar a Europa do “bolchevismo judaico”. Como muitos de seu tempo, não tinha
lá muita simpatia pelos judeus, e nem por ciganos.
Após a
anexação da Áustria pela Alemanha de Hitler, Otto, de forma voluntária, entrou
para a organização paramilitar SS (Schutzstaffel)
e lá teve ascensão meteórica. Em pouco tempo alcançou altas posições dentro da
SS, e uma vez iniciada a Segunda Guerra Mundial participou das operações
militares alemãs na Dinamarca e na Noruega, e depois ele, voluntariamente, ao
saber por meio de cartazes de recrutamento que estavam recrutando pessoal para
o front oriental, tomou parte na Operação Barbarossa tão logo os preparativos
desta foram iniciados, em 1941.
Pouco antes
de as tropas serem mobilizadas para a grande ofensiva da Wehrmacht (Exército
Alemão) contra a União Soviética, Otto teve um último encontro com sua família
em sua própria residência em Salzburgo. Ele teve um último encontro com a esposa,
Magda, e seu filho Rudolf. Antes de ir embora, ele chamou esposa e filho para
se juntarem na sala de estar da casa para escutarem junto ao gramofone as duas
músicas favoritas deles, “Dies Irae”
e “Lacrimosa”, ambas do compositor
austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791).
Enquanto
escutava Lacrimosa, Magda (a qual compartilhava
da ideologia professada pelo marido) foi tomada por um mau presságio, e bem no
momento em que o marido ia sair de casa ela o interpelou.
“O que foi
Magda?”, perguntou um intrigado Otto. Ela pede ao marido ficar em casa e não ir
lutar no front oriental. Em seu íntimo, Magda teme que o pior venha a ocorrer
com o marido. “Se eu fizer isso, serei punido por deserção”, Otto responde. Mas
Magda não se mostra convencida e insiste para que o marido fique em casa com a
família. “Por favor, Otto, fique! Por nossa família!”, ela responde, derramando
lágrimas dos olhos. Otto responde à esposa que nada de ruim irá acontecer a
ele, e promete que voltará para a casa só depois que as hostes hitleristas
eliminarem com o poder soviético no leste. Rudolf então interpela o pai.
“Papai, por favor...”, ele diz. Otto passa a mão na cabeça do filho, e garante
que voltará a casa o mais rápido possível e com o mundo livre da ameaça
comunista.
O jovem
Rudolf testemunhou esta cena pessoalmente. E notou o semblante do pai no
momento em que o viu pela última vez, no momento em que ele saiu de casa para
ir ao front. Era o semblante de alguém que não apenas aceitou o destino a ele
reservado, como também foi ao encontro do mesmo, de cara limpa e sem hesitações,
nem dúvidas dentro da cabeça dele. A cena da despedida de seu pai para ir ao
front marcou Rudolph de tal modo que ele jamais se esquecerá dessa cena
enquanto viver.
No front
oriental, Otto von Zanac foi encaminhado ao grupo central da força invasora. Adentrando
em território russo pela mesma rota que Napoleão usou na guerra de 1812 e sob o
comando de generais como Fedor von Bock, Günther von Kluge, Ernst Busch e Heinz
Guderian, ele lutou em batalhas como Byalistok-Minsk e Smolensk, nas quais os
alemães se saíram vencedores. Massacres e limpezas étnicas da população local
foram feitas nesse ínterim e pessoas foram enviadas a campos de concentração
nazistas, como também colaboradores locais se juntaram aos alemães. Estes lograram
avançar no norte até as cercanias de São Petersburgo (então Leningrado) e
submeter a antiga capital russa a um cerco que se estendeu por mais de dois
anos; no centro, avançaram até as cercanias de Moscou; e no sul avançaram até o
Cáucaso e o baixo Volga.
As notícias
das vitórias alemãs no front oriental obviamente chegaram à residência de Magda
von Zanac e seu jovem filho de 20 anos Rudolf. Os avanços germânicos no front oriental
deixavam mãe e filho contentes e até exultantes, só que nada tirava da cabeça dela
os maus presságios que a afligiam desde o dia em que o marido foi à guerra.
Mesmo nos estágios iniciais da guerra, em que tudo indicava que a máquina de
guerra alemã aniquilaria a União Soviética. Ante as notícias dos sucessos
germânicos na guerra, Rudolph não entendia tais maus agouros da parte de sua
mãe. Não passa de superstição besta, no máximo bizarrices e coisas sem sentido,
ele pensa.
Só que o
tempo foi passando e este mostrou que os maus presságios da Frau (Senhora) Magda
von Zanac não eram as bizarrices e coisas sentidos que Rudolf até então pensava.
A maré da guerra foi pouco a pouco se virando contra a máquina de guerra
germânica e estes passaram a sofrer revezes cada vez mais numerosos nos mais
diversos fronts. No front oriental, o grupo norte da Wehrmacht não logrou tomar
São Petersburgo a despeito de ter submetido a cidade a um terrível e prolongado
cerco; o grupo central adentrou nos subúrbios de Moscou, mas não conseguiu
tomar a capital soviética; e por fim o grupo sul foi vencido na batalha de
Stalingrado (atual Volgogrado). As contraofensivas alemãs que se seguiram a
tais enfrentamentos (incluindo a Operação Cidadela), a despeito de alguns
sucessos iniciais, não conseguiram mudar o curso da guerra em favor dos
invasores.
O Herr
(Senhor) Otto von Zanac encontrou o destino que ele vislumbrou ao se despedir
da família em novembro de 1942, durante a batalha de Ržev[1],
ao ser alvejado durante um enfrentamento com um soldado do Exército Vermelho
chamado Artëm[2] Vladimirovič[3]
Zangief. O encontro entre Zanac e Zangief se deu em uma área próxima ao local
onde anos mais tarde seria erguido o complexo memorial de Ržev ao soldado
soviético, composto de uma estátua de bronze de 25 metros de um soldado
soviético se dissolvendo em uma revoada de grous e uma colina de 18 metros.
No combate
urbano entre as forças soviéticas e nazistas, Zangief foi mais rápido e atingiu
Otto von Zanac com tiros de seu fuzil Mosin-Nagant de forma letal. De forma tão
letal que Otto von Zanac não consegue mais se levantar de tão ferido que se encontra.
O sangue escorre de seu corpo sobre as ruas de Ržev, e já se encontrada atacado
por forte hemorragia. Está lá mais um corpo jogado no chão.
Otto foi rapidamente
atendido pela equipe médica do Exército Alemão e colocado em uma maca. Em seus
últimos momentos de consciência, ele se lembrou da música Dies Irae, e ficou com ela martelando na cabeça até o suspiro
final. Otto, já deitado na maca e sendo atendido pela equipe médica do
exército, não resistiu aos ferimentos e faleceu, com uma expressão serena de
dever cumprido estampado no rosto.
Dies irae, dies illa
Solvet saeclum in favilla
Teste David cum Sibylla
Quantus tremor est
futurus
Quando Judex est venturus
Cuncta stricte discussurus!
Dies irae, dies illa
Solvet saeclum in favilla
Teste David cum Sibylla
Quantus tremor est
futurus
Quando Judex est venturus
Cuncta stricte discussurus!
Quantus tremor est
futurus
Dies irae, dies illa
Quantus tremor est futurus
Dies irae, dies illa
Quantus tremor est futurus (Quantus tremor est futurus)
Quando judex est venturus
Cuncta stricte discussurus
Cuncta stricte
Cuncta stricte discusurrus
Cuncta stricte
Cuncta stricte discusurrus
A notícia da
morte do senhor Otto von Zanac logo chegou à residência de sua esposa e filho
em Salzburg. Quando a triste notícia chegou aos ouvidos dela, ela estava
sozinha em casa, enquanto que Rudolf estava fora de casa participando de
atividades da juventude hitlerista. O grande sonho do jovem Rudolf é um dia se
tornar um membro de alto escalão da SS como o pai.
Terminada as
atividades do dia da juventude hitlerista, Rudolph chega a casa e encontra a
mãe chorando como um bebê, desconsolada. “O que foi mãe? Aconteceu alguma
coisa? Não me diga que...”, pergunta Rudolf à mãe ao vê-la nesse estado. Frau
Magda coloca o filho a par de tudo. “Quer dizer então que o papai... se foi?”,
pergunta Rudolf à mãe. “Sim, ele morreu”, a mãe responde. Em um primeiro
momento Rudolf não acredita no que ouviu, e nem se conformou em saber que o
pai dele, a quem Rudolf olhava como se fosse um verdadeiro herói, deixou este
mundo. Mas logo se lembra do dia em que ele deixou a casa para ir ao front
oriental e da expressão serena no rosto dele. O dia que Rudolf von Zanac
jamais esquecerá enquanto viver e que o marcou profundamente.
Na noite do
mesmo dia, Rudolf tem um sonho, digamos inusitado. Ele, como um expectador que
não pode interagir com as pessoas ao seu redor, vê duas pessoas em um castelo
prestes a se digladiarem. O motivo? Não se sabe ao certo. Para dizer a verdade,
nem tem como ele saber. Afinal, ele não consegue as vozes das pessoas. Mas o
fato é que lá estão de um lado um jovem sem barba, nem bigode e cabelos roxos,
e de outro um homem de certa idade, com bigode e rugas na face e cabelos parcialmente
grisalhos. A luta começa e rapidamente o jovem vence de forma acachapante, com
três golpes rápidos e concisos. O jovem olha para o velho vencido, com
indiferença e vazio nos olhos. Horas mais tarde Rudolf acorda, acreditando que
o sonho que acabou de ver não passa de uma grande bizarrice.
2 Comentários
Interessante a história do Zanac!
ResponderExcluirUm verdadeiro divisor de águas na história do Stroheim!
Vejamos os próximos passos!
E olha que os jogos pouco falam a respeito dele.
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