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Os irmãos Stroheim - Geese Howard e Wolfgang Krauser (capítulo VI)

 

 
                                            Capítulo VI - Rudolf von Zanac: o terrorista e o nobre (parte II)

Em vida, Otto von Zanac partilhava do sonho da cúpula nazista de ver a União Soviética eliminada da face da Terra, como também da criação de uma nova ordem geopolítica na Europa sob a égide da Alemanha, o Reich de 1000 anos tão sonhado por Hitler que se estenderia do Atlântico aos Urais e das margens do Oceano Glacial Ártico às ilhas gregas, mas ao fim foi ingloriamente morto em 1942 durante os enfrentamentos com o Exército Vermelho em Ržev. No fim das contas, ele aceitou o destino inexorável e inescapável a ele reservado: morrer no campo de batalha.

Enquanto isso a guerra continua. E junto com a guerra também continuam os maus presságios da senhora Magda von Zanac. Estes não pararam com a morte do marido. Certa vez ela deslumbrou a seguinte cena: Berlim, a capital do Reich alemão, sendo tomada por soldados soviéticos após um encarniçado combate e estes hasteando a bandeira vermelha no Reichstag.

Magda contou ao filho sobre o sonho que teve. E o jovem Rudolf, que no mesmo dia da partida do pai completou 16 anos de idade, respondeu à mãe que isso não passa de delírio, bizarrice, coisas sem nexo ou sentido algum. Não há como o Exército Vermelho, a despeito de ter vencido a Wehrmacht em uma série de batalhas na frente oriental e retomar algumas áreas, avançar a oeste até Berlim, tão pouco hastear bandeira no Reichstag. Então Magda responde ao filho que é melhor não subestimar os russos e a tenacidade deles, visto que em 1814, após vencer Napoleão em seu próprio solo dois anos antes e fazer com que este se retirasse da Rússia com um exército em frangalhos, avançaram pela Alemanha sob a ocupação napoleônica e no fim chegaram a Paris. Com direito ao então tsar russo, Alexandre I, entrando em Paris triunfalmente junto com as tropas aliadas austríacas e prussianas, e recebendo as chaves da Cidade Luz das mãos de Talleyrand. O mesmo Talleyrand que sob Napoleão foi ministro dos negócios estrangeiros entre 1799 a 1807 e que após a queda de Napoleão apoiou a restauração dos Bourbon ao trono francês.

E o tempo deu razão aos presságios da senhora Magda von Zanac. Pouco a pouco, o Exército Vermelho foi expulsando as hostes nazistas das áreas do território soviético ainda sob o controle nazista. E assim o resultado da Grande Guerra Patriótica (em russo Velikaja Otečetvstvennaja vojna/Великая Отечественная война) foi selado, ao custo de 27 milhões de vidas humanas. Hitler fracassou tal qual Napoleão na Guerra Patriótica de 1812 (em russo Otečestvennaja vojna 1812 goda/Отечественная война 1812 года) e o rei sueco Carlos XII na Guerra do Norte (1700 – 1721), e assim o projeto de transformar a União Soviética no grande lebensraum germânico foi para o vinagre, literalmente.

E, tal qual aconteceu em 1812, os russos, por meio de uma série de operações militares, continuaram o avanço a oeste e libertaram os países da Europa Oriental um a um. Polônia, Tchecoslováquia, Romênia, Iugoslávia, Hungria, Bulgária. No front ocidental, os aliados ocidentais expulsaram as guarnições alemãs da França e dos Países Baixos. O regime de Mussolini na Itália também caiu ante os golpes aliados e o próprio Mussolini foi morto e executado pelos partisans italianos.

A marcha russa a oeste não para por ai. Tropas soviéticas não apenas ocuparam partes do norte da Noruega, como também as regiões orientais da Áustria e da Alemanha. Junto com os avanços soviéticos, os presos nos campos de concentração construídos pelos nazistas também são libertos. E no fim das contas aconteceu aquilo que Magda von Zanac vislumbrou: o Exército Vermelho não apenas tomou Berlim, como também hasteou a bandeira vermelha no Reichstag.

Ante os avanços dos aliados ocidentais pelo oeste e da União Soviética pelo leste já em território alemão, Hitler se matou em seu bunker, e após o fim da guerra na Europa muitos dos nazistas de alto escalão foram julgados no Tribunal de Nuremberg. Alguns foram presos e amargaram longos anos na prisão, como foi o caso de Rudolf Hess. Outros tiveram sorte melhor e lograram fugir para locais como a Argentina e o Brasil através de rotas de fuga conhecidas como “ratlines”. Outros tiveram sorte ainda melhor, como é o caso do cientista Werner von Braun, construtor dos mísseis V-1 e V-2 que após a guerra passou a trabalhar para os EUA e ajudou a desenvolver o programa espacial norte-americano.

Assim como aconteceu com o avô paterno ante o fim da Primeira Guerra Mundial e os tratados de paz que desmembraram a Áustria-Hungria, a história se repetiu com seu neto Rudolf com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Com a queda e dissolução do Terceiro Reich, tanto a Alemanha quanto a Áustria foram submetidas a zonas de ocupação aliadas. Tropas da União Soviética, dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França passaram a ocupar ambos os países. Posteriormente, a Alemanha foi dividida em duas nações distintas, a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) a oeste e a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) a leste, ao passo que a Áustria logrou manter sua unidade sob um regime republicano, a Segunda República Austríaca.

O fim do Terceiro Reich foi um baque muito grande para Rudolf von Zanac, verdadeiro balde de água fria. Ver os tão odiados comunistas não apenas virarem o jogo e frustrarem com os planos de Hitler de fazer da União Soviética uma espécie de equivalente germânico do Oeste Americano ou da Índia Britânica, como também avançarem a oeste, aniquilarem com os regimes filo-fascistas aliados a Hitler na Europa oriental e ainda por cima, de cereja do bolo, soldados do Exército Vermelho hastearem a bandeira vermelha sobre o Reichstag e ocuparem as regiões orientais da Áustria e da Alemanha. Após o fim da guerra na Europa, o Exército Vermelho também expulsou as guarnições do Exército Japonês na Manchúria, no norte da Coréia, das ilhas Kurilas e do sul da ilha Sakhalin, desempenhando assim papel decisivo na rendição do Japão (aliado de Hitler durante a guerra).

Para Rudolf, o resultado da guerra, olhando para trás, foi como se a Alemanha hitlerista estivesse tão perto e ao mesmo tempo tão longe da vitória final tão almejada. E com a queda da Alemanha hitlerista, alguns dos maiores sonhos de Rudolf viraram pó, incluindo o grande sonho dele: se tornar um membro de alto escalão da SS que nem o pai.

Após o término do conflito, ele resolveu entrar para o submundo do terrorismo e aderiu ao grupo Schwarze Totenkopf (Caveira Negra, em alemão), um grupo de orientação ideológica neofascista que almejava a expulsão das tropas aliadas da Alemanha e da Áustria e, em última instância, a eliminação dos regimes republicanos que emergiram na Alemanha e na Áustria após o fim da guerra e a criação do Quarto Reich, que na visão da cúpula do grupo terrorista seria o sucessor direto e legítimo do Terceiro Reich e que daria continuidade ao que foi iniciado em 1923. Tal como os nazistas, a Schwarze Totenkopf não apenas não era nem um pouco simpática a judeus, como também advogava ideias de pangermanismo, só que ainda mais avançadas e ambiciosas: ela queria a unificação não apenas da Alemanha e da Áustria sob uma única autoridade, como também de todas as outras nações de língua e etnia germânica. O que também iria incluir países como a Holanda, as nações escandinavas (exceto a Finlândia, por conta de seu parentesco étnico-linguístico com a Hungria) e até mesmo a Inglaterra nesse projeto.

A Schwarze Totenkopf, além de promover linchamentos de judeus e ciganos e atentados a bombas em Salzburgo e outras cidades do norte da Áustria contra as tropas aliadas que passaram a ocupar a Áustria após o fim da guerra, também ajudou muitos nazistas foragidos e condenados por crimes contra a humanidade, a fugirem da Europa rumo a destinos como a Argentina, o Uruguai e o Brasil. Para isso, eles ajudaram a emitir passaportes e documentos falsos dos mesmos. No começo da organização, também chegaram a fazer campanha pela libertação dos famigerados cossacos de Lienz[1], então sob o cárcere soviético.

A ascensão de Rudolf na Schwarze Totenkopf foi tal que ele se tornou uma das principais lideranças do grupo. Polpudas recompensas foram oferecidas a quem soubesse do paradeiro ou mesmo o capturasse vivo. Os jornais da época o retratavam como um louco terrorista que ameaçava a jovem democracia austríaca. E, como não poderia deixar de ser, dividia a opinião das pessoas a respeito dele. Havia aqueles que admiravam ele e os membros da Schwarze Totenkopf por sua resistência contra a ocupação aliada, outros os detestavam por conta das inclinações ideológicas deles e do uso de terrorismo por eles empregados.

Mas, enquanto Rudolf von Zanac aprontava das suas no submundo do terrorismo e se tornou o terrorista mais procurado de toda a Europa, algumas coisas aconteciam na casa da mãe dele. Certa vez, o irmão dele, Fedor, o interpelou após mais uma das reuniões da organização. E ele contou que a saúde da mãe deles, agora uma senhora de meia idade, declinava a passos largos. Não apenas sofria de demência e doença de Alzheimer, como também teve um AVC e as faculdades mentais dela já estão bem debilitadas. Rudolf alega que não pode por conta de sua militância na Schwarze Totenkopf, e que ele não queria envolver a mãe caso uma hora ele venha a ser capturado pelas tropas de ocupação aliadas. Mas Fedor, assim como os outros irmãos dele, acha que isso não passa de conversa fiada da parte dele. Ainda mais levando em consideração que Rudolf é o filho favorito da Frau Magda von Zanac.

Por conta de sua militância na Schwarze Totenkopf, ele passava cada vez mais tempo fora de casa e não dava atenção à situação de saúde da mãe. E não deu outra: Rudolf, cada vez mais distante da mãe, literalmente a abandonou no momento em que ela mais precisava de seu apoio. E ela morreu em 1948, aos 54 anos de idade, já muito debilitada por conta do Alzheimer e dos AVCs que veio a sofrer nesse ínterim, por conta de um ataque cardíaco fulminante. Ela morreu em um asilo para idosos, sem que o filho a tivesse visitado uma única vez. Nem mesmo compareceu ao velório da mãe.

Dois anos após a morte da mãe, Rudolf vai aos Estados Unidos, na condição de embaixador da Schwarze Totenkopf, se encontrar com membros da KKK (Ku Klux Klan) na cidade de Nova Orleans, no Estado da Louisiana. Rudolf, assim como o finado pai dele, admiram muito os Estados Unidos por conta da legislação racial lá vigente principalmente nos Estados Unidos, por meio das leis Jim Crow, as quais surgiram a partir dos anos 1870, na sequência do fim da Guerra de Secessão do governo Lincoln e o período de reconstrução que a seguiu.

No meio de sua estadia em Nova Orleans, no tempo livre entre os encontros e tratativas com membros da Ku Klux Klan, ele resolveu passar por um dos bares da cidade banhada pelo rio Mississipi. Se há algo que Rudolf gosta muito é de uma boa cerveja, ainda mais feita de puro malte, e quis passar um tempo no bar para tomar um pouco de cerveja.

Rudolf se senta em uma das mesas do bar, e após fazer o pedido ao garçom começa a reparar na voz que está escutando enquanto espera o pedido. É uma voz angelical, conclui ele. Ele olha para trás, e vê uma beldade de estatura média, cabelos ruivos e cacheados e olhos castanhos cantando no palco do bar. Ao ver a beldade em questão, Rudolf começa a sentir sensações que nunca antes sentira antes em sua vida.

No intervalo entre uma música e outra, Rudolf e a cantora trocam olhares, ainda que brevemente. O frisson é mútuo. Minutos mais tarde a apresentação se encerra, a cantora arranca aplausos da plateia, incluindo do próprio Rudolf. Ela agradece aos aplausos, e responde que é receber estes aplausos é muito gratificante, colher os frutos do duro trabalho que ela faz algum tempo vem desenvolvendo, e que é graças a tais aplausos que ela se sente inspirada a cantar e a escrever belas canções. Rudolf, por seu turno, tão logo termina a sessão, vai lá pessoalmente conversar com a cantora, que se identifica como Maria Howard. Pelo visto, o amor no ar está.


NOTA:

[1] Grupo de colaboradores russos dos alemães na guerra que após o fracasso da ofensiva alemã contra a União Soviética tentaram bandear para o lado da Inglaterra ao fim da mesma, mas que foram entregues pelos próprios ingleses à União Soviética. Julgados e condenados à morte na prisão de Lefortovo, em 1947. A história dos cossacos de Lienz serviu de pano de fundo para a vingança de Alec Trevelyan, o agente 006, contra a Inglaterra no filme “007 vs Goldeneye” (1995).

1 Comentários

  1. Chegamos ao cenário "entre-guerras", um dos períodos mais turbulentos da história da humanidade.

    Os personagend narrados ,além de testemunhas oculares da história,ampliam os horizontes se envolvendo com a terrível Ku Klus Klan, passando a atuar na América,com o despontar dos EUA, como a maior superpotência do planeta.

    Bela aula de geopolítica!

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