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Vingança

Bom dia, boa tarde, boa noite prezados.

Este conto foi uma epifania que me foi causada enquanto eu trabalhava.

Espero que curtam.

Aviso: Trata-se de um conto para maiores de 18 anos, então leia por sua conta e risco caso você seja menor de idade.

 

 

 

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São Paulo, Dia dos Namorados, 2025. Anderson mal podia se conter para dar o presente que havia comprado para sua namorada, Priscila. Ele havia comprado antecipadamente, aproveitando que havia recebido o décimo terceiro salário no final do mês anterior, economizando para comprar um bom presente, junto de uma aliança de compromisso.

Ele dirigia por São Paulo para chegar à casa de sua namorada, queria fazer tudo direito. O trânsito era chato, mas ele enfrentava qualquer coisa para ver o sorriso no rosto de Priscila. Ela era tudo para ele, ele não conseguia mais viver sem ela, literalmente falando. O sentimento que ele tinha por ela era muito, muito forte.

Ele sequer sentiu raiva quando um homem cortou sua vez, passando apressadamente à frente dele, quando ele estava prestes a chegar na casa dela. Ele estava mais ansioso em dar um presente a ela do que brigar no trânsito, como normalmente faria.

Chegou na casa dela, e ao chegar na porta, já achou estranho, ela estava entreaberta, Priscila nunca deixava a porta daquele jeito. Anderson entrou na casa de Priscila, fechou a porta e foi procurá-la. Na sala ela não estava, porque era o primeiro cômodo que ele visualizou quando entrou na casa dela. O ambiente familiar agora lhe dava arrepios, tamanha ansiedade.

Foi até a cozinha, de estilo americano, de cores claras, mas ela também não estava lá. Voltou para a sala, e por ela acessou o andar de cima, através da escada de alvenaria que havia ali.

Era uma escada de, mais ou menos, uns 4-5 metros de altura, assumindo uma curva para a esquerda ao chegar ao topo, onde havia o quarto dela, o banheiro (o que fazia do quarto dela uma suíte), e uma porta para uma pequena sacada, que ela manteve alguns canteiros de flores. Ele mal terminou de subir as escadas e percebeu que a porta do quarto dela também estava entreaberta, coisa que ela realmente nunca fazia.

A ansiedade já se transformava em angústia, ele já se preocupava se ela estava bem ou não. Andou lenta e silenciosamente, para ver se conseguia ouvi-la, mas além de não conseguir ouvi-la, ouvia o chiado de uma televisão de tubo que ela tinha dentro do quarto. Era muito, muito estranho.

Foi quando ele entrou no quarto e, instantaneamente, seus olhos lacrimejaram, ele ficou boquiaberto, tampando sua boca com uma das mãos logo em seguida, tremendo muito.

Sua amada Priscila jazia morta e ensanguentada, em cima da cama, um furo no meio da garganta. Ele foi rapidamente perto dela, tentou sentir a pulsação de seu coração, colocando seus dedos no pulso dela, e constatou que já estava sem vida, sequer o peito dela se movimentava, o que mostrava que ela realmente não estava mais ali.

Com as mãos trêmulas, ele puxou seu smartphone do bolso e ligou para a polícia, denunciando o caso de assassinato. Os pais de Priscila moravam no interior, ela vivia na capital porque trabalhava ali. Antes que os policiais chegassem, Anderson olhou para o lugar como um todo e não achou nada que remetesse ao (à) assassino (a), sequer a arma do crime. Era esperado de alguém que não tinha o olhar treinado para a busca de pistas.

Foi quando ele se lembrou daquele homem que o fechou pouco antes de Anderson chegar naquele lugar e encontrar Priscila, ele não viu o rosto do homem, ele estava tão apressado que podia ser qualquer um. Mas ele lembrava do carro. Era um Gol quadrado preto, com as janelas insul-filmadas a cerca de 50%, o que permitia ver a pessoa com um certo grau de desfoque. Mas, por estar com pressa, ele também não prestou atenção na placa. Normalmente ele se lembraria, mas aquele caso era diferente.

Anderson lembrou-se da última conversa que teve com a namorada, em como o ex dela estava sendo chato, que a perseguia demais, que não aceitava o fim do relacionamento, que havia acontecido no ano anterior. Ele não conhecia o cara e tampouco sabia onde ele morava, mas basicamente o conhecia pelas descrições que ele lembra de terem sido feitas por Priscila.

Enquanto os policiais não chegavam, ele sentou-se no chão e fez a única coisa que ele podia: chorar. Havia perdido sua amada e ele já não podia fazer mais nada. Ela havia ido embora para sempre.

Seu coração doía mais do que ele pensou que poderia. Foi quando ele entendeu que quando ele falava que ‘não conseguia viver mais sem ela’, não era exagero. Ele não sabia mais o que fazer da própria vida. Naquele momento escuro e sombrio, o desespero tomou conta dele, mas ele decidiu ver o que iria acontecer, afinal de contas, não queria que o trágico fim de sua amada fosse o de esquecimento. Ela mesma teria dito a ele para viver.

Poucos minutos depois daquilo, a polícia chegou, e já emendou fazendo várias perguntas. Era óbvio que ele seria o principal suspeito, mesmo ele tendo denunciado à polícia quando viu. Ao conversar com eles, já construiu para ele um álibi, fazendo com que os policiais entendessem que ele não estava com ela quando ela se foi.

Mas era certo que ele queria que ela ainda estivesse ali, lhe dando bronca, mas lhe enchendo de beijinhos. Sequer tiveram chance de se despedir… Logo Anderson começou a nutrir um desejo de vingança, de tirar a vida daquele que tirou sua a amada de si.

Aquela cena em que ele a encontrara sem vida ficou gravada para o resto de sua vida em suas retinas, nunca mais esqueceria o jeito com que a havia perdido.

O policial pediu que ele lhe passasse seu endereço e telefone, para que pudesse ser notificado assim que a investigação fosse concluída. Pediu que apenas removesse o corpo dali depois que o investigador chegasse, o que não demorou muito, e ele fez o registro de seu trabalho rapidamente, passando a investigar apenas o cenário do crime, não sendo necessário mantê-la ali.

Enquanto aguardava o investigador fazer seu trabalho, Anderson ligou para os pais de Priscila. Eles já se conheciam, ele já havia manifestado a vontade de se casar com ela… E quando ele contou a eles, em um primeiro momento eles acharam que era apenas uma pegadinha, uma piada sem graça. Mas não era.

Anderson contou tudo o que sabia aos pais de Priscila, inclusive o jeito com que ela foi encontrada, no qual ele pôde dar riqueza de detalhes. Não esqueceria nenhum detalhe daquela cena aterrorizante. A primeira a desabar em lágrima foi a mãe de Priscila. Ela havia perdido seu bebezinho, aparentemente por causa de um ex desalmado.

Logo foi possível escutar um baque do outro lado da linha, era o pai dela que havia desmaiado por causa do acontecido. Ele era cardíaco, aconteceria de sua futura sogra ficar sem dois membros de sua preciosa família? Não dava para saber se ele ficaria bem depois que tudo acabasse, era um baque gigante, sua preciosa menininha acabara de deixá-los, para nunca mais voltar.

Depois que Anderson combinou o encontro com os pais de Priscila para decidir o que fazer com ela, ele mesmo havia decidido que ficaria ali, no apartamento dela, naquela noite. Dormiria no sofá, a deixaria na cama até que pudesse ter seus pais naquele lugar.

Passaram-se alguns dias desde o dia fatídico da partida inesperada de Priscila. Os pais dela vieram, conversaram com Anderson, e vendo o estado devastado com o qual ele se encontrava, sabiam que ele a amava além do que eles haviam imaginado previamente. Aquilo não os havia deixado felizes, mas sim, aliviados de ter sido ele a ter encontrado ela primeiro. Deu todo o tratamento que ela merecia com tal triste fim.

A investigação passou para as câmeras de segurança do prédio, que foi constatada a presença de um homem que cometeu o assassinato, cujo rosto ninguém conhecia a não ser ela, aparentemente. Mas a câmera o captou com riqueza de detalhes.

Parecia ter seus trinta anos, branco, rosto imberbe, olhos castanhos, cabelos encaracolados e castanhos, nariz proeminente, queixo levemente quadrado com um furo na ponta, orelhas pequenas. Anderson memorizou o rosto naquele momento, tomado pela fúria de saber quem havia lhe tirado sua amada.

A informação que se tinha era que o homem em questão fazia parte de uma seita que matava mulheres que rejeitassem seus membros de alguma maneira. E se ele era ex-namorado dela, a rejeição era mais do que clara.

Neste meio tempo em que esperava o resultado, Anderson estudou muito sobre investigação criminal, como realizá-la, quais técnicas poderia utilizar. Óbvio que ele ainda era um iniciante, mas ele mesmo queria descobrir quem era aquele homem.

Com a placa, foi descoberto o endereço do proprietário do carro, e também foi descoberto que o carro era roubado, pertencente a uma pessoa que, aparentemente, nada tinha a ver com o assassino.

Anderson vivia seus dias de luto, de angústia. Realmente havia desaprendido a viver sem a namorada, e não queria mais nada senão conseguir se livrar daquele que a havia eliminado. A angústia se tornara desejo de vingança, e embora os policiais o houvessem aconselhado a não tomar tal medida porque isso o prejudicaria, porém Anderson havia ignorado o conselho dos policiais.

Faria justiça com as próprias mãos.

De posse do endereço do proprietário do carro, Anderson foi atrás, para ver se esta pessoa tinha algum envolvimento com ele. Chegou a pé para não chamar atenção demais, e começou a sondar aqui e ali. Descobriu que o carro pertencia a um dos vizinhos dele, e que este havia pegado o carro sem autorização, por isso já havia sido denunciado como furtado.

Em um fim de semana, sem saber disso ainda, Anderson havia descoberto mais do que a polícia havia feito em mais de uma semana de investigação. E ainda mais, Anderson ficou amigo dos parentes do assassino, convivendo com eles por alguns dias.

Infelizmente chegou a hora do enterro de Priscila, e Anderson queria estar lá para dar o último adeus à sua amada, e assim aconteceu. Ele vestiu-se todo de preto, roupas formais. Ela merecia este capricho para uma despedida. Toda a cerimônia havia assumido um tom solene, coisa que ela não teria gostado em vida porque ela era uma garota alegre, mas todos estavam devastados e não conseguiam pensar direito.

Anderson passou mais alguns meses investigando o caso por conta própria, havia deixado o trabalho para fazer isso... A vingança havia virado uma obsessão. Porém, o contato com a família do assassino estava gerando frutos, sabia da relação dele com os parentes, com os filhos, com a esposa, e que ele havia sumido pelo mesmo tanto de tempo que Priscila havia sido morta, o que complicava ainda as coisas.

Então ele foi juntando as migalhas e descobriu, em um determinado dia, em que lugar aquele homem estava. Mal podia conter-se com uma felicidade mórbida, ele finalmente eliminaria aquele homem.

Sabia que isso não traria sua amada namorada de volta e que sequer ela gostaria que ele fizesse aquilo, mas agora era tarde demais para ele. A vingança o havia consumido, havia se tornado uma obsessão. Não sabia o que aconteceria com Anderson depois que ela se consumasse, mas uma coisa era certa... Não desistiria. Iria até o fim, mesmo que isso significasse não ser o correto a ser feito.

Anderson foi até o lugar onde ele havia descoberto estar o assassino, e ele estava com outra família, outra esposa, outros tudo. Aquilo ferveu o sangue de Anderson, não havia motivo algum aparente para que ele tirasse sua amada dele.

Depois de descobrir onde ele morava com a outra esposa e os outros filhos, decidiu que não mataria as crianças e a mulher, apenas ele mesmo. Descobriu, no mercado negro, onde ele podia comprar uma arma com um silenciador. Não queria que ouvissem quando ele se vingasse.

Depois de mais algum tempo planejando e acompanhando o dia a dia do monstro, Anderson planejou como seria a ação. Sabia que, uma vez por semana, no domingo à noite, ele ficava inteiramente sozinho na parte de trás da casa, fumando, bebendo ou qualquer outra coisa, por cerca de duas horas. Era o período perfeito para que ele fizesse o que queria fazer, e ir embora.

E o final de semana seguinte era o momento ideal, porque a mulher e as crianças já teriam partido para um período de férias, que iniciaria na semana seguinte.

Quando a van contendo a mulher e as crianças foi embora, virando a esquina da rua da casa simples, Anderson foi se aproximando lenta e deliberadamente. Sabia que seria rápido, que seria indolor se ele não avisasse, mas ele queria que o assassino gravasse em sua retina, em seus últimos momentos de vida, o rosto de alguém que havia sofrido por perder a amada.

E Anderson entrou na casa do assassino, silenciosamente andando até os fundos. Não prestou atenção no local, estava focado em conseguir consumar sua vingança. E, ao chegar aos fundos da casa, viu o homem, com um sorriso no rosto, tomando uma cerveja de marca qualquer em lata.

Com quatro tiros precisos, ele acertou os dois braços e as duas pernas, incapacitando os membros dele. Quando este sentiu a dor, já estava caindo no chão do quintal, sentindo seu mundo explodir em dor.

Anderson aproximou-se em êxtase, tudo estava correndo conforme ele queria. Mesmo se ele fosse preso ou morto, valeria a pena fazer o que estava prestes a fazer.

- Muito boa noite, seu canalha. Está gostosa a dor que você está sentindo?

A voz de Anderson estava cheia de rancor, rouca depois de tanto tempo sem falar com ninguém.

- Quem é você? - A voz do assassino tinha tons claros de dor que sentia por ter seus membros alvejados.

- Eu sou aquele de quem você tirou uma pessoa muito preciosa. Uma garota, cerca de 30 anos, morena, olhos cor de mel... O nome dela era Priscila.

O assassino arregalou seus olhos pretos. Ele sabia que a conta por aquele assassinato chegaria, mas não tão cedo e não de maneira tão fora da lei quanto a que estava acontecendo.

- Entendo. Você deve ser o namorado dela. Anderson, se não me falha a memória.

- Até isso você pesquisou, seu filho de uma puta? Queria saber se alguém atrapalharia o seu pequeno plano, não é mesmo? O que foi que ela te fez para você fazer o que fez? - A voz de Anderson era pura fúria, descontrolada, semitonando em vários momentos, esganiçando-se nos momentos finais da frase.

- Vai me dizer que você não fez a mesma coisa pra vir atrás de mim? - Perguntou o assassino, as notas de dor claras, mas consciente do que tinha feito e resignado em saber qual seria o destino dele.

- Eu não teria feito se você não a tivesse tirado de mim. - O tom de Anderson era grave, a dor psicológica era óbvia, quase tangível.

- Ela pisou no calo de quem me contratou. Esta pessoa, que eu sequer sei quem é, tinha a minha vida nas mãos dele, por causa de uma dívida substancial que tenho com agiotas. Era ela ou eu, caro garoto. - A resignação era cada vez maior.

- E agora a sua família ficará sem você, assim como eu estou sem o meu coração. Olhe bem pra mim, memorize nos seus últimos momentos o rosto daquele que vai tirar a sua vida.

O homem fez o que Anderson tinha ordenado, olhando bem para o rosto deste.

E Anderson acertou-lhe dois tiros no meio de seus olhos, atravessando sua cabeça. No momento seguinte, ele acertou mais dois tiros, no meio da testa. O último suspiro do assassino foi depois de sentir a maior dor que havia sentido na vida.

Imediatamente o novo assassino saiu de perto de sua vítima, após consumar sua vingança. Livrou-se das armas, jogando-a em uma caçamba de entulho bem longe do local do assassinato, dentro de um saco plástico. Fez o favor até mesmo de enterrar debaixo do entulho que a caçamba guardava.

Anderson voltou à sua vida, vivendo dias de absoluta tristeza por falta de seu coração, mas ciente de que havia tirado a vida de uma pessoa que não era o mandante. E a pessoa em questão era poderosa demais para que ele chegasse perto. Queria vingança? Queria. Mas estudaria o padrão de vida daquela pessoa para se vingar de outra maneira, porque aquele que puxara o gatilho já jazia morto.

1 Comentários

  1. Rapaaaaaaaaaaz!!!!!

    No bom sentido da fala, tu "meteste o pé na jaca"...

    Que conto trágico, ao mesmo tempo que, magistral!

    O amor de Anderson por Priscila e o sentimento de vingança pelo assassino de sua amada , foi muito bem descrito!

    Surpreendeu pela data em si, que remete a algo bom e tu trouxeste algo trágico e pela narrativa, que fugiu das suas características enquanto fictor, mostrando o quanto você é versátil.

    Olha...por essa eu não esperava.

    Parabéns!!!


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