FRAGMENTOS DE UMA ÓRBITA PERDIDA
Antes dos tiros. Antes das cicatrizes, da fama suja, da caixa misteriosa e de Nyx, zurgo ou Mako. Havia o som de motores antigos ronronando em meio ao silêncio infinito.
E a voz da mãe, rindo, dizendo:
— “Segura firme, Lúcia. Isso aqui vai balançar mais do que uma aposta de dados em Hesperion.”
Ela devia ter uns oito anos na época. Os pés não alcançavam o chão da cadeira do copiloto, mas já usava um cinto duas vezes maior que ela. Tinha as mãos sujas de graxa e o cabelo preso de qualquer jeito — como sempre.
O pai, no comando, era um homem de voz baixa e olhar firme, com um velho cigarro pendurado no canto da boca e uma calma que nunca parecia se abalar. Chamava a nave de Querida Arlene, como a mãe dele. A mãe real. Que Lúcia só conhecia por histórias vagas e distantes — do tipo que se desfazem no ar antes de virar memória.
Viviam assim: pulando de órbita em órbita, levando cargas que variavam entre canisters de combustível, peças agrícolas, microchips de procedência duvidosa e às vezes... coisas que Lúcia não podia perguntar.
— “Carga é carga,” o pai dizia. — “E crédito é crédito. Não se sobrevive no espaço sendo seletivo.”
A nave era velha, rangia em cada salto, mas tinha alma. Cheiro de aço antigo, couro barato e óleo térmico. As luzes de painel às vezes falhavam, e os sensores só funcionavam com três tapas e um xingamento. Mas para Lúcia, aquilo era lar.
As noites — ou o que se chamava de noite quando se vivia sem planetas — eram passadas ouvindo histórias do pai sobre rotas de contrabando esquecidas, sistemas abandonados, batalhas que ninguém admitia que tinham acontecido. E a mãe, sentada na cama, limpando armas que dizia “eram só por segurança”, enquanto ensinava Lúcia a jogar cartas de Vênus e a mentir olhando nos olhos.
— “Verdades são valiosas demais pra serem dadas de graça, Luluca.”
Era esse o apelido: Luluca.
Ela odiava.
— “Quando eu tiver a minha própria nave, vou apagar esse nome de toda a galáxia,” prometia.
A mãe ria, como se soubesse que aquilo um dia ia se tornar verdade. Mas nem todo salto é limpo. Nem todo cliente paga. Nem toda rota é segura. E foi numa dessas — uma entrega pequena, sem importância, em um satélite mineiro de Juno IX — que a sorte começou a virar. O que era pra ser apenas mais uma entrega... não seria.
Mas isso — Lúcia ainda não sabia.
Ainda havia infância. Ainda havia lar. Ainda havia pai, mãe... e um céu que parecia, por um breve momento, prometer liberdade. O satélite Juno IX não era nada mais que uma espinha de aço cravada no vazio. Uma estação de mineração semi - desativada, orbitando um gigante gasoso com nome de deus antigo e humor de demônio moderno.
A Querida Arlene atracou com dificuldade. A doca parecia abandonada, luzes falhando, sensores de aproximação respondendo com dois segundos de atraso — o suficiente para causar suor frio até no piloto mais experiente. Mas o pai de Lúcia não era do tipo que suava. Ele só dizia:
— “Quando a luz pisca, é porque o sistema tá pensando. Naves antigas são como gente. Inteligentes... mas temperamentais.”
A mãe, por outro lado, estava inquieta. Sentia. Sabia. Mas não disse nada — ainda.
O contato estava esperando num dos corredores principais da estação. Um sujeito magro, alto, olhos cinza demais pro tom de pele, e uma postura que dizia “corporação”, mesmo vestindo jaqueta civil.
Chamava-se Aren Volsk. E o sorriso dele era largo demais.
— “Senhores Vega... vocês chegaram rápido. E com a reputação que têm, imaginei que não recusariam uma oferta especial.”
A mãe cruzou os braços.
— “Diga o valor e o risco. Nessa ordem.”
— “Cem mil créditos.”
Silêncio. Até Lúcia, escondida atrás da porta da nave, soube que aquilo era muito. Muito mais do que qualquer entrega justa deveria pagar. O pai deu um passo à frente.
— “E o risco?”
Aren sorriu mais.
— “Transporte de carga em cápsulas blindadas. Três unidades. De Juno IX até Franja 17, próximo a Scylla Prime. Rota direta. Sem inspeção. Sem abertura de compartimento. Simples assim.”
— “Franja 17? Aquilo é espaço de ninguém,” disse a mãe, já com as sobrancelhas franzidas.
— “Exato,” respondeu ele, como se isso fosse uma vantagem.
O pai ficou em silêncio por um tempo. Estava pesando. Calculando.
Lúcia podia sentir isso — aquele jeito dele de olhar pro chão como se houvesse um mapa invisível que só ele enxergava. Quando ele finalmente falou, foi com voz grave:
— “Se for algo vivo ou radioativo, estamos fora.”
Aren apenas ergueu as mãos.
— “Não é. Palavras de honra.”
A mãe suspirou.
— “A honra de um estranho num lugar desativado. Que maravilha.”
Mas o pai apenas assentiu.
— “Aceitamos.”
Lúcia, do outro lado da parede, apertou o ursinho mecânico contra o peito. Ela não sabia ainda, mas aquela noite seria a última em que dormiria ouvindo os dois rirem na cabine, jogando cartas e fazendo planos para uma viagem tranquila.
Os motores da Querida Arlene roncariam como sempre. Mas o silêncio depois… Seria ensurdecedor. As cápsulas de carga foram acopladas à Querida Arlene com o cuidado cerimonial de quem lida com algo mais valioso do que aparenta. Cada uma delas tinha o tamanho de um torpedo médio, com blindagem opaca e marcas apagadas — como se alguém tivesse tentado raspar qualquer identificação que um dia existira. Aren Volsk observava tudo com as mãos nas costas, elegante demais para aquele lixão orbital. A cada novo encaixe, ele dava um pequeno sorriso satisfeito, como se estivesse empilhando o lucro com os próprios olhos. O pai de Lúcia fez a verificação tripla dos selos, conectores e rota energética. A mãe dele programava os saltos de navegação, com a mandíbula travada e o olhar duro, sem dizer uma palavra. Lúcia, como sempre, escapou pela lateral da baía de carga e foi até o vão entre os módulos de suporte da estação. Gostava de observar dali — do alto, entre os cabos e tubos antigos, onde os adultos esqueciam que ela existia. Foi ali que os viu. Três deles. Dois encostados em uma viga enferrujada, o terceiro sentado de pernas cruzadas sobre uma placa metálica inclinada, brincando com uma adaga curta, girando-a entre os dedos com habilidade entediada. Não usavam uniformes, nem tinham emblemas de corporação.
Mas seus olhos... os olhos diziam tudo. Não olhavam como curiosos. Olhavam como predadores que já sabiam o gosto do que caçavam. E estavam olhando diretamente para a nave dos Vega. Lúcia se encolheu atrás de um painel quebrado, com o coração batendo forte. Tentou memorizar o rosto do que girava a adaga — magro, careca, com uma cicatriz em forma de X atravessando o pescoço. Ele levantou o olhar. Por um segundo, os olhos dele encontraram os dela. E ele sorriu. Lúcia congelou.
Depois, como se fosse um jogo, ele apontou para ela com a ponta da adaga. Um gesto lento. Deliberado. E então piscou — uma piscadela zombeteira, como se dissesse “te vi, pirralha”.
Ela correu.
Quase caiu das escadas metálicas de emergência. Desceu direto pra baía, escorregando pelos corredores até chegar à sala de comando.
— “Mãe!” — arfou. — “Tem gente estranha lá fora. Três homens. Estão... olhando nossa nave.”
A mãe levantou os olhos dos dados de rota. Por um segundo, quase sorriu.
— “Aqui só tem gente estranha, Luluca. Você vai ter que ser mais específica.”
— “Um deles tinha uma faca! Ele me viu. Sorriu pra mim. Como se soubesse... alguma coisa.”
O pai, ao fundo, parou de trabalhar. Seu rosto ficou tenso. Silencioso. A mãe pousou os dados devagar. Olhou para o marido. Depois para Lúcia.
— “Onde exatamente você viu esses homens?”
Lúcia apontou.
— “Perto da torre de manutenção. Encostados nas vigas.”
O pai assentiu e caminhou até o terminal externo. Digitou comandos rápidos. Um monitor chiou, revelando imagens em preto e branco da área indicada. Mas... vazia.
— “Nada,” ele disse.
Lúcia franziu a testa.
— “Mas eles estavam lá.”
A mãe se abaixou, pousou a mão no ombro dela.
— “Eu acredito em você. Mas agora preciso que fique na nave. Sem mais explorações, entendeu?”
Lúcia hesitou. Mas assentiu. Sabia quando a voz da mãe era final.
Quando ficou sozinha no pequeno quarto de emergência da nave, abraçada ao seu ursinho mecânico — que fazia barulhos estranhos porque ela tinha desmontado metade dele —, Lúcia olhou pela janelinha de observação uma última vez.
A estação parecia calma. Mas algo, lá no fundo dela, sabia:
A calmaria era só a cortina. O que vinha depois... ia arrancar tudo.
O salto inicial foi suave. Como sempre era. A Querida Arlene deslizou para fora da órbita de Juno IX com a graça de uma nave muito mais velha do que parecia.
Seus motores antigos vibravam em harmonia com as estruturas gastas, e o som constante — aquele zumbido grave que preenchia tudo — dava à cabine uma estranha sensação de lar.
Lúcia Vega, ocupava o assento do copiloto, as pernas balançando no ar, segurando com firmeza o ursinho mecânico que ela mesma tinha desmontado e remontado tantas vezes que ele agora apitava em frequências irregulares. Jonas Vega, estava no leme, um homem de barba cerrada, voz de trovão calmo e olhos marcados por uma vida inteira entre sistemas esquecidos. Rina Solari, supervisionava os dados da carga — três contêineres blindados, selados sem identificação, o tipo de coisa que cheirava a problema mesmo antes de ser carregado.
— "Carga ainda está lacrada. Nenhuma atividade interna," murmurou Rina, os olhos fixos no monitor térmico.
— "Quer dizer que não é gente," respondeu Jonas.
— "Ou não é ainda," rebateu ela, em tom sombrio.
Pularam dois pontos de dobra. Tudo correu calmo. A Querida Arlene atravessava a vastidão silenciosa como uma âncora fantasma. As comunicações estavam bloqueadas por protocolo, os sistemas de navegação trancados. Rotina. Lúcia jogava cartas sozinha no tapete da cabine, enquanto o pai ouvia uma gravação de jazz orbital e a mãe cochilava na cadeira de vigia. Era o tipo de silêncio que parecia eterno. Seguro.
Quando estavam sobre Scylla Prime algo surgiu no radar, tudo mudou.
A nave inteira tremeu. O alarme soou em vermelho, sacudindo a cabine como um berro súbito de morte. Lúcia caiu de lado, derrubando as cartas e o ursinho. Jonas se levantou num salto, acionando os protocolos de escaneamento.
— "Impacto externo! Não é asteroide. Estão tentando se acoplar."
Rina já estava de pé. Seus olhos perderam a suavidade habitual. Pegou o rifle de dispersão do compartimento superior e jogou uma pistola para Jonas.
— "Piratas?"
— "Quatro naves. Pequenas. Orbitando. Eles planejaram isso."
A tela mostrou os pontos de calor. Uma das naves inimigas se prendeu ao casco lateral como um carrapato. A sonda de corte começou a trabalhar.
— "Lúcia! Compartimento de fuga. Agora!"
— "Mas papai—"
— "AGORA!"
Ela correu. As luzes piscavam. O som do metal sendo violado pelos invasores era como um grito de agonia. A menina entrou num corredor lateral e se escondeu atrás de um painel.
A escotilha traseira cedeu. Cinco homens armados entraram. Rina e Jonas abriram fogo. Os tiros de plasma traçaram linhas incandescentes pelo corredor.
Um dos piratas caiu. Outro disparou uma granada.
Rina foi arremessada contra a parede. Jonas atirava de joelhos, segurando o peito com a mão esquerda. Acertou dois. Sangue. Faíscas. Gritos.
Então veio ele.
O homem da faca.
Magro. Careca. A cicatriz em forma de X no pescoço. Olhos frios. Ele caminhava como se nada o tocasse. Jonas viu-o. Tentou atirar. O homem girou a faca na mão, desviou de um disparo e jogou-a direto no peito do capitão Vega.
Jonas engasgou. Caiu de joelhos.
Lúcia viu tudo.
— "PAPAI!"
Ele virou o rosto para ela, já meio sem força. E sorriu.
— "Vai, Luluca..."
Jonas tombou. Rina gritou. Ela se levantou, cambaleando, com o rosto manchado de sangue, e disparou contra o homem da faca. Ele se escondeu. Outros dois piratas vieram por outro flanco. Rina matou um com um tiro na cabeça. Acertou o outro no ombro. O homem da faca se aproximou.
Rina pegou Lúcia no colo. Correu até o compartimento de fuga. A garota tremia, os olhos fixos na mancha que já não era seu pai.
— "Mãe..."
— "Lúcia, escuta, Escuta com toda força. Você é minha razão. Não olhe pra trás."
Ela colocou a filha dentro da cápsula. O painel começou a se fechar.
O homem da faca surgiu, rindo baixo.
— "É melhor obedecer a mamãe… Lulu."
Rina congelou. Lúcia arregalou os olhos. Rina encarou o homem. Um tiro. Ele desviou. Ela foi atingida no abdômen. Caiu de joelhos. Mas a mão alcançou o painel. Ela apertou o botão.
EJEÇÃO INICIADA.
A cápsula disparou. Lúcia gritou, batendo nos vidros, vendo a mãe ser atravessada por outra faca. Viu a última lágrima escorrer pelo rosto dela. Viu o homem da faca se virar. E viu seu sorriso. E então… Nada. O vazio a engoliu. Lá fora, o universo seguia indiferente. Mas dentro da cápsula, Lúcia Vega apertava o ursinho contra o peito e sentia algo quebrar. Algo que jamais se consertaria.
A atmosfera de Scylla Prime cortou a cápsula como lâminas de fogo. Ela caiu zunindo pelos céus ocres do planeta, atravessando nuvens carregadas de poeira radioativa e ventos que urravam como predadores antigos. Chamas lambiam o exterior da estrutura, mas os escudos térmicos aguentaram. A queda terminou com um impacto seco contra a areia vermelha do deserto.
Silêncio.
A poeira baixou devagar, revelando a cápsula — intacta, mas afundada metade no solo.
Lúcia estava viva. Respirando raso. Os olhos vermelhos. O ursinho mecânico em seus braços tinha uma orelha queimada. Ela empurrou a escotilha com esforço. Um rangido agudo. A luz alaranjada do dia invadiu a cabine. Lá fora: nada.
Nenhuma árvore. Nenhuma construção. Nenhum som. Apenas o deserto.
Apenas Scylla Prime. O lugar onde a escória do universo se escondia. Onde ladrões, piratas, mercenários e golpistas viviam nas rachaduras da civilização. Onde leis não passavam de boatos. Ali, no meio do nada, uma menina de nove anos estava sozinha.
E pela primeira vez…
Lúcia Vega não era filha de ninguém. Era apenas ela contra o mundo.
O calor do deserto raspava sua pele como lixas invisíveis, levantando partículas de poeira fina que se infiltravam em tudo — na boca, nos olhos, na memória. Lúcia andava sem rumo, os passos cada vez mais pesados, afundando nas dunas irregulares.
O céu acima era um manto opaco, sem nuvens, sem clemência. O sol parecia zombar dela, uma estrela fixa no alto, indiferente à dor de quem rastejava abaixo.
As lágrimas tinham secado muito antes da sede apertar. E agora, tudo que restava era o vazio.
Ela não pensava em abrigo. Só colocava um pé diante do outro. Os olhos ardiam, e a garganta era uma fenda rachada, de onde não saía mais som. Os pais estavam mortos. Isso ela sabia. Não como uma lembrança, mas como um peso — um ferro cravado dentro do peito.
Quando a perna falhou, ela caiu de lado, sem força para se levantar. A areia quente a recebeu como um túmulo raso. O mundo girava. O céu e o chão se confundiam, a linha do horizonte dissolvida numa névoa de luz e cansaço.
Ela tentou puxar o ar. Só conseguiu meio suspiro. Sob o céu opaco e sem nuvens, a areia queimava como brasa viva. As dunas tremulavam no horizonte, distorcidas pelo calor, e o vento soprava baixo, como um sussurro antigo que prometia apenas esquecimento. Nada sobrevivia ali por acaso. Cada criatura que rastejava ou caçava naquela imensidão aprendia a matar cedo — ou desaparecia na poeira.
Lúcia andava sem rumo.
Os pés descalços estavam em carne viva. A pele dos braços, rachada e escurecida pelo sol. Ela mal lembrava quanto tempo havia passado desde que fugira — ou desde que vira seus pais pela última vez. O luto era um buraco silencioso dentro do peito. Um lugar escuro, frio, e onde nada mais parecia importar.
A sede fazia seus pensamentos se embaralharem. A barriga doía de fome, mas já nem roncava — apenas se contraía, em espasmos vazios. A cabeça pesava. A boca era só poeira.
Ela caiu uma vez. Depois outra. E mais uma. Sempre se levantando, arrastando os joelhos, os cotovelos, como se ainda houvesse um destino possível.
Mas então, no silêncio cortado apenas pelo zumbido abafado do vento, ela ouviu.
Passos. Não humanoides. Não mecânicos. Passos leves, múltiplos, ritmados... circulares.
Lobos do deserto. Eles tinham o formato básico de um lobo terrestre — quatro patas, corpo longo, orelhas triangulares — mas as semelhanças paravam aí. Seus olhos, três em vez de dois, brilhavam em tons de âmbar e verde, e suas mandíbulas duplas se abriam lateralmente, exibindo fileiras de dentes translúcidos como cristal. Tinham pele fina e áspera, coberta por pequenos pelos resistentes que se camuflavam com perfeição na areia escaldante. As patas dianteiras eram ligeiramente mais longas, adaptadas para saltos imprevisíveis.
Lúcia os conhecia — ou pelo menos já tinha ouvido histórias. Ninguém sobrevive a um bando deles.
Ela ficou parada.
Não havia para onde correr.
E mesmo se houvesse... ela não podia. Não conseguia. Seus músculos mal respondiam. O corpo vacilava. E a mente... queria apenas descansar. Encerrar tudo. Deixar o deserto levar.
Os vultos se aproximavam.
Seis... oito... talvez mais.
Seus olhos se cruzaram com os de um deles — um brilho metálico, faminto, curioso. O lobo farejou o ar, deu um passo. Outro. A língua negra passou entre as presas duplas.
Ela fechou os olhos.
“Acabou.”
Mas então — o som.
Um estrondo seco.
Um dos lobos foi lançado para o lado, o corpo contorcendo-se no ar antes de cair inerte na areia.
Os outros recuaram de imediato, alertas. Farejaram o ar. Rosnaram.
Mas algo maior que eles havia chegado. Lúcia abriu os olhos com esforço. A visão tremia, a luz do sol queimava tudo em branco e sombras. Mas ela viu uma silhueta. Uma figura.
Alguém — ou algo — se aproximava.
Humanoide, mas estranho. Alto. Esbelto. Pele verde, lisa como pedra molhada. Os olhos — enormes, negros, sem pupilas visíveis, profundos como o espaço entre as estrelas.
Ele se ajoelhou ao lado dela, sombra projetada sobre seu rosto queimado.
A voz não veio pela boca.
Veio de outro lugar. Um som que parecia vibrar direto dentro da cabeça dela.
— Parece que cheguei bem a tempo.
E então, finalmente, o mundo escureceu de vez.
Lúcia desmaiou.
0 Comentários