Capítulo VI - Voe para longe nas asas do vento.
E, como veremos mais adiante, a coisa não para por ai.
Quando Shido e Bado tinham oito anos de idade, um dos primos
deles, Sven Knutssen von Bygul, veio a óbito. Por conta de sucessivos
casamentos consanguíneos entre seus familiares ao longo de gerações, problemas
genéticos aparecem em seu círculo familiar. No caso específico do pobre Sven, a
terrível hemofilia é o mal que o afligiu em vida e em última instância o levou
a óbito, aos 11 anos de idade.
Um hemofílico possui dificuldades para coagular o sangue, e
dessa forma uma simples ferida, por mais superficial que seja, pode lhe causar
grandes transtornos. Durante muito tempo Sven, segundo filho do irmão mais
velho de Harald, Knut, esteve sob os cuidados dos melhores médicos de Asgard.
Era um dia como qualquer outro na mansão de Knut Olafsson
von Bygul. Como de costume, Sven, dada sua saúde precária, estava sob estrita observação
dos pais e criados da família. Quando de repente, quando ninguém esperava, ele passou
rente a um objeto cortante. O objeto em questão cortou o braço direito de Sven,
no que gerou uma ferida.
Rapidamente a ferida virou sangramento, este desembocou em
hemorragia e dessa vez não teve não teve jeito. Ele foi atendido pelos médicos
e levado às pressas ao hospital mais próximo, mas não resistiu à perda de
sangue e faleceu, e a perda precoce dele impactou Shido profundamente. Visto
que Shido era muito apegado a Sven, sempre ajudou a cuidar dele. Os pais e tios
de Shido notavam isso, e achavam a relação entre eles muito bonita.
Eles desenvolveram uma relação que até parecia que eles eram
irmãos um do outro. Era como se Sven exercesse para Shido o papel que deveria
ter sido exercido por Bado caso esse não tivesse sido abandonado na floresta
pelos pais. E isso ajudava a amenizar a dor que Harald e Astrid sentiam por
terem abandonado Bado. Para Harald e Astrid, quando eles viam Shido e Sven se
divertindo juntos e brincando era como se estivessem diante de uma visão do que
poderia ser Shido e Bado juntos. E isso era reconfortante para eles.
Após Sven ser enterrado, Shido caiu em prantos. Ele se lembra
de todos os momentos que passou ao lado do primo. Todas as brincadeiras, quando
eles iam ver juntos os animais da fazenda, andar a cavalo pela floresta,
passeios pelos lagos na primavera. Tudo isso sob a estrita supervisão tanto dos
pais quanto dos tios de Shido. Além disso, Sven era um verdadeiro confidente
para Shido.
Certa vez, os dois conversaram a respeito de Bado.
FLASHBACK – dois anos
antes, mansão dos pais de Sven.
Shido – “você sabe que eu tenho um irmão gêmeo, né Sven?”.
Sven – “Sim, eu sei. Meus pais me contaram a história. O
nome dele é Bado”.
Shido – “Sim, e ele foi abandonado ainda pequeno, por conta
das leis de nosso país”.
Sven – “Imagino a dor que deve ser para vocês, ter de lidar
com a ausência dele. É como se ele estivesse de alguma forma presente nas vidas
de vocês, mesmo estando ausente”.
Shido – “Sim, isso mesmo”.
Shido então desabafa, derrama algumas lágrimas dos olhos.
Shido – “Sabe Sven, nós nunca nos esquecemos do Bado, mesmo depois
de abandoná-lo, nós sempre nos lembramos dele. O que quer que tenha ocorrido a
ele, eu...”.
Os dois se abraçam em seguida.
Sven (sorrindo) – “Sabe Shido, tenho certeza que o Bado
ainda está entre nós e que um dia você irá encontrá-lo”.
Shido – “Você só pode estar brincando...”.
Sven – “Não Shido, algo dentro de mim me diz que ele está
vivo, em algum lugar”.
FIM DO FLASHBACK
“Enquanto eu viver, jamais me esquecerei de você, primo. Voe
para longe nas asas do vento”, diz Shido diante do túmulo do primo.
Passadas duas semanas do óbito do primo, Shido se lembra
dessa conversa. Ainda assim, ele acha que o irmão gêmeo deve estar morto. Era
impossível ele ter sobrevivido sozinho ali, deve ter virado a janta do dia de
um urso ou carcaju transeunte, concluiu ele. Mas ainda assim, isso continua a
martelar na cabeça dele, a simples ideia de Bado poder estar vivo. De alguma
forma a conta parece não fechar na cabeça dele.
Outra fonte de preocupações e problemas para a família von
Bygul é um dos tios paternos de Shido e Bado, Rolf. Primo de Harald, ele sofre
desde tenra idade com demência, e nos últimos anos o problema tem se agravado,
assim forçando-o a passar longos períodos internado em sanatórios. E a
tendência com o passar do tempo é sua situação mental, que nunca foi das
melhores, piorar. Picos de ansiedade e agressividade o flagelam periodicamente,
e nesses momentos ficar perto dele é um martírio.
Rolf também veio a óbito, um ano depois de Sven, em
decorrência de um surto epiléptico. A relação de Shido com o tio Rolf não era
das melhores, cheia de altos e baixos por conta da instabilidade mental dele,
mas ainda assim o filho de Harald e Astrid se compadece do tio infeliz.
Com o passar dos anos, e levando em conta os casos do primo,
do tio e outros similares mais distantes em outras famílias nobres de Asgard, o
jovem Shido passou a questionar os sucessivos casamentos consanguíneos não só dentro
de seu círculo familiar, como também em outras famílias de sangue azul do reino
nórdico.
Os pais de Sven são primos de terceiro grau um do outro.
Dessa forma, eles possuem bisavôs em comum. E os pais de Rolf, idem. Será que
não está na hora de desposar uma moça fora dos círculos aristocráticos de
Asgard, talvez uma camponesa ou uma criada, pensou ele certa vez? Em outras
palavras, fazer de uma moça comum sua Cinderela e assim colocar sangue novo em
sua descendência? Uma coisa é certa – um relacionamento desses não será muito
bem quisto pela aristocracia asgardiana.
Os anos se passaram, e a profecia de Sven se tornou
realidade. Shido e Bado enfim se encontram pela primeira vez depois de terem
sido separados.
Bado caçava coelhos para ter sua janta do dia. Consegui
apanhar um deles, e se preparava para apanhar um segundo com a ajuda de uma
pedrinha. Quando eis que Shido, vendo de longe a cena e montado em um cavalo, intervêm
e se interpõe entre Bado e o coelho.
Shido pede para Bado não atacar o coelho já ferido, e ao
olhar para Bado nota que ele é idêntico a ele. Ele dá a Bado sua adaga, e este
vê que a adaga de Shido é idêntica à dele. O mesmo formato, a mesma decoração,
as mesmas joias, e o mais importante de tudo: o mesmo brasão de família.
Em seguida os pais dos meninos aparecem, também montados em
cavalos, querendo saber o que está acontecendo. Eles viram Bado, mas não
tiveram coragem de olhar na cara dele. Já Shido adotou o coelhinho como animal
de estimação e passou a cuidar dele nos anos seguintes.
Assim Bado, além de ter o seu jantar do dia parcialmente arruinado,
descobriu de onde veio. A primeira vez na qual ele se deu conta de que ele foi o
abandonado pela família de nascença, e Shido o escolhido. E a primeira vez na
qual a vida esfregou em sua cara que ele é uma sombra do irmão e que por mais
que tente nada mudará isso. Uma vez sombra, sombra para sempre.
Dias após o encontro com Bado, Shido faz uma visita à
residência dos tios junto com os pais. Ele vai ao quarto que era de Sven e descobre
uma carta por ele escrita poucos dias antes de deixar este mundo. A carta
estava em um dos livros da biblioteca que Shido pegou
aleatoriamente e folheou as páginas. Um livro a respeito da história dos
Guerreiros Deuses de Asgard, um dos favoritos de Sven em vida.
TEXTO DA CARTA
Shido, meu primo querido e amado. Você
foi para mim um verdadeiro irmão, mas sei muito bem que jamais poderei
substituir o teu irmão ausente. Não sei por que, mas tenho a sensação de que
não me resta muito tempo de vida pela frente.
Desde que me entendo por gente tive saúde
frágil, por causa da minha hemofilia. É um verdadeiro martírio, ter de lidar com
essa doença.
Mas quero que saiba de uma coisa. Se um
dia você estiver lendo esta carta é possível que eu já não esteja mais neste
mundo. E é possível também que você já tenha se encontrado com o Bado, teu
único e legítimo irmão de sangue.
Só lhe peço uma coisa: se o Bado, ao
saber quem ele é e de onde ele veio, passar a demonstrar a ódio por você, por
favor, não julgue o teu irmão, apenas tente entender os sentimentos dele, os
motivos dele.
FIM DO TEXTO
Ao ler o texto na companhia dos pais, tios e alguns primos, Shido fica emocionado. “Sven, o quer que aconteça, cumprirei tua vontade”, diz Shido ao ler a carta.
1 Comentários
Texto triste e dramático.
ResponderExcluirPrimeiro com a morte de Sven, o primo de Shido.
Depois, o destino, de maneira zombeteira, promove o encontro dos irmãos.
Creio que, conforme previsto por Sven, Bado sentirá ódio mortal por seu irmão, justamente por ter sido renegado .
Teremos fortes emoções daqui pra frente.
Mandou muito bem!