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Além das Fronteiras - Viagem 5


Um período que eu fiquei muito assoberbado chegou aqui, pessoal. Eu quase não tinha tempo de escrever.
Levei algum tempo para arrumar as coisas, mas quando as arrumei, a inspiração veio quase imediatamente... Terminei muita coisa, e muita coisa ainda está em andamento.
Espero que curtam este capítulo, é o término de um dos quatro arcos que planejo para esta história.
Obrigado!
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Tudo naquele passeio que Eduardo e Cintia realizaram foi calmante. Uma passada em um shopping para olhar as vitrines, seguido de uma visita a um zoológico e a um museu. Era final de semana, e o trânsito dava uma trégua. 

Os dois constantemente olhavam um para outro, sorriam e disfarçavam, mas o estrago já estava feito desde a convivência na fenda espaço-temporal: havia um sentimento muito forte entre os dois, algo que nenhum deles poderia negar. 

Foi quando o inferno começou. 

Duas semanas depois de voltar à Terra, Eduardo aproveitou esse tempo para ir ao médico e fazer vários exames, para entender se sua ‘excursão’ à fenda espaço-temporal o havia afetado de alguma maneira, e a boa notícia foi que não, ele estava bem. 

Foi quando as investidas de Clarissa começaram a aparecer, pesadas. 

Ela estava convencida de que ele não havia embarcado em nave alguma, que tudo aquilo havia sido encenação, e que ele queria era se livrar dela. 

A batalha emocional que se sucedeu foi horrível, Clarissa não deixava ele em paz o dia inteiro, até que ela voltasse a trabalhar. Foi quando ele teve uma folga. 

A está altura do campeonato ele já havia voltado às suas funções dentro da aeronáutica brasileira, dando andamento a seu cotidiano e Cintia estava morando com ele, aproveitando para adquirir equipamento para que ela pudesse trabalhar como programadora freelance enquanto não conseguisse um emprego formal. 

Em um determinado dia, numa sexta-feira, Eduardo tinha tirado o dia de folga para si, pois não havia muito o que fazer no quartel que não pudesse ser delegado. Quando se levantou cedo para tomar café, precisou receber alguém que ele queria muito, muito receber... O oficial de justiça. Significava que a ação que ele havia movido para instaurar o divórcio tinha chegado à audiência de tentativa de conciliação - que obviamente não aconteceria. 

No momento seguinte em que ele assinou o documento e deixou o pobre homem ir embora, seu telefone tocou. Era Clarissa. 

  • - Então é isso que você está tramando por trás de mim, Eduardo? Não vou te dar o divórcio! Nunca! Não vai ficar com essa lambisgóia, não vai mesmo! Não enquanto eu estiver viva!! 

  • - Bom dia pra você também, Clarissa. Toda essa reação significa que você recebeu o oficial de justiça. Isso é bom. 

  • - Você quer tanto assim se livrar de mim, Eduardo? 

  • - Nosso relacionamento já tinha acabado antes mesmo de eu ir àquela viagem que quase deu cabo da minha vida. Você que decidiu perseguir sua carreira ao invés de focar em nosso relacionamento. E, de repente, por causa de eu ter quase morrido, você achou que ainda tínhamos pique para continuar nos relacionando? Sério mesmo, Clarissa? Às vezes acho que você me vê como um brinquedo que tinha perdido a graça. 


Era fácil entender a reação de Clarissa. Ela chorava ao fundo, com o telefone preso ao rosto. Claro que ela não fazia de propósito, sua intenção poderia até causar desconforto a Eduardo, mas não achou que ele retaliaria em sua área de expertise. 

No momento seguinte, ela desligou a ligação. Um baque surdo pôde ser ouvido na casa, ela tinha lançado o celular longe, não querendo mais o aparelho por perto. 

Eduardo respirou fundo, sabia que o dia chegaria e que ele teria que enfrentar. Mas com o oficial de justiça tendo entregue o documento, já era uma etapa vencida – ela não havia conseguido embargar o processo de dentro, porque não sabia que ele estava acontecendo. 

Cintia chegou lentamente até Eduardo, que se sentava no sofá da sala, curvado, com as mãos no rosto, tentando respirar e mandar a má energia para outro lugar... E resolveu não falar nada. Sabia que aquele conflito todo estava minando as forças dele e que ele teria de suportar até o caso acabar. 

  • - Cintia, desculpa por fazer você passar por tudo isso. Você não merece. A Clarissa realmente não tem noção do que faz. 

  • - Não precisa se preocupar. Você tem sido transparente desde o começo, eu vejo o que ela está fazendo e do que ela está me chamando. Acha que estamos traindo a confiança dela. 

  • - Ainda bem que não preciso explicar a você como ela está funcionando, que você percebeu tudo perfeitamente. Mas isso não impede de eu te pedir desculpas por tudo o que ela está fazendo e o que deve estar te causando. 

  • - Relaxa... Quando tudo isso acabar, nós conversamos. 


A resposta tinha duplo significado, um deles, oculto, ficou longe da percepção de Eduardo, que não se deu ao trabalho de tentar entender se havia ou não. Sua vida estava cheia de sentimentos que não o pertenciam, mas que ele precisaria trabalhá-los. 

A audiência com a tentativa de conciliação aconteceria dali a duas semanas. Porém, diferente das semanas anteriores, Clarissa deixou Eduardo em paz… Não falou com o marido até o dia em que a audiência estava marcada. Sabia que ela deixaria para atacá-lo no dia, alegando adultério. Ele sabia muito bem como funcionava a mente de sua ex esposa. 

E, graças a isso, o tempo passou rapidamente. Quando o dia chegou, Eduardo pediu a Cintia que ela visitasse outro lugar, para não ficar em casa, justamente para não ser alvo de qualquer coisa relacionada ao que ele enfrentaria naquele dia, e ela aceitou. 

Vestido com seu tradicional terno de ocasiões importantes – com os broches de patente, Eduardo seguiu para o local da audiência. Deixou o carro fazer o trajeto com velocidade tranquila e dedicou o tempo da viagem para pensar em tudo o que foi o relacionamento entre os dois. Lembrou-se de quando os dois se conheceram, como ele a pediu em namoro, quando ele a pediu em noivado, e quando se casaram. 

Lembrou-se como eram os primeiros dias de casado, e então os primeiros meses. Quando o primeiro ano se passou, ele estava feliz de estar com ela. Quando passou a primeira década, o relacionamento havia esfriadoAo ponto de não ter mais sequer um beijo de bom dia. Ambos apenas conversavam sobre o dia um do outro, trocavam algumas piadinhas… Era como houvessem se tornado apenas os amigos que eram antes do relacionamento. 

E ele sentiu falta disso. 

E toda a reação que ela teve quando ele voltou daquela malfadada viagem de trabalho que quase culminou em sua morte e quando ele conheceu Cintia. 

Ah, Cintia. 

Não era momento de ele pensar nela, mas só de lembrar como os dois haviam se conhecido, de maneira não convencional, ele colocou essa lembrança boa de lado e focou nas lembranças com Clarissa. 

Primeiro, o retorno. O fato de ela ter reagido como reagiu, histérica, como se ele tivesse morrido. Bêbada, fedida, suja, completamente fora do padrão que ela ostentava enquanto estava em alta. Achou que Cintia fosse uma amiga à primeira vista, mas claramente ela seria atacada em qualquer momento que ela entendesse que havia alguma coisa entre os dois. 

Depois, o ataque histérico. Que ela não suportava viver sem ele. E, por fim, os ataques morais, xingando até que ele desistisse do divórcio. 

Era outra mulher, não era mais a mesma Clarissa que ele havia conhecido, se apaixonado e casado. Essa Clarissa ele não conhecia. 

Ou melhor, era um lado dela que ele não conhecia. 

Depois disso, ele chegou ao prédio da audiência. Seu advogado esperava à porta, com um sorriso triunfante no rosto. Poucas pessoas desafiavam um militar, ainda mais de alta patente como Eduardo era. Apenas civis que não conheciam como a estrutura da corporação era. 

- Ela já chegou? – Perguntou Eduardo a seu advogado. 

- Ela madrugou. Mal o fórum havia aberto, ela já estava aqui com o advogado dela. A juíza chegou tem cinco minutos, mas essa juíza sempre chega um pouco antes da audiência. Você está pontual. Vamos, antes que ela alegue atraso. 

E ele caminhou lentamente, subiu em um elevador, que o levou até o salão. 

Era uma mesa simples, porém grande. Não tinha adornos, feita apenas para ser funcional, mas havia beleza em sua simplicidade. 

Clarissa olhou para Eduardo com um olhar de quem suplica o término daquilo, que os dois pudessem voltar a ser felizes. O advogado dela? Indiferente. Tinha o mesmo ar de distante de Clarissa de antes da viagem, um terno risca-de-giz preto, cabelo engomado e penteado para trás. Os olhos? Os de uma raposa velha, não parecia ser um profissional confiável. 

Na outra ponta da mesa, a juíza. Vestia um vestido preto simples, sem destaques, opaco. O que mais lhe chamava a atenção era a toga que vestia, padrão destes tipos de procedimento. Sua pele negra tornava tudo ainda mais impactante, como se fosse uma grande líder amazona se preparando para ditar justiça para dois seguidores desobedientes. Seus olhos eram firmes e ela parecia calejada de audiências como aquela que ela teria pela frente. 

O rosto dela lhe era familiar, mas ele não conseguia se lembrar de onde. Afastou este pensamento com um repelão mental e sentou-se, em linha reta de Clarissa, ao lado da juíza. 

  • - Muito bem - começou a juíza - Vamos começar esta audiência de conciliação. 

E a audiência havia, de fato, começado. O advogado de Clarissa estava apelando para os sentimentos, que ‘sua cliente’ não desejava se separar do marido, usando de várias táticas mentais escusas para que Eduardo se arrependesse – isso em um primeiro momento. Depois de algumas tréplicas da quarta argumentação, o advogado mudou o rumo da conversa. 

Agora mostrava fotos de Eduardo com Cintia, que o adultério era comprovado. Começou a jogar todos os argumentos que Clarissa cansou de jogar na cara de Eduardo, e depois de uma defesa ‘apaixonante’ de Clarissa pelo que lhes pareceu cinco minutos ininterruptos. 

  • - Excelência, aqui tenho todos os comprovantes de ponto de Eduardo até a viagem, fotos de satélite que comprovam sua saída do planeta, vídeos internos da nave que foram transmitidos dela para a nossa central, provando que ele estava a bordo, até o presente momento em que a nave explodiu e desapareceu de nosso radar, assim como o momento em que ele retornou, com o registro da chamada efetuada via satélite partindo do Atol das Rocas, perto do litoral do nordeste brasileiro.  


Clarissa ficou surpresa. Ele não tivera tempo de contar nada disso para ela por causa de tudo o que ela tinha feito... Ele experimentou algo muito extremo só para voltar. 

  • - Meu cliente esteve desaparecido por dois anos... E fez de tudo para voltar. O que a senhorita fez? O acusou de adultério. Ao invés de sentar-se, conversar e entender o que estava acontecendo, o atacou.  


Clarissa olhou para aquela imensa quantidade de detalhes sobre a viagem de Eduardo e o que ele tinha passado não era brincadeira. 

Depois de algum tempo discorrendo sobre o ocorrido, inclusive com os relatos tanto dele quanto de Cintia pelo plano de espaço-tempo paralelo em que os dois ficaram por tanto tempo, Clarissa entendeu o que havia acontecido e que o marido havia, sim, sido salvo por ela e seu conhecimento profissional. 

E ela se sentiu envergonhada por tudo o que havia feito. 

Ao final, foi possível ver que ela não se importava mais com o resultado que aconteceria ali, se ela voltasse com ele, ficaria imensamente feliz, tentaria mudar tudo e estar com ele de verdade. Lembrou-se da última conversa amistosa que tivera com ele, por videochamada, e ela citou a possibilidade de filhos, possibilidade essa que não aconteceria mais, caso tudo acabasse ali... 

... E foi quando a juíza proferiu a decisão, tirando ela de seu momento catártico. 

  • - É possível ver aqui que o casal não está mais conectado. Não há chance de volta por parte dos dois, uma das partes está agindo apenas por egoísmo e egocentrismo. Finalizo esta audiência por aqui, daqui a 24 horas a certidão de divórcio será entregue para os dois. Caso tenham bens a contestar, podemos marcar uma segunda audiência. Temos? - Terminou, perguntando ao casal. 

Eduardo foi rápido a dizer que não, tudo o que era dele estava em seu nome, mas o apartamento estava em nome dela. Ele compraria um novo, levando seus automóveis, roupas e pertences pessoais consigo. Ela também não refutou, sabia que o agora ex-marido era um homem correto. A casa era dela, mas nenhum dos automóveis era, sequer o automático. 

Ao passo que tudo se encaminhava para o fim derradeiro, Clarissa pediu para conversar com Eduardo antes de irem para destinos diferentes... Os dois advogados e a juíza aceitaram. 

Os dois estavam naquele momento em uma pequena sala, de linhas retas, sem adornos e com duas cadeiras simples. 

  • - Me desculpe, Edu. De verdade. Eu não sabia de nada disso, e nem te dei tempo de contar nada do que aconteceu. Sei que agora não tem mais volta, você vai para um lado e eu vou para outro. Não vou mais te pedir para voltar, fica tranquilo. 

  • - Obrigado. Era o que eu queria ter ouvido de você desde o começo. Não tem problema algum, só quero que você viva feliz, afinal de contas ainda somos amigos, não? 


Clarissa demorou um pouco para responder. Era uma pergunta delicada que o liberaria de uma futura volta a um relacionamento, ou não. Mas, depois de tudo o que acontecera ali, ela entendeu que era um momento para ela se reconstruir, um momento que ela precisava estar sozinha. 

E este momento havia aparecido. E ela o aproveitaria. 

  • - Claro que sim. Apesar de não estarmos mais juntos, amizade é pra vida inteira. 


Eduardo estendeu a mão para Clarissa e a cumprimentou, com um olhar de agradecimento, saindo da sala em seguida. Ela ficou, por ainda mais alguns minutos. Precisava processar tudo o que havia acontecido ali. 

Eduardo chamou seu advogado e assim eles deixaram o local. 

  • - Carlos, obrigado por toda a ajuda. 

  • - Não foi nada, Edu. Só estou devolvendo a ajuda que você me deu no meu início de carreira. Só tenho dois anos de experiência na área agora graças a você. 

  • - Um pelo outro sempre, meu caro. Um pelo outro. Eu até acho que vou pedir ao alto escalão para juntar você à minha equipe, afinal de contas, já estamos há algum tempo sem um representante legal. 


Os olhos de Carlos brilharam. 

Entrando em seu carro esportivo, Eduardo foi se dirigindo ao hotel. 

Tinha muita coisa para conversar com Cintia. 

2 Comentários

  1. Um processo de separação nunca é fácil . Afinal , é uma história em comum.

    Você soube retratar esse momento delicado e decisivo da vida de um casal , mostrando todas as nuances possíveis e os sentimentos de ambos lados.

    O cuidado que você narrou o divórcio , foi algo único aqui na Mindstorm.

    Salvo engano, foi a primeira vez que leio algo nesse sentido.

    Texto primoroso! Só tenho que te parabenizar por isso!

    Que o Eduardo tenha paz ao lado de Cinthia!







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    1. Digamos que eu usei um pouco de experiência pessoal para retratar esse. Mas logo mais eu creio que termino, a história era pra ser curta e inspiração veio. Abraço.

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